INTERNACIONAL

Falecimento

Henry Sobel: ‘Em face da injustiça, não podemos ser neutros ou indiferentes’

Por Daniel Gomes
22 de novembro de 2019

Disse o Rabino ao ser homenageado em São Paulo, em 2013. Um dos idealizadores do ato inter-religioso de 1975, na Catedral da Sé, ele morreu nesta sexta-feira, 22

Cerimônia em homenagem a Henry Sobel em 2013 - Crédito: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Aos 75 anos de idade, faleceu nesta sexta-feira, 22, em Miami, nos Estados Unidos, o rabino Henry Sobel, por complicações associadas a um câncer.

Nascido em 9 de janeiro de 1944, em Lisboa, Portugal, ele chegou ao Brasil na década de 1970.  Sobel foi presidente da Congregação Israelita Paulista (CIP) até outubro de 2007 e é conhecido, principalmente, por sua luta em defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar, sendo porta-voz da Comunidade Judaica no Brasil e promotor do diálogo inter-religioso.

Em 31 de outubro de 1975, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns, à época Arcebispo de São Paulo e do Reverendo James Wright celebrou um ato inter-religioso, com a participação de mais de 8 mil pessoas na Catedral da Sé, pela alma de Vladimir Herzog, torturado e assassinado no DOI-CODI em 25 de outubro de 1975.

Passados exatos 38 anos, em 31 de outubro de 2013, às vésperas de se mudar em definitivo para os Estados Unidos, ele foi homenageado pela família do jornalista Vladimir Herzog, a CIP e Comissão Nacional de Diálogo Católico-Judaico, em um ato no Memorial da América Latina em São Paulo, do qual também participou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano.

“O rabino Henry Sobel marcou a sociedade brasileira, aqui em São Paulo, sobretudo, com sua presença e atuação em favor da dignidade humana, dos direitos humanos, das liberdades políticas no período da redemocratização, ao lado do Cardeal dom Paulo Evaristo Arns”, disse o Cardeal Scherer à época.

Leia a seguir, alguns dos principais pontos recordados por Henry Sobel na ocasião:

 

Buscar sempre a verdade e a justiça

“A história prova tragicamente que uma vez rompido o compromisso de buscar a verdade ou a justiça, não pode haver paz na sociedade. Em face da injustiça, não podemos ser neutros ou indiferentes, deixar de agir quando uma injustiça está sendo cometida nos torna cumplices. Não existem expectadores inocentes”.

“O Judaísmo não nos permite silenciar diante de uma injustiça cometida contra o nosso semelhante. Temos que resistir firme e energicamente à injustiça com todos os meios ao nosso alcance, pois quando deixamos de nos opor à injustiça, estamos descumprindo nossa obrigação de buscar a Justiça”.

 

O ato inter-religioso de 1975 na Catedral da Sé

“Eu estava consciente de que era preciso fazer algo mais para que as barbaridades não acontecessem outra vez. Procurei, então, Dom Paulo Evaristo Arns, um homem iluminado. Eu acreditava que entre religiosos, talvez fosse possível encontrar algum caminho. Na época, a Cúria Metropolitana de São Paulo era o grande centro das denúncias contra a violação dos direitos dos presos políticos. Fui à casa de Dom Paulo, no Sumaré, na noite do dia 29, uma quarta-feira, conversamos por duas horas, então nasceu a ideia, que partiu de dom Paulo: ‘Que tal realizarmos um ato ecumênico em homenagem a Herzog?’, indagou o Cardeal. Isso nunca havia sido feito no Brasil... Eu acrescentei para que o ato não seja visto como um  ato judaico, vamos fazê-lo na Catedral da Sé. É óbvio: o problema não era um problema judaico, era um problema político. O Vlado [Vladimir Herzog] poderia ter sido um budista, o destino teria sido o mesmo. Dom  Paulo concordou”.

“O governo pediu a dom Paulo que realizasse o ato a portas fechadas. O Cardeal Arns, com sua energia e coragem habituais, respondeu: ‘Eu não vou fechar as da Igreja para o meu povo’. Foi dom Paulo que convocou o reverendo Wright”.

“O que mais me impressionou, e juro que isto não sai da minha cabeça, foi o número de pessoas na Catedral, mais de 8 mil pessoas vinda de todas as partes para um ato de oposição à tortura e ao assassinato em plena ditadura. Policiais passeavam com suas metralhadoras pelas portas da Catedral, apontando as metralhadoras em direção aos celebrantes do culto, ao povo, a todos. Falei, Dom Paulo falou, reverendo Wright falou”.

 “Tudo mudou. A minha vida mudou. Eu ganhava uma nova turma. Até então, meu habitat natural era a minha sala no quarto andar da CIP, com festas, recepções, reuniões de diretoria, noivados, casamentos. A partir de outubro de 1975, passei a conviver com outros personagens...”.

 

Vladimir Herzog

“Se queremos render tributo à memória de Vladimir Herzog, temos que preservar dentro de nós o sentimento de indignação e inconformismo, jamais nos acomodando com a violação dos direitos alheios. O silêncio é o mais grave dos pecados, a indiferença em face do mal é o incentivo ao recrudescimento do mal. Se fecharmos os olhos, se virarmos a cabeça, se fingirmos não saber, tornarmo-nos, todos nós, cumplices. Digamos não à tortura, digamos não à violência institucionalizada e inspirados pelo legado de Vladimir Herzog digamos sim à dignidade humana”.

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