SÃO PAULO

Padre Lédio Milanez

‘Para os indígenas, a terra não é um capital, mas um dom de Deus’

Por Redação
20 de janeiro de 2018

Padre Lédio Milanez, presidente do Instituto Rogacionista, faz um trabalho de acompanhamento com os indígenas e conta sobre suas lutas

Instituto Rogacionista

O ano de 2017 foi de tensão para os indígenas Guarani que vivem nas proximidades do Pico do Jaraguá, na zona Noroeste da Capital Paulista. Em agosto, a Portaria 683/2017, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, anulou uma decisão do ano de 2015 que ampliava o território indígena de 1,7 hectare para 512 hectares. Somente em dezembro, a Portaria foi suspensa pela Justiça Federal, a pedido do Ministério Público Federal. 

A mobilização dos indígenas para manter-se na aldeia e a luta cotidiana para preservar suas tradições é acompanhada de perto pela Congregação dos Rogacionistas, conforme detalhou, em entrevista à rádio 9 de Julho, o Padre Lédio Milanez, presidente do Instituto Rogacionista e Pároco na Paróquia São Pedro Apóstolo, na Região Episcopal Lapa.

 

COMO OS ROGACIONISTAS ACOMPANHARAM A RESISTÊNCIA DOS GUARANI PARA MANTER O TERRITÓRIO EM QUE VIVEM NO JARAGUÁ?

Padre Lédio Milanez - Permanecer no território é uma grande vitória dos Guarani e nós somos apoiadores dessa luta. Enquanto Congregação Rogacionista, estamos presentes acompanhando. Em dezembro, houve uma grande conquista [a suspensão da Portaria 683/2017], mas ainda não é o ponto de chegada, porque a decisão final depende do Supremo Tribunal Federal (STF). Vemos que há uma boa perspectiva de vitória, porque em agosto de 2017 o STF já afirmou que a Constituição Brasileira garante que o marco temporal não pode ser utilizado, pois estes povos estavam aqui já bem antes da chegada do colonizador português. No entanto, temos uma apreensão sobre o que há de vir, apesar das conquistas que já foram alcançadas. 

 

O QUE HOUVE, ENTÃO, FOI UMA ANULAÇÃO TEMPORÁRIA DA PORTARIA 683/2017?

Sim, por decisão da Justiça Federal em São Paulo. Foi um avanço muito grande, mas outros passos terão que ser dados, até porque a questão da terra é fundamental dentro do modo de vida dos Guarani, que consideram que não existe vida sem terra, sem o território. Essa é uma questão fundamental. Nós, não indígenas, muitas vezes, infelizmente, tratamos a terra como algo para ser dominado, possuído e até exaurido, diferente do modo de agir dos Guarani, que têm uma relação com a terra como mãe. Então, a terra, para eles, é fonte de vida.


E COMO É ESSA RELAÇÃO COM A TERRA EM MEIO AO CONTEXTO URBANO?

Essa é uma realidade que eles enfrentam não só aqui em São Paulo, mas em todas as regiões onde estão no Brasil, e, no caso dos indígenas Guarani, também na Bolívia, no Paraguai e na Argentina. Aqui na nossa cidade, de modo especial, temos regiões em que ainda existe uma concentração de matas, no Jaraguá e no centro-sul, mas que sofrem a cobiça principalmente do capital especulativo. Este vê essas terras como um lugar apenas a ser vendido, e isso vai na contramão do modo com que os Guarani veem o território e a terra. Para eles, a terra não é um capital, mas um dom de Deus, que deve ser cuidado.

 

COMO É PARA OS INDÍGENAS A QUESTÃO DAS LUTAS TERRITORIAIS?

Eles têm uma visão muito serena diante da realidade, uma confiança inabalável em Deus. Sabem que por direito e, mais do que isso, por dádiva de Deus, a terra lhes pertence. Isto lhes dá uma segurança e uma tranquilidade espiritual muito forte. Eles não acreditam que a decisão sobre as terras dependa somente do Supremo Tribunal Federal ou das leis do nosso País. Eles acreditam fortemente que terão a vitória a partir da força pela qual resistiram aos mais de 500 anos do colonialismo europeu e acreditam que vencerão esse atual neocolonialismo. Um segundo ponto que é importante: eles não são povos que ficam inertes, acreditam na luta e estão empenhados em todas as instâncias sociais e jurídicas para que esse direito não seja violado.  

