INTERNACIONAL

Frei Bruno Varriano

Somente Jesus pode trazer a paz para a sua terra

Por Padre Cido Pereira e Fernando Geronazzo
12 de setembro de 2017

Em entrevista concedida ao jornal O SÃO PAULO , à rádio 9 de Julho e ao portal Arquisp, Frei Bruno Varriano, falou sobre o trabalho realizado pela Igreja Católica na Terra Santa, a relação com judeus e muçulmanos e a importância da ajuda dos católicos de todo mundo

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Há 21 anos vivendo na Terra Santa, Frei Bruno Varriano é guardião da Basílica da Anunciação, em Nazaré, desde 2013. Em entrevista concedida ao jornal O SÃO PAULO , à rádio 9 de Julho e ao portal Arquisp, no dia 24 de agosto, durante sua visita à Capital Paulista, sua terra natal, o Frade Franciscano falou sobre o trabalho realizado pela Igreja Católica na Terra Santa, a relação com judeus e muçulmanos em meio aos conflitos no Oriente Médio, bem como da importância da ajuda dos católicos de todo mundo por meio da coleta realizada na Sexta-feira Santa para manter não somente o patrimônio cultural, mas também para socorrer os cristãos em dificuldade. Frei Bruno também confidenciou que foi um desejo pessoal ser um frade da Custódia e disse, ainda, que, quando morrer, deseja ser sepultado naquele solo. Confira a entrevista. 

 

O SÃO PAULOQUANDO O SENHOR RECEBEU A NOMEAÇÃO PARA SER GUARDIÃO DA BASÍLICA DA ANUNCIAÇÃO?

Frei Bruno Varriano - Eu estava passando pelo Brasil depois da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, em 2013. Estava de férias no Convento São Francisco [no centro de São Paulo]. Quando eu fui nomeado, o então Custódio [Frei Pierbattista Pizzaballa] pediu para cuidar de alguns restauros na casa de Nossa Senhora, que estava muito fragilizada, e pediu que eu começasse, do nada, uma emissora de televisão. Quando eu cheguei na casa de Nossa Senhora e olhei para aquela Basílica, a maior do Oriente Médio, eu vi toda aquela responsabilidade e disse: “O que eu vou fazer?” Eu perguntei para o Custódio: “Onde eu vou arranjar dinheiro?” E ele respondeu: “É por isso mesmo que te trazemos aqui”. “A palavra que entrou no meu coração foi a mesma que entrou no coração de Nossa Senhora naquele dia da Anunciação: “Para Deus nada é impossível”.
 

COMO É A PRESENÇA CRISTÃ NOS LUGARES SANTOS?

São muitas as confissões cristãs. Dentro dos lugares santos, a Igreja Católica Apostólica Romana é representada pelos franciscanos, mas também temos outros católicos de rito oriental, como os melquitas maronitas e outros pequenos grupos. Temos, ainda, os não católicos, como os ortodoxos gregos, armênios, siríacos, etíopes e coptas, além de luteranos e anglicanos. Vivemos em harmonia, temos respeito uns aos outros. Todos somos irmãos. Há dificuldades, às vezes, dentro do Santuário do Santo Sepulcro ou em Belém, onde existe o “Status quo”, a lei criada pelos turcos para organizar a vida dessas confissões no mesmo lugar (leia mais na página ao lado). Os franciscanos procuram sempre viver em harmonia, mas sem perder o lugar da Igreja Católica que representamos nesses espaços. No entanto, essas diferentes confissões representam apenas 2% da população na Terra Santa. 

 

O QUE MANTÉM FINANCEIRAMENTE A IGREJA NESSA REGIÃO? 

Já no tempo da Igreja nascente, São Paulo pede uma coleta para os cristãos de Jerusalém. Até hoje, a Igreja-mãe é pobre. São poucos os cristãos nos lugares santos e, por isso, não são suficientes para ajudarem na manutenção. A ajuda para a Terra Santa é a coleta da Sexta-feira da Paixão do Senhor. Em todas as igrejas do mundo são feitas essas coletas, que são destinadas não apenas para a manutenção desses lugares santos, mas sempre com a preocupação de também cuidar das “pedras vivas”. Mantemos as nossas escolas e obras sociais, construímos casas para os cristãos, de modo especial para os que tiveram suas casas destruídas em Alepo e Damasco, na Síria. A coleta também ajuda a financiar bolsas de estudos para que cristãos possam estudar no exterior e depois voltarem para ajudar na Terra Santa. Nós temos, por exemplo, a Escola Magnificat, que é a única no Oriente Médio onde estudam cristãos, muçulmanos e judeus e cujos professores também são das três religiões. Um lugar extraordinário de encontro. Portanto, são muitas as iniciativas. Os cristãos em dificuldades na Terra Santa necessitam da nossa ajuda. 

