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Huntington

Huntington: 'esconder nunca mais'

Por Nayá Fernandes
06 de junho de 2017

Doença genética degenerativa sem cura, cujo diagnóstico pode mudar para sempre a vida de uma pessoa, ainda é pouco conhecida

L'Osservatore Romano

Estima-se que haja de 13 a 19 mil pessoas com a Doença de Huntington (DH) no Brasil, e que cada uma das pessoas com a doença põe em risco pelos menos outras cinco da família. Mas, não é só o número que precisa ser considerado. Sendo uma alteração genética que, ao se manifestar, causa degenerações neurológicas irreversíveis, a doença pode ser causa de uma desestruturação familiar com consequências difíceis de serem superadas.

Assim foi para Maria Goretti Nunes Marques e sua família, quando, em 1996, após uma busca intensa para descobrir o que seu pai, Antonio Nunes, tinha, receberam o diagnóstico da doença. “O doutor Walmir Galvão de Almeida Passos, da Unicamp, estava pesquisando  sobre  a  doença,

e nossa família pôde colaborar com sua pesquisa”, contou Goretti que, um ano depois, fundaria, junto a outras pessoas, a Associação Brasil Huntington (ABH).

Huntington, também conhecida como Coreia de Huntington, é uma doença hereditária rara, neurodegenerativa, que afeta o sistema nervoso central. Os sintomas são causados pela perda marcante de células em uma parte do cérebro denominada gânglios da base. Esse dano no cérebro afeta as capacidades motoras,  cognitivas (pensamento, julgamento, memória)  e  psiquiátricas (humor, equilíbrio emocional). Ela recebeu o nome de George Huntington, um médico norte-americano que descreveu a doença em 1872.

Os pacientes acabam por ficar em situação de grande dependência e necessidade de cuidados constantes. Embora cada indivíduo seja afetado de modo diferente, todos sofrem perda de sua capacidade funcional, que é a capacidade de realizar não apenas Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD), como cozinhar, arrumar a casa, telefonar, cuidar das finanças domésticas, mas também as suas Atividades da Vida Diária (AVD), ou seja, alimentar-se, vestir-se e cuidar da própria higiene.

ASSOCIAÇÃO BRASIL HUNTINGTON

“A Associação foi uma maneira que encontramos de saber mais sobre a doença e buscar forças para enfrentá-la”, disse Goretti, que teve sete irmãos, dos quais quatro tiveram a doença. A experiência da família de Goretti confirma com exatidão a informação de que filhos que tenham um dos pais afetados pela DH têm 50% de chances de herdar o gene alterado e desenvolverão a doença em algum momento de sua vida.

Desde setembro  de  1997, a  ABH mantém uma sede, primeiro em Campinas (SP) e, depois, na capital paulista, para atender as pessoas que buscam informações sobre a doença. “O nosso principal trabalho é orientar as pessoas que receberam o diagnóstico da doença na família. É uma situação muito delicada, pois muitos vêm até nós questionando-se se devem ou não fazer o teste genético para identificar se herdaram a DH”, explicou Vita Aguiar Oliveira, voluntária na Associação.

A primeira coisa que as voluntárias da ABH fazem é tentar acalmar quem as procura. “Não aconselhamos que a pessoa faça o teste imediatamente, mas deixamos que ela decida”, disse Vita.

O BENEFÍCIO DA DÚVIDA

Saber ou não se herdou o gene alterado da DH é um dilema que pode mudar, instantemente, a vida de uma pessoa. A decisão de ter filhos, os planos para o futuro, estabelecer e repensar prioridades, a negociação de um  alojamento adequado, tudo pode mudar. Isso porque a maioria das pessoas afetadas desenvolve a doença durante a meia-idade, isto é, entre 35 e 55 anos. Só aproximadamente 10% das pessoas desenvolvem sintomas antes dos 20 anos (DH juvenil) e outros 10% depois dos 55 anos.

E, sendo uma doença fatal, que se desenvolve gradualmente, sua duração média é de 15 a 20 anos. Assim, a maioria das pessoas, após esse período, morre devido às complicações causadas pelo estado de fragilidade do corpo, particularmente por asfixia, em consequência ença e, para os doentes com Huntington acima dos 51 anos, esse número chega a ser 20 vezes maior.

DIFICULDADES E PRECONCEITO

Por provocar muitos sinais externos, como gestos involuntários e, à medida que a doença progride, a destruição do córtex cerebral (massa cinzenta correspondente à camada mais externa do cérebro), as pessoas com  Huntington sofrem muito preconceito, além das dificuldades para conseguir benefícios que são oferecidos a pessoas com outras doenças consideradas raras. Isso acontece porque, no início, a doença pode não apresentar sinais externos perceptíveis, mas  a  pessoa já  sofre consequências como problemas cognitivos ou motores. “Por não estar incluída entre as doenças que dispensam a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, as pessoas com DH vivem uma longa ‘peregrinação’ até conseguir o auxílio”, disse Goretti, que acompanha pessoas que já têm a doença em nível avançado e ainda estão à espera dos benefícios.

Antônio Lopes Monteiro, que é promotor  público e integra a Associação Brasil Huntington, disse em reportagem publicada no site do Senado, em 2014, que existe previsão legal para que a lista – das doenças – seja revista a cada três anos, mas isso não acontece. Segundo ele, um dos motivos é o fato de a lista também servir para a dispensa do pagamento de Imposto de Renda.

PALAVRAS DE ESPERANÇA

Em 18 de maio, o Papa Francisco encontrou-se com pessoas de todo o mundo que vivem com a DH e seus familia

res. Em seu discurso, o Papa agradeceu a todos pela presença e disse que escutou as histórias e as dificuldades que as pessoas com Huntington  enfrentam cada dia.

“Em muitos casos, os doentes e seus familiares viveram o drama da vergonha, do isolamento e do abandono.  Hoje, porém, estamos aqui porque queremos dizer a nós mesmos e a todo o mundo:

‘Esconder nunca mais’. Não se trata simplesmente de um slogan, mas sim de um empenho em que todos devem ser protagonistas. A força e a convicção com a qual pronunciamos essas palavras derivam exatamente do que Jesus mesmo nos ensinou”, afirmou Francisco.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Vita, que participou do encontro com o Papa, no Vaticano, disse que o evento teve uma repercussão muito boa para as pessoas com Huntington e seus familiares, bem como de divulgação sobre a doença, suas causas e consequências na mídia brasileira.

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