Uma receita de empatia

Por
01 de mai de 2020

O fluxo acrescido de moradores de rua em busca de refeição no restaurante “Duas Terezas”, localizado no número 514, da Alameda Lorena, no Jardim Paulista, zona Oeste da capital, com o início da quarentena na cidade de São Paulo, há pouco mais de um mês, chamou a atenção da proprietária e chef de cozinha Mariana Pelozio.

A primeira atitude tomada por ela foi estabelecer que todos os que fossem ao seu restaurante pedir por comida recebessem alimentação. Contudo, ela sentia o desejo de contribuir de outras maneiras.

Paroquiana do Santuário São Judas Tadeu, na Região Episcopal Ipiranga, juntamente com o marido, Diego Ciarrocchi, Mariana tem tido contato com a população de rua desde que conheceu o Arsenal da Esperança.

Em 2014, ao participar do curso de expressão viva, da Oficina Viva Produção, da cantora Ziza Fernandes, ela fez parte do elenco do musical “Caminhos da Esperança”, que contou a história da entidade.

A chef de cozinha soube, por seu esposo, que a sede do Arsenal da Esperança, no bairro da Mooca, desde o dia 23 de março se tornou o local onde mil moradores de rua permanecem em quarentena ininterruptamente, como forma de protegê-los dos riscos de contágio pelo novo coronavírus.

“O Arsenal da Esperança está fazendo algo inimaginável, um milagre. Se nós pensarmos em um café da manhã, falamos de mil pães e mil copos de café com leite, mas isso cresce e, em uma conta rápida, por refeição, são gastos 280kg de arroz, fora o jantar”, comentou em entrevista ao O SÃO PAULO.

INGREDIENTES

Mariana sabia que não conseguiria fazer uma doação suficientemente capaz de atender as necessidades atuais: “Eu tinha que fazer com que outras pessoas também ajudassem  [o Arsenal da Esperança]. Precisava de um mutirão, mas como fazer um na quarentena? Foi quando eu pensei em juntar as pessoas na internet”, contou.

Inspirada nas lives de outros profissionais da Gastronomia e áreas diversas, ela decidiu utilizar sua influência nas redes sociais e ministrar uma aula de culinária on-line, em que os futuros alunos pagam o quanto podem pelo ingresso e todo valor angariado será destinado ao centro de acolhida.

A oficina gastronômica “Cozinha e Solidariedade” acontecerá no sábado, 2, às 20h, e não ficará disponível posteriormente: “A ideia é cozinhar com o que as pessoas têm em casa, para que possam fazer comigo”, explicou a chef, completando que o propósito da aula, além, das doações, é ensinar como utilizar os alimentos em sua totalidade.

Ela adiantou, ainda, que o prato principal da live terá panqueca de berinjela e arroz temperado com o talo do legume para que nada seja desperdiçado.

Os interessados devem acessar o site do restaurante “Duas Terezas” e preencher um formulário. Os organizadores farão o contato com a confirmação da inscrição e informando os ingredientes que serão usados no preparo das receitas. O pagamento deve ser feito pelo aplicativo Ame Digital (disponível para Androide e IOS). Com o aplicativo instalado, basta escanear o QR code e pagar no débito ou crédito o valor desejado.

QUEM DIVIDE MUTIPLICA

“Eu sei que nenhum valor será suficiente para bancar o Arsenal, são mil pessoas, precisa de muito dinheiro. O que eu espero conseguir é que mais pessoas se sensibilizem, saibam que o Arsenal existe, que tem mil pessoas que estariam nas ruas, sendo contaminadas e contaminando, mil pessoas que não teriam o que comer e que estão sendo alimentados e têm um teto para dormir”, manifestou Mariana.

Com a aula, ela deseja que mais pessoas se perguntem: ‘eu estou em casa de quarentena e quem não tem casa, onde dorme essa noite?’ E que com este questionamento transformem o pensamento de suas prioridades: “Se cada um faz um pouco, nós conseguiríamos mudar tudo. Esse é o pouco que eu posso fazer”.

A cantora Ziza Fernandes, diretora-geral da Oficina Viva Produções, apoiadora do projeto e que apresentou o Arsenal da Esperança a chef de cozinha, afirmou: “como um corpo docente, nunca teremos noção sobre o impacto do que nós fazemos se amplifica dentro das pessoas. É um privilégio ver como a Mariana multiplica em amor, em atos concretos, em compromisso com a humanidade em um momento tão delicado, em que precisamos cada vez mais entender que nossa missão é sermos pontes uns para os outros”.

O ARSENAL DA ESPERANÇA

Transformar a casa de acolhida em um espaço de quarentena, significou um grande desafio institucional, de acordo com Padre Simone Bernardi, atual administrador do Arsenal. Atualmente, são oferecidas 3 mil refeições diárias. Acrescenta-se a isso o crescimento com os gastos de água, luz e outros insumos.

“O Arsenal tentou responder desta forma a população de rua que é muito grande. A nossa parte foi tentar preservar uma parcela de mil pessoas e até agora parece que esse esforço serviu, pois não tivemos casos graves de adoecidos. Eu considero isso um pequeno milagre, pois são pessoas com a saúde muitas vezes precária e uma história de vida difícil, com dependências. O fato de termos oferecido essa quarentena protegeu essas pessoas até agora e espero que continue assim”, celebrou Padre Simone.

O responsável define que a inciativa da chef de cozinha beneficiará a entidade de duas formas: a primeira, concretamente, por meio dos valores que irão custear parte das despesas. A segunda, com a inspiração de novos gestos de fraternidade: “Isso mostra que a solidariedade é possível em qualquer circunstância, isto é um grande sinal!”

Segundo o sacerdote, a população de rua sempre esteve, de certa forma, isolada socialmente e, por isso é louvável a atitude da chef de cozinha, “que poderia estar pensando apenas nos problemas que vem enfrentando, pois é evidente de que quem tem uma atividade está sofrendo também, mas está pensando nos outros mais desfavorecidos. Por meio da comida que ela ensina, está fazendo com que pessoas que não teriam comida também possam se alimentar. Em tempos tão difíceis, isso um sinal de bondade muito grande”, concluiu.

Acompanhe o trabalho do Arsenal da Esperança

 

 

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.