Trabalho: colaboração humana com a obra redentora de Deus

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01 de mai de 2020

A epidemia do novo coronavírus tem trazido aos noticiários números diários sobre os milhões de mortos por COVID-19 em todo mundo, mas também diversos exemplos de solidariedade e de pessoas que têm se dedicado ao trabalho para salvar vidas – como os profissionais da área da saúde – e para manter os serviços essenciais na sociedade.

Neste 1o de maio, a celebração da memória litúrgica de São José Operário e do Dia Internacional do Trabalho acontecem em meio à pandemia, ocasião que ressalta ainda mais o valor do trabalho para o bem da humanidade e como sinal da “colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível” (Catecismo da Igreja Católica - CIC, 378).

Em seu magistério, a Igreja mostra atenção à dignidade do trabalho humano. “Sempre houve uma amizade entre a Igreja e o trabalho, a partir de Jesus trabalhador. Onde houver um trabalhador, ali estarão o interesse e o olhar de amor do Senhor e da Igreja”, afirmou o Papa Francisco ao falar a trabalhadores em uma visita pastoral à cidade de Gênova, na Itália, em 27 de maio de 2017.

Para o aperfeiçoamento da Criação

“O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, ajudando-se mutuamente, a obra da criação, dominando a terra” (CIC, 2427).

Na introdução da Encíclica Laborem exercens (LE), sobre o trabalho humano, São João Paulo II indica que o fato de competir à espécie humana o domínio sobre a terra é, desde o princípio, um chamado de Deus ao trabalho.

“O homem, ao tornar-se — mediante o seu trabalho — cada vez mais senhor da terra, e ao consolidar — ainda mediante o trabalho — o seu domínio sobre o mundo visível, em qualquer hipótese e em todas as fases deste processo, permanece na linha daquela disposição original do Criador, a qual se mantém necessária e indissoluvelmente ligada ao fato de o homem ter sido criado, como varão e mulher, ‘à imagem de Deus’” (LE, 4).

Honrar os talentos recebidos

Para o homem e a mulher, trabalhar não é uma opção, mas, sim, um dever e resposta positiva à vocação que receberam de Deus: “‘Quem não quer trabalhar também não há de comer’ (2Ts 3,10). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos” (CIC, 2427).

O trabalho também comporta em si uma marca do gênero humano, “a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza” (LE, introdução); “O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho”. (CIC, 2428).

Santificação

Como autor e destinatário do trabalho, o homem deve exercê-lo cotidianamente com excelência, com respostas criativas diante das adversidades e em busca da santificação.

“Suportando a pena do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário, o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus em sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar. O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito de Cristo” (CIC, 2427).

E vem do próprio Jesus, nos longos anos de seu trabalho humilde em Nazaré, “o exemplo da santidade na vida cotidiana da família e do trabalho” (CIC, 564). 

“Os homens e as mulheres que, ao ganharem o sustento para si e para as suas famílias, exercem as suas atividades de maneira a bem servir a sociedade, têm razão para considerar o seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço dos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização do plano providencial de Deus na história”. (LE, 25)

Um bem para a dignidade humana

Embora ainda haja quem considere o trabalho como uma espécie de castigo que Deus impôs ao homem por ter infringido a Aliança original, fato é que o Criador não abandona o pecador, mas busca que este encontre a redenção: “O trabalho com suor do próprio rosto, embora seja a pena que acompanha o pecado original, também constitui um dos remédios que atenuam os prejuízos do pecado” (CIC, 1609).

Ainda na Encíclica Laborem exercens, São João Paulo II indica que os esforços inerentes a cada atividade de trabalho são um bem para o homem e a mulher: “E mais, é não só um bem ‘útil’ ou de que se pode usufruir, mas é um bem ‘digno’, ou seja, que corresponde à dignidade do homem, um bem que exprime esta dignidade e que a aumenta... O trabalho é um bem do homem — é um bem da sua humanidade — porque, mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, ‘se torna mais homem’” (LE, 9)

Vislumbra-se, assim, uma vida nova, como que “o anúncio dos ‘céus novos e da nova terra’, os quais são participados pelo homem e pelo mundo precisamente mediante o que há de penoso no trabalho. Mediante a fadiga e nunca sem ela. Ora tudo isto, por um lado, confirma ser indispensável a cruz numa espiritualidade do trabalho humano; por outro lado, porém, patenteia-se nesta cruz, no que nele há de penoso, um bem novo, o qual tem o seu princípio no mesmo trabalho: no trabalho entendido em profundidade e sob todos os aspectos, e jamais sem ele” (LE, 27)

São João Paulo II indica, também, que o suor e a fadiga que advêm do trabalho dão aos trabalhadores “a possibilidade de participar no amor à obra que o mesmo Cristo veio realizar. Esta obra de salvação foi realizada por meio do sofrimento e da morte de cruz. Suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de algum modo, com o Filho de Deus na redenção da humanidade” (LE, 27).

