SÃO PAULO

Síndrome de Down

'Dicas do Rogerinho' para um mundo mais humano

Por Nayá Fernandes/publicada na edição 3143 do jornal O São Paulo
28 de março de 2017

Em 21 de março se comemora o Dia Internacional da Síndrome de Down, que é a trissomia do cromossomo 21 em todas as células de uma pessoa ou em grande parte delas. O SÃO PAULO apresenta as histórias de Valentine e Rogério, que conseguiram se formar e entrar no mercado de trabalho. Também no esporte, brasileiros com Síndrome de Down se destacam pelo mundo. 

Ele escreve mensagens à mão e as entrega dia a dia para um ou dois dos 250 funcionários que trabalham na Casa Flora, importadora de alimentos e acessórios, localizada na região no Brás, em São Paulo. Rogério Freddi tem 35 anos e, em 2017, completa dez anos de trabalho na empresa que o contratou por meio do presidente, Adilson Carvalhal. Rogério tem dois irmãos e nasceu com Síndrome de Down. “Desde que vim trabalhar aqui, me sinto realizando um sonho e estou feliz em contar minha história para que outras pessoas com a Síndrome, como eu, sintam que é possível”, disse durante a entrevista, que foi acompanhada por Jaqueline Althaus, responsável pelos setores de treinamento e desenvolvimento de Recursos Humanos (RH) da Casa Flora.

Rogério começou a trabalhar no setor de cobrança e, em 2013, foi promovido para o RH, onde colabora em atividades como a separação e organização de documentos, catalogação  de livros  e DVD’s da biblioteca, e é responsável pelas mensagens de aniversário e motivacionais. “Rogério trabalha muito bem e aqui todos gostamos muito dele”, afirmou Adilson que, na década de 1970, começou sozinho e com poucos recursos a importadora que hoje conta com filiais e representantes em todo o país, e tem um dos mais amplos portfólios de produtos do ramo de vinhos e alimentos.

 

O que é a Síndrome de Down

É importante ressaltar que a Síndrome de Down não pode ser considerada uma deficiência mental. De acordo com informações do site www.movimentodown.org.br, ela é causada pela presença de três cromossomos 21 em todas ou na maior parte das células de um indivíduo. Isso ocorre na hora da concepção de uma criança. As pessoas com Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, têm 47 cromossomos em suas células, em vez de 46, como a maior parte da população.

Isso pode acontecer devido a questões genéticas herdadas ou por um acidente genético isolado. Assim, as pessoas com a Síndrome têm características em comum, como a dificuldade na fala ou no processo de cognição, mas em graus diferentes. Contudo, se forem estimuladas e acompanhadas desde o nascimento, podem ter um desenvolvimento que as tornará autônomas ao longo do tempo, tanto emocionalmente quanto profissionalmente.

 

Um passo de cada vez

No caso de Valentine Maria di Bernard Sollitto, a Síndrome foi causada por um acidente genético, e os pais começaram a estimulá-la quando ela tinha poucos dias de vida. Aos 21 anos, a jovem trabalha no setor administrativo do Hospital Albert Einstein e sente-se feliz com a oportunidade de crescimento. Vanessa di Bernard Sollitto salientou, contudo, que embora a filha tenha tido dificuldades para acompanhar os demais alunos da turma durante a adolescência, pois não estudava em uma escola especializada, ela, a mãe, sempre se empenhou para que Valentine não repetisse sistematicamente uma mesma série, pois ao contrário do que se pensa, essa prática é muitas vezes prejudicial.

“Esforcei-me ao máximo para que ela não se sentisse excluída em relação aos outros jovens da sua idade. Por outro lado, o jovem com Down precisa de um acompanhamento muito mais personalizado para conseguir realizar as atividades que lhes são propostas”, explicou Vanessa.

Sobre o novo desafio do trabalho, a mãe disse que, logo no início, Valentine começou a namorar um outro jovem com Down que também trabalhava no Hospital Albert Einstein. “No começo foi bom para ela, mas depois percebe- mos – eu e a psicóloga que a acompanha - que eram muitas novidades ao mesmo tempo, ou seja, o namoro e o trabalho,  e ela estava se sentindo sufocada. Então, conversei com Valentine e perguntei se ela queria mesmo continuar no trabalho. Juntas, chegamos à conclusão que era melhor interromper  o namoro”,  contou a mãe.

“E se acabar o mundo? Eu vou perder meu emprego?”, disse Rogério durante uma conversa informal no grupo   de oração da Paróquia Santa Rita, do qual ele e Adilson participam, pois moram no mesmo bairro, na zona Sul da capital. O presidente da Casa Flora riu e contou o fato para reforçar o quanto o trabalho é importante na vida de Rogério. Além disso, ele recordou que a inclusão e adap- tação do rapaz com Síndrome de Down entre os outros funcionários aconteceu de maneira espontânea, e todos o acolheram com muita alegria.

 

Uma relação natural

“Bom dia, Diego, como você está e como está sua família? Gostaria de saber também como vai o seu trabalho no dia a dia. Está difícil? Se estiver com alguma dúvida, é só me chamar. Um grande abraço.” O bilhete foi enviado por Rogério para o Diego Lemes que há três anos trabalha no setor financeiro da Casa Flora. Ele tirou da gaveta várias folhas com outros bilhetes assinados por “Rogerinho” e reforçou que a presença dele humaniza e alegra a equipe. As “dicas do Rogerinho” são cheias de humanidade e podem mudar o dia de quem as recebe. Algumas ele copia de livros, mas outras ele afirmou à reportagem que “escreve com o coração”.

As histórias de Rogério e Valentine talvez não retratem a condição das pessoas na mesma situação que eles pelo Brasil. Mas, embora existam muitas dificuldades em relação à inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho e na sociedade como um todo, há empresas e grupos que vão além do cumprimento da lei e conseguem, com profissionalismo e humanidade, transformar  a  diferença numa  oportunidade  de aprendizado para ambas as partes.

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.