SÃO PAULO

Diana Cruz

Toda vida vale a pena, porque todos somos compatíveis com o amor

Por Cleide Barbosa ESPECIAL PARA O SÃO PAULO
20 de março de 2020

A Trissomia 18, apesar de rara, é a segunda mais comum depois da trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down)

Diana Cruz, médica cirurgiã plástica, pouco havia ouvido falar da síndrome de Edwards – condição genética resultante de trissomia do cromossomo 18 – até o diagnóstico de sua filha Isabela, ainda na gestação. 
A Trissomia 18, apesar de rara, é a segunda mais comum depois da trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down). Estimativas apontam que 95% dos fetos com trissomia do cromossomo 18 são abortados espontaneamente. A sobrevivência pós-natal também é pequena, sendo estipulada desde poucos dias até alguns meses. 
Apesar de a literatura médica dizer que o diagnóstico da síndrome de Edwards é “incompatível com a vida” e de terem sido orientados a interromper a gestação, os pais de Isabela discerniram contrariar as estatísticas e deixar a vida seguir seu curso, um processo que, inclusive, lhes deu um novo significado para a existência, como a médica contou em entrevista ao jornal O SÃO PAULO e à rádio 9 de Julho. 

O SÃO PAULO – FALE-NOS UM POUCO DA SUA GESTAÇÃO E COMO RECEBEU O DIAGNÓSTICO DE UM FILHO COM A SÍNDROME DE EDWARDS
Diana Cruz – Nós tivemos o diagnóstico da síndrome de Edwards durante a gestação, no ultrassom morfológico de 21 semanas. A orientação que nos foi dada por um colega médico gabaritado de São Paulo foi a que se dá tanto aqui no Brasil quanto no exterior: interromper a gestação, que seria algo simples, pois a autorização judicial sairia em menos de uma semana. Nós optamos, porém, deixá-la viver, nem que fosse o tempo de vida dela, porque não somos Deus para determinar a vida de cada um. Se ela veio para nós, íamos levar a gestação mesmo com o prognóstico dos médicos. Sempre nos diziam que ela não iria viver e que, se nascesse, não iria ter tipo algum de interação ou reação. 

POR QUE A ORIENTAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE INTERROMPER A GRAVIDEZ É COMUM NESSES CASOS? 
A Medicina ainda classifica a síndrome de Edwards como incompatível com a vida. Na verdade, há pouquíssimos estudos, praticamente não existe nada na literatura médica sobre o assunto. Então, esta acaba sendo a conduta: feito o diagnóstico, interrompe-se a gestação incompatível com a vida, porque o bebê não vai chegar a nascer; se nascer, não vai sobreviver ao parto; e, se sobreviver, vai morrer na primeira semana. Ainda que isso não aconteça, o bebê vai vegetar numa cama, não vai esboçar qualquer tipo de reação nem reconhecer ninguém. Esse é o pacote completo da síndrome de Edwards.
Apesar de meu marido e eu sermos médicos, mesmo no meio médico não há muito conhecimento da trissomia do cromossomo 18. Por isso, quando tivemos o diagnóstico, fomos procurar mais informações a respeito. E foi aí que vimos que, na verdade, não existe trabalho e literatura médica. Os trabalhos que existem são muito antigos e o que eles dizem é o que os médicos nos passavam: incompatibilidade com a vida e malformações. Na verdade, foi assim que fomos tomando contato e ciência do que seria, e era apenas isso o que tínhamos naquele momento. Hoje, eu até faço parte de diversos grupos nas redes sociais de Síndromes Raras, como a trissomia do cromossomo 18. Há grupos que reúnem pessoas do mundo todo. Quando chega, por exemplo, alguma gestante nova no grupo, existe uma tentativa de acolhimento, de mostrar o que é apresentado na literatura médica e o que os médicos passam para todos.