 

COMO OS CRISTÃOS VIVEM EM MEIO AO CONFLITO ENTRE JUDEUS E PALESTINOS? 

A Terra Santa é um lugar fascinante. Porém, também temos momentos de dificuldade que são as guerras, os conflitos entre os povos. Os frades sempre viveram tentando ser homens do diálogo. Por isso, em meio às dificuldades, nós não entramos em partidos, mas estamos do lado daqueles que mais necessitam de nós. Nós buscamos ver a humanidade de cada pessoa. É difícil para os palestinos que sofrem uma política muito forte por parte de Israel. Mas, também, depois de um atentado, nós podemos ver o sofrimento do povo hebreu. Portanto, sabemos das dores e das belezas dos dois povos e tentamos, ao máximo, estar em diálogo com eles, no meio deles, como irmãos. Temos um hospital e os pacientes não são cristãos. Nós abrimos as portas, por isso, somos o equilíbrio entre judeus e mulçumanos. Na história, houve momentos em que os mulçumanos se uniram com os judeus contra os cristãos. Tivemos momentos difíceis. Em 2002, por exemplo, eu fui prisioneiro por 40 dias quando houve a ocupação na Basílica da Natividade, em Belém. Eu era um dos jovens frades que estava no santuário. Nós vivemos a guerra, vivemos as dificuldades também. Belém hoje é circundada pelo muro, e eu o chamo de “muro do escândalo”. Hoje nós temos que fazer pontes, e foi construído aquele muro que só aumenta o ódio entre palestinos e judeus. Nós estamos lá dentro, temos as escolas e tentamos ao máximo fazer algo, seja de um lado ou de outro, na medida do possível. 

 

E QUANTO À PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS?

Esta é uma grande cruz para os cristãos do Oriente Médio: o fundamentalismo religioso. Não só o islâmico. Também entre os judeus, encontramos fundamentalistas. Essa sempre foi a dificuldade da Custódia. Em relação aos fundamentalistas islâmicos, eu já tive experiências próprias de viver alguns momentos de agressões. Atualmente, nossa maior dificuldade é na Síria, onde os cristãos estão sofrendo com os fundamentalistas islâmicos. Os frades estão lá não para alimentar o ódio, mas o diálogo. Se os muçulmanos nos fazem o mal, nós iremos sempre demonstrar o amor a eles. Portanto, os nossos frades na Síria ajudam também os muçulmanos, até os mais radicais. Um de nossos frades, por exemplo, ajudou a esposa de um dos fundamentalistas, que corria o risco de morte, a dar à luz um filho. Ele a levou para Damasco, passando por todas as barreiras e entrou no terreno do inimigo para que a mulher tivesse o parto em segurança. Em seguida, a trouxe de volta para a sua cidade. Quando lhe disseram que aquelas pessoas haviam feito mal aos cristãos, o frade respondeu: “Eles são seres humanos. Nós estamos aqui para todos”. 

 

QUAL É A MAIOR ESPERANÇA DE VOCÊS PARA AQUELA REGIÃO?

Nó somos chamados de a “religião da caridade”. A caridade tem a sua base na fé em Jesus Cristo. A Sua terra, o lugar onde Ele nasceu, cresceu, onde Ele deu a vida por nós, o lugar do Espírito Santo, em Pentecostes, da Igreja nascente. Por isso, nós vivemos na esperança de uma terra melhor. Nós transmitimos essa esperança para os cristãos, porque aquela é a “Terra do Santo”. Temos esperança que essa guerra acabe na Síria e que o conflito entre Palestina e Israel possa acabar. Que esses povos, que são lindos e belos, possam amar-se e estar juntos. É uma esperança da Parusia, que só vem de Jesus, porque somente Ele é quem pode trazer a paz para a sua terra. Ele é príncipe da paz. 

 

as opiniões expressas na seção “com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.