VATICANO

Papa Francisco

‘O único extremismo aceito é a caridade’, diz o Papa no Egito

Por Filipe Domingues
16 de mai de 2017

Em uma de suas viagens mais importantes, Francisco pede unidade, lembra que cristãos amam ‘sem preferências’ e defende que a religião deve denunciar a violência

L’Osservatore Romano

Pouco menos de um mês após os atentados que mataram mais de 40 pessoas em duas igrejas coptas em 9 de abril, o Papa Francisco visitou um Egito em grande tensão, mas levou mensagem de paz e unidade entre cristãos e muçulmanos. “A fé verdadeira é aquela que nos torna mais caridosos, mais misericordiosos, mais honestos e mais humanos. É aquela que anima os corações e os conduz a amar a todos gratuitamente, sem distinções e sem preferências”, afirmou, na missa no sábado, 29 de abril, no Cairo.

Falando a 15 mil fiéis, o Papa insistiu: “A verdadeira fé é aquela que nos leva a ver no outro não um inimigo a derrotar, mas um irmão a amar, servir e ajudar”. De acordo com o Vaticano, só 272 mil cristãos são católicos no Egito. A maioria muçulmana corresponde a 90% das 92 milhões de pessoas no país e, entre os cristãos, prevalecem os ortodoxos.

Com linguagem forte, Francisco pediu aos cristãos que não professem a fé só com palavras, mas também com ações. Ao mesmo tempo, criticou o extremismo religioso, praticado no Oriente Médio principalmente por fanáticos de origem islâmica. “Deus só aprecia a fé professada com a vida, porque o único extremismo permitido aos que creem é o da caridade. Qualquer outro extremismo não provém de Deus nem lhe agrada”, cri- ticou.

Pregando sobre os discípulos de Emaús, relato no qual Jesus se revela a dois viajantes após sua ressurreição, o Papa afirmou que a fé deve arder nos corações dos cristãos e transformar suas relações. “Não adianta rezar se a nossa oração voltada a Deus não se transforma em amor voltado ao irmão. Não adianta muita religiosidade se ela não é animada por muita fé e muita caridade”, disse. “Para Deus, é melhor não crer do que ser um falso, um hipócrita.”

 

Desmascarar a violência

A viagem do Papa ao Egito ocorreu sob forte esquema de segurança e levantava preocupações no contexto internacional. Alguns chegaram a sugerir que ele cancelasse a visita ao país ameaçado por terroristas, inclusive o Estado Islâmico. Uma semana antes da viagem, porém, o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, afirmou que medidas de segurança já são o “novo normal” das viagens papais e, ao contrário, o Papa Francisco queria mais ainda estar com os egípcios após os atentados do Domingo de Ramos.

Por isso, a memória do dia 9 de abril marcou toda a viagem. Um de seus primeiros encontros no país, na sexta-feira, 28 de abril, foi com o Grande Imã de Al-Azhar, a mais alta instituição teológica do Islã sunita. Ao acolher o Bispo de Roma, o Imã Ahmad al-Tayyeb pediu um instante de silêncio em memória das vítimas dos atentados.

“É crucial perguntar como a paz internacional se tornou um paraíso perdido”, lamentou o Imã, criticando o comércio internacional de armas, ponto também levantado por Francisco. Somando-se à crítica feita no passado por Bento XVI, al-Tayyeb acrescentou: “Acho que a civilização moderna ignorou as religiões divinas e sua ética invariável e estabelecida, que permanece a mesma”,  disse. “Os filhos mais amados por Deus são aqueles que estendem mais benefícios aos filhos de Deus.”

No mesmo evento, o Papa definiu o Egito como “terra de civilização e terra de alianças”, remetendo à sua antiga tradição religiosa. “Nesta terra de encontro entre céu e Ter- ra, de alianças entre povos e entre pessoas que creem, repetimos um forte e claro ‘não’ a qualquer forma de violência, vingança e ódio cometidos em nome da religião ou em nome de Deus”, afirmou. Ainda falando ao Grande Imã, ele disse que a religião é chamada a desmascarar a violência. “Nenhum incitamento violento garantirá a paz e toda ação unilateral que não inicie processos construtivos e compartilhados é, na verdade, um presente aos defensores dos radicalismos e da violência.”

 

Unidade no batismo

Além dos encontros com autoridades e religiosos, a jornada do Papa Francisco no Egito foi marcada por dois fatos históricos, na visita ao líder da igreja copta ortodoxa, o Papa Tawadros II, no dia 28.

Primeiro, um encontro sem precedentes entre o Papa Francisco, sucessor do apóstolo Pedro, bispo de Roma e líder da Igreja Católica; o Papa Tawadros II, chefe da igreja copta ortodoxa e patriarca de Alexandria; o Papa Theodoros II, patriarca greco-ortodoxo de Alexandria e toda a África; e o patriarca ecumênico Bartolomeu, de Constantinopla. A atividade ocorreu em clima de fraternidade entre bispos da Igreja fundada por Jesus, mas historicamente dividida nos últimos 2 mil anos. O momento foi visto por ecumenistas como um ápice.

Nesse sentido, o segundo fato histórico foi a assinatura de uma declaração conjunta entre Francisco e Tawadros II. As igrejas católica e copta ortodoxa passaram a reconhecer reciprocamente o Batismo celebrado pela outra, eliminando a prática de “rebatizar” cristãos que migrassem de uma tradição à outra. A decisão, negociada desde 2013, foi tomada, segundo eles, por obediência “à ação do Espírito Santo, que santifica a Igreja ao longo dos séculos, a apoia e conduz à plena unidade”.

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