INTERNACIONAL

10 anos de Celam

Conferência de Aparecida ecoa na Igreja do mundo inteiro

Por Nayá Fernandes
30 de mai de 2017

Evento do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizado no brasil já apontava aspectos hoje difundidos pelo magistério do Papa Francisco

 

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Há 10 anos, realizava-se em Aparecida (SP), a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Com o tema “Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, para que nossos povos nele tenham Vida”, o evento, que aconteceu entre os dias 13 e 31 de maio de 2007, foi aberto pelo Papa Bento XVI, no Santuário Nacional de Aparecida.

As reflexões da Conferência resultaram no documento conclusivo do episcopado latino-americano, cuja redação foi coordenada pelo então arcebispo de Buenos Aires e presidente da Conferência Episcopal Argentina, Cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco.

“Quem podia imaginar que sua participação e atuação, como coordenador da comissão de redação do documento final da Conferência, lhe daria a oportunidade de estender para a Igreja inteira as reflexões de Aparecida?”, afirmou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, em artigo publicado na edição de 17 de maio deste ano do jornal O SÃO PAULO, destacando que a exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013), do Papa Francisco, “estende para a universalidade da Igreja as intuições e indicações da Conferência de Aparecida para a nova evangelização”. No mesmo artigo, Dom Odilo afirmou que a Conferência foi “um evento extraordinário, que continua a ter desdobramentos na Igreja do continente e do mundo inteiro”.

 

Igreja em saída

Quando ainda nem se imaginava a renúncia de Bento XVI e a eleição de Francisco, o Cardeal Bergoglio já desta- cava que a mensagem e fundo de Aparecida é que a Igreja, para permanecer fiel a sua missão precisa estar em saída. “O Documento de Aparecida não se esgota em si mesmo, mas se abre para a missão, o anúncio e o testemunho dos discípulos. Seu coração é a missão”, afirmou o então arcebispo de Buenos Aires à revista italiana 30 Giorni, em novembro de 2007.

Para Dom Odilo, que foi secretário- adjunto da presidência da Conferência, Aparecida valorizou as experiências eclesiais da América Latina feitas nas conferências anteriores – Medellín (1968), Puebla (1979) e Santo Domingo (1992). “A evangélica opção preferencial pelos pobres e pelos jovens, as comunidades eclesiais de base, a presença evangelizadora e profética nas   situações contraditórias da vida dos povos, a evangelização da cultura, tudo isso foi também assumido em Aparecida”, salientou o