Cooperação, não competição

A construção da dignidade humana a partir do trabalho também se dá quando a atividade proporciona laços de cooperação em vez de competição.

“Quando uma empresa cria cientificamente um sistema de incentivos individuais que colocam os trabalhadores em competição uns com os outros, talvez no curto prazo possa obter alguma vantagem, mas logo acaba minando o tecido de confiança que é a alma de toda organização. E assim, quando explode uma crise, a empresa se esfiapa e implode, porque não há mais nenhuma trama que a sustenta. Deve ser dito enfaticamente que esta cultura competitiva entre os trabalhadores dentro da empresa é um erro, e, portanto, uma visão que deve ser mudada, se quisermos o bem da empresa, dos trabalhadores e da economia”, expressou o Papa Francisco, em visita pastoral a Gênova em 2017.

Em harmonia com a família

Diante do atual isolamento social, muitos profissionais têm trabalhado a partir das próprias casas, no chamado regime home-office. A estes, há a especial oportunidade de repensar a necessidade da harmonia entre o trabalho e a atenção à família.

“A organização moderna do trabalho mostra, às vezes, uma perigosa tendência a considerar a família como um obstáculo, um peso, uma passividade para a produtividade do trabalho. Mas nos perguntemos: qual produtividade? [...] Quando a organização do trabalho a tem [a família] como refém, ou até mesmo obstrui o seu caminho, então estamos certos de que a sociedade humana começou a trabalhar contra si mesma!”, alertou o Papa Francisco em uma catequese em agosto de 2015.

Na mesma ocasião, o Pontífice lembrou que nessa conjuntura, as famílias são chamadas a evidenciar os fundamentos da criação de Deus: “a identidade e a ligação do homem e da mulher, a geração dos filhos, o trabalho que torna doméstica a terra e habitável o mundo. A perda desses fundamentos é algo muito sério, e na casa comum existem já muitas frestas! A tarefa não é fácil. Às vezes, pode parecer às associações das famílias ser como Davi diante de Golias…mas sabemos como terminou aquele desafio! É preciso fé e perspicácia”, exortou.

Francisco indicou, ainda, que o trabalho é uma maneira de cuidar do bem comum, algo que se aprende em casa: “A família educa ao trabalho com o exemplo dos pais: o pai e a mãe que trabalham pelo bem da família e da sociedade”.

Assim, a relação dos trabalhadores com as atividades que exercem não deve se apresentar conflituosa, mas, sim, proporcionar a construção do bem comum: “Homens e mulheres nutrem-se de trabalho: com o trabalho estão ‘ungidos de dignidade’. Por esta razão, ao redor do trabalho, edifica-se todo o pacto social”, lembrou o Papa Francisco no já referido discurso aos trabalhadores em Gênova.

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‘O trabalho deve gerar partilha’

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01 de mai de 2017

No segunda-feira, 1º de maio, fiéis da Arquidiocese de São Paulo se reuniram na Catedral da Sé para celebrar a Eucaristia e rezar por todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, inspirados pelo exemplo de São José, esposo de Maria, no dia a ele dedicado.

A missa foi presidida pelo Padre Tarcísio Marques Mesquita, pároco da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto e coordenador arquidiocesano de pastoral. Logo no início da celebração, pastorais e grupos de imigrantes, como o “Asaya afro-boliviana”, criado para divulgação da cultura boliviana, trouxeram cartazes e símbolos na procissão de entrada, para recordar como o trabalho é essencial para o ser humano, bem como para falar sobre situações de degradação, como o trabalho infantil, a intolerância e a exploração.

Na homilia, Padre Tarcísio recordou que Deus criou o ser humano para que tenha “vida em abundância”. Ele citou as palavras do Papa Francisco, quando o Pontífice afirma que o ser humano não é o dominador da criação, mas deve zelar por ela. “O trabalho deve gerar partilha, ele é uma maneira que o homem tem de participar da criação de Deus e dignificar sua própria vida.”

O Padre recordou também da Campanha da Fraternidade, que em 2017 falou sobre os biomas brasileiros, que merecem ser preservados por todos, bem como os direitos da pessoa. “Que os pequenos sejam sempre considerados e aqueles que governam defendam, em primeiro lugar, os mais fragilizados. É muito triste que existam ainda, em nosso país, pessoas sem casa, sem condições dignas de vida. É muito triste que indígenas e camponeses enfrentem opressão ou a indiferença da sociedade e tenham seus direitos negados”, continuou Padre Tarcísio.