O QUE FOI MAIS DIFÍCIL E O QUE A FORTALECEU PARA LEVAR A GESTAÇÃO ADIANTE?
Acredito que o mais importante e que mais nos fortaleceu durante a gestação da Isabela tenha sido realmente o amor. Eu acho que foi o amor que tínhamos por ela. Os fatores mais importantes nesse momento são a fé e o amor. Acho que não há outra coisa que nos sustente nesse momento. 

DO NASCIMENTO AO DESENVOLVIMENTO DA BEBÊ, CADA DIA É UMA VITÓRIA? 
Eu costumo dizer que a Isabela é meu pacotinho de amor e luz. Ela nos ensina coisas impressionantes: a superação, a fé, o amor que a cada dia aumenta mais. Ela faz com que, na prática, vivamos um dia de cada vez. Ela nos ensinou a viver um dia após o outro, a aproveitar os momentos e a curtir as pequenas e grandes conquistas. Acabamos vibrando muito com cada pequena conquista, com cada ‘sonzinho’ diferente que ela faz. Pequenas coisas são motivo de grandes comemorações. Mudamos a nossa maneira de pensar também em relação a todos os outros assuntos. Percebemos o quanto é importante valorizar o que realmente importa. A Isabela mudou muito a nossa vida. Acho que faz com que cada um que convive com ela se torne uma pessoa melhor a cada dia.

A PARTIR DA SUA EXPERIÊNCIA, MESMO QUE A CIÊNCIA APONTE UM PANORAMA DESANIMADOR, PAIS DE FILHOS COM DOENÇAS RARAS PODEM TER BOAS PERSPECTIVAS? 
É complicado falar das perspectivas de uma forma muito ampla, mas precisamos acreditar que tudo o que acontece é certo, é o que deveria acontecer, que Deus nunca vai errar no que faz. Acreditar nisso ajuda muito. Às vezes, muitas pessoas têm vergonha dos seus filhos com necessidades especiais, porque é diferente, porque as pessoas olham, enfim, porque é mais difícil. Dependendo da síndrome, ela vai exigir mais conforme a criança cresça. As necessidades podem ser todas diferentes, mas a melhor perspectiva é que tudo realmente tem uma razão, tudo é feito para o nosso bem e para o nosso crescimento, e, assim, Deus vai sempre nos amparar da melhor forma. Nós estamos aqui para cultivar esse amor, esse crescimento mútuo. Como eu falei, a Isabela traz luz aonde ela chega. Quando ela dá um sorrisinho, ela consegue conquistar todo mundo. Ela é realmente um presente. Então, escutamos muito umas frases clássicas, como “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos”, ou que “Deus dá filhos especiais para pais especiais”. No começo, achávamos meio estranho, mas depois começamos a entender que, na verdade, isso tem muito sentido. Hoje, de certa forma, nós nos sentimos especiais, porque somos os pais da Isabela. 

A FÉ E O AMOR OS AJUDARAM A SUPERAR O PROGNÓSTICO NEGATIVO ATRIBUÍDO À SÍNDROME DE EDWARDS? 
A verdade é que a Medicina sabe muito pouco sobre essa síndrome. A Isabela nos surpreende. Ela sorri e nos reconhece. Fala “papai” e “mamãe”. Eu tenho outro filho de 4 anos que é o amor dela. Ele chega, ela o reconhece; ela se derrete para ele, sorri para ele da forma mais pura que possa existir neste mundo. É emocionante quando conseguimos ter a calma e a tranquilidade para perceber toda essa beleza. Ela interage! Desde o ano passado que ela vai para a escolinha. Começamos a fazer a sua inclusão. Ela adora as outras crianças, é o xodó dos amiguinhos da turma. Então, aquela história toda de que ela não iria reconhecer, falar, interagir, cai por terra. Com isso, percebemos que a Medicina sabe muito pouco de tudo e que as pessoas estão aí para nos surpreender. Eu acho que temos que acreditar e deixar a vida acontecer. Toda vida vale a pena, porque todos somos compatíveis com o amor. 

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