 

O ATUAL GOVERNO TEM FEITO ALGO EM FAVOR DOS INDÍGENAS?

Sempre houve uma relação de paternalismo, de não ver os povos indígenas como protagonistas. Em uma visão econômica, essa relação esbarra no conceito da unidade nacional, como se os indígenas fossem uma ameaça, o que não é verdade. Os governos, alguns mais outros menos, de forma geral, não fortaleceram e não cumpriram aquilo que a Constituição prevê com relação a esses povos. Por exemplo, uma educação diferenciada, uma saúde que leve em conta, além dos conhecimentos atuais, a questão da tradição no cuidado com a saúde dos povos originários. Especificamente no caso dos Guarani do Jaraguá, o fato de não demarcar as terras leva a um confinamento dentro de uma área muito restrita. O Estado também deveria dar a atenção a outras questões como moradia e saneamento básico. Hoje, vejo que o Estado brasileiro é o grande violador dos povos indígenas Guarani.
 

 

COMO O SENHOR AVALIA A ATUAÇÃO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) NA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS DOS POVOS INDÍGENAS?

Há algumas falhas. Eu não responsabilizo as pessoas em si, mas sim a Instituição. Hoje, há interesses muito fortes no Congresso e na sociedade contra essa questão dos Guarani. Isso acaba atingindo diretamente a Funai. Quando foi tirado do cargo, o Ex-Presidente da Funai [Antônio Fernandes Toninho Costa, exonerado em maio de 2017] fez sérias denúncias sobre os interesses econômicos e políticos que estavam por trás dessa situação. Enquanto pessoas que estão atuando diretamente na região de São Paulo, claro que há uma vontade de que boas mudanças ocorram e que os direitos sejam garantidos. No entanto, hoje o número de servidores da Funai é irrisório dentro das realidades não só dos Guarani, mas de todos os povos indígenas aqui da nossa região. 

 

OS ROGACIONISTAS REALIZAM TRABALHOS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO COM OS INDÍGENAS GUARANI NO JARAGUÁ. COMO ISSO FUNCIONA?

Na realidade, nós mediamos o contato entre a Secretaria Municipal de Educação e a aldeia Guarani, por meio do Centro de Educação Infantil Indígena e do Centro de Educação e Cultura Indígena. Esse trabalho de mediação é necessário, porque o sistema educacional deles é diferenciado, não funciona como uma escola comum. Uma das questões que eles trabalham, por exemplo, é o calendário, pois o modo deles transmitirem o conhecimento é bem diferente de uma escola tradicional. Outra questão importante é que os educadores são os próprios Guarani. Nós estamos juntos deles apenas trabalhando para que seja garantida essa transmissão da cultura, que se fortaleça as suas tradições e, dentro disso, está a questão da língua. A linguagem não é só palavras. Eles têm muita força na linguagem oral. O que eles dizem é como um documento. Nós estamos lá para garantir que as tradições não se percam. O outro ponto importante que estamos mediando é a questão segurança alimentar, para que eles tenham o necessário tanto na sua questão alimentar tradicional quanto naquilo que é necessário para se garantir a vida dos indígenas.

 

QUEM QUISER CONTRIBUIR COM OS INDÍGENAS GUARANI COMO DEVE FAZER?

Os Guarani do Jaraguá precisam de ajuda principalmente na alimentação. Eles vivem, algumas vezes, em situação de extrema miséria. Há, ainda, a questão do vestuário, pois o Pico do Jaraguá é uma das regiões mais frias da cidade de São Paulo. Os contatos para doações podem ser feitos diretamente com os líderes Guarani e também o Instituto Rogacionista faz essa mediação com a aldeia para aqueles que queiram contribuir. Vale lembrar, ainda, que a grande ajuda que cada pessoa pode dar é apoiar a causa dos Guarani, que estão fragilizados pelo poder social, político e econômico aqui da cidade.

(Colaborou: Larissa Freitas)

 


As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.