NACIONAL

Política

Governabilidade à prova

Por Daniel Gomes
30 de mai de 2017

Delação da JBS leva governo temer à cenário de instabilidade

Marcos Corrêa/Pr

“Não renunciarei. Repito: Não renunciarei! Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos”. A ênfase de que não deixará a Presidência da República tem sido a tônica dos discursos do presidente Michel Temer (PMDB) desde que se tornaram públicos, na semana passada, os áudios, vídeos e relatos da delação premiada dos executivos da empresa JBS, nos quais o Presidente supostamente dá aval para o pagamento de pro- pina ao deputado cassado Eduardo Cunha para que se mantenha calado sobre o envolvimento de políticos nos casos de corrupção investigados pela operação Lava Jato.

O ponto central da delação é uma conversa realizada em março entre Temer e Joesley Batista, presidente da JBS, autorizando os pagamentos a Cunha. Temer confirmou a reunião com o empresário, mas negou ter autorizado o repasse de recursos ao exdeputado. Na quinta-feira, 18, com base no conteúdo das delações, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu inquérito contra o Presidente para averiguar se houve obstrução de Justiça no caso.

No sábado, 20, o Presidente anunciou que pediria ao STF a suspensão do inquérito, por considerar que a gravação apresentada por Joesley não teve a autenticidade com- provada e poderia ter passado por edições. Porém, na segunda-feira, 22, Temer desistiu da suspensão do processo e contratou uma perícia independente para analisar os áudios. A Polícia Federal também irá periciar o conteúdo e o gravador usado por Joesley. Não há prazo para a conclusão desse procedimento.

A revelação das delações dos executivos da JBS aconteceu na semana em que o go- verno avançava nas articulações para as votações no Congresso das reformas trabalhista e da Previdência e no momento em que a economia apresentava sinais de melhora, com projeções de redução da inflação, crescimento dos indicadores de atividade econômica e aumento do Índice de Confiança da Indústria, medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

‘Se quiserem, me derrubem’

A posição do Presidente em não renunciar foi reafirmada em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, na segunda-feira, 22: “Eu não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa”, declarou.

Na entrevista, Temer admitiu que encontrar-se com Joesley fora da agenda oficial foi um erro, enfatizou que a gravação foi obtida de modo clandestino e refutou que tenha repassado informações privilegiadas sobre a política monetária do governo ao dono da JBS. “Ele sabia, empresário sagaz como é, que no momento em que ele entregasse a gravação, o dólar subiria e as ações de sua empresa cairiam. Ele comprou US$ 1 bilhão e vendeu as ações antes da queda”, afirmou Temer. Horas antes do vazamento da delação, feito inicialmente pelo jornal O Globo, no dia 17, a JBS comprou dólares no mercado e no dia seguinte lucrou consideravelmente com isso por conta da desvalorização do real após as denúncias contra Temer.

 

Pressão política

Antes da crise desencadeada na última semana, o governo Temer contava, em teoria, com apoio de 402 deputados dos parti- dos da base aliada, uma confortável margem para aprovar projetos na Câmara, entre os quais a polêmica reforma da Previdência. Embora ainda tenha maioria, esse cenário sofreu sensível alteração com as saídas do PSB (35 deputados), Podemos – antigo PTN– (13) e PPS (9).

Havia a expectativa de que o DEM e o PSDB também deixassem de apoiar o go- verno, mas uma reunião no Palácio da Alvorada, em Brasília (DF), no domingo, 21, entre Temer e alguns ministros e líderes no Congresso, ajudou na permanência dos partidos. O Presidente teria pedido que permanecessem e para que não haja paralisações nas pautas no Legislativo.

Na Câmara e no Senado não havia, na segunda-feira, 22, consenso sobre a manutenção do calendário de votações.

O deputado Pauderney Avelino (DEM- AM), vice-líder do partido na Câmara, afirmou que os temas econômicos em tramitação no Congresso são importantes para o País. Ele defendeu a votação do Projeto de Lei Complementar que convalida incentivos fiscais (PLP 54/15), marcada para esta sema- na, e as reformas trabalhista, no Senado, e da Previdência, na Câmara.

Já Alessandro Molon (Rede-RJ) afirmou que não há normalidade no País após as de- núncias envolvendo Temer e que, por isso, o Congresso também não pode funcionar normalmente. “Vamos obstruir todas as matérias. Vamos exaurir os deputados da base do governo”, enfatizou.

Na Câmara, nove pedidos de impeachment contra o presidente Temer já haviam sido protocolados até a tarde da segunda- feira, 22.

 

Indignação na sociedade

As denúncias de corrupção envolvendo o Presidente geraram reações na sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, anunciou que entrará com um pedido de impeachment contra Temer na Câmara dos Deputados, por considerar que ele cometeu crime de responsabilidade ao não comunicar às autoridades de Justiça que teve um diálogo com Joesley Batista.

Na sexta-feira, 19, a presidência da CNBB, em nota, defendeu que as denúncias acolhidas pelo STF sejam rigorosamente averiguadas. “Apurados os fatos, os autores dos atos ilícitos devem ser responsabiliza- dos” (leia a íntegra na página 10).

No domingo, em ao menos 17 cidades, incluindo a capital paulista, foram realiza- dos protestos organizados principalmente pelas centrais sindicais pedindo o fim das propostas das reformas trabalhista e da Previdência, a saída de Temer da Presidência e a convocação de eleições diretas. Como a eleição da chapa Dilma-Temer aconteceu há mais de dois anos, no caso do impeachment ou de renúncia, serão realizadas eleições in- diretas em até 90 dias para a escolha de um presidente e de um vice para que cumpram um mandato até 31 de dezembro de 2018.

“Eles querem entregar o pacote das reformas, nós queremos uma Constituinte. O povo não pode ser relegado a segundo plano. O povo tem direito de votar e não vamos aceitar que nossos direitos sejam retirados”, afirmou Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), durante o ato em São Paulo.

Grupos que organizaram manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, como o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL), cogitaram a realização de atos no domingo, mas desistiram de fazê-los, por enquanto.

“Precisamos de uma coalização dos brasileiros de bem em prol do bom andamento da Lava Jato, da lisura ética e política e da estabilidade e recuperação econômica. Ainda não há articulação política que garanta estes três pontos fundamentais para o Brasil”, afirmou o MBL, em nota à imprensa, na qual também pontuou que o país passa pelo momento mais perigoso desde a redemocratização, com os envolvidos em escândalos empreendendo cada vez mais esforços para sobreviver, e que “outros buscam utilizar-se da crise como trampolim para se fortalecer politicamente, num jogo que permanece obscuro para todos nós”.

(Com informações da Folha de S.Paulo, Agência Brasil, infomoney, Uol, O Globo, G1)

 

 

 

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