O presidente da celebração falou ainda sobre a figura simples e paterna de São José e que as palavras das pessoas simples, trabalhadoras do Brasil  precisam ser consideradas. “Como deve ser difícil viver nos grandes centros urbanos ou na zona rural com tão pouco, com tanta dificuldade, é preciso ter muita sabedoria para isso e exatamente por isso, os mais simples devem ter seus direitos respeitados.”

 

Mensagem da CNBB para o dia do trabalho

No fim da celebração foi lida a Mensagem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para os trabalhadores do país. “O trabalho é fundamental para a dignidade da pessoa, constitui uma dimensão da existência humana sobre a terra. Pelo trabalho, a pessoa participa da obra da criação, contribui para a construção de uma sociedade justa, tornando-se, assim, semelhante a Deus que trabalha sempre. O trabalhador não é mercadoria, por isso, não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito à justa remuneração, que não se mede apenas pelo custo da força de trabalho, mas também pelo direito à qualidade de vida digna”, afirmam os bispos na mensagem.

A mensagem recordou ainda que “o dia do trabalhador e da trabalhadora é celebrado, neste ano de 2017, em meio a um ataque sistemático e ostensivo aos direitos conquistados, precarizando as condições de vida, enfraquecendo o Estado e absolutizando o Mercado”.

Após a Celebração Eucarística, os grupos saíram da Catedral carregando seus cartazes, bandeiras e símbolos e logo após houve um ato em frente à Catedral da Sé por ocasião do Dia do Trabalhador.

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Mensagem da CNBB aos trabalhadores (as) do Brasil

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28 de abril de 2017


Reproduzimos a seguir a íntegra da mensagem dos bipos reunidos em Aparecida (SP), direcionado ao povo brasileiro por ocasião do Dia Mundial do Trabalhador, a ser celebrado na segunda-feira, dia 1º de maio. A mensagem será repercutida na coletiva de imprensa das 15h, desta sexta-feira, dia 28.
 

“Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho” (Jo 5,17)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida, no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida – SP, em sua 55ª Assembleia Geral Ordinária, se une aos trabalhadores e às trabalhadoras, da cidade e do campo, por ocasião do dia 1º de maio. Brota do nosso coração de pastores um grito de solidariedade em defesa de seus direitos, particularmente dos 13 milhões de desempregados.

O trabalho é fundamental para a dignidade da pessoa, constitui uma dimensão da existência humana sobre a terra. Pelo trabalho, a pessoa participa da obra da criação, contribui para a construção de uma sociedade justa, tornando-se, assim, semelhante a Deus que trabalha sempre. O trabalhador não é mercadoria, por isso, não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito à justa remuneração, que não se mede apenas pelo custo da força de trabalho, mas também pelo direito à qualidade de vida digna.

Ao longo da nossa história, as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras pela conquista de direitos contribuíram para a construção de uma nação com ideais republicanos e democráticos. O dia do trabalhador e da trabalhadora é celebrado, neste ano de 2017, em meio a um ataque sistemático e ostensivo aos direitos conquistados, precarizando as condições de vida, enfraquecendo o Estado e absolutizando o Mercado. Diante disso, dizemos não ao “conceito economicista da sociedade, que procura o lucro egoísta, fora dos parâmetros da justiça social” (Papa Francisco, Audiência Geral, 1º. de maio de 2013).

Nessa lógica perversa do mercado, os Poderes Executivo e Legislativo reduzem o dever do Estado de mediar a relação entre capital e trabalho, e de garantir a proteção social. Exemplos disso são os Projetos de Lei 4302/98 (Lei das Terceirizações) e 6787/16 (Reforma Trabalhista), bem como a Proposta de Emenda à Constituição 287/16 (Reforma da Previdência). É inaceitável que decisões de tamanha incidência na vida das pessoas e que retiram direitos já conquistados, sejam aprovadas no Congresso Nacional, sem um amplo diálogo com a sociedade.

Irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras, diante da precarização, flexibilização das leis do trabalho e demais perdas oriundas das “reformas”, nossa palavra é de esperança e de fé: nenhum trabalhador sem direitos! Juntamente com a Terra e o Teto, o Trabalho é um direito sagrado, pelo qual vale a pena lutar (Cf. Papa Francisco, Discurso aos Movimentos Populares, 9 de julho de 2015).

Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas, em defesa da dignidade e dos direitos de todos os trabalhadores e trabalhadoras, com especial atenção aos mais pobres.

Por intercessão de São José Operário, invocamos a benção de Deus para cada trabalhador e trabalhadora e suas famílias.

Aparecida, 27 de abril de 2017.

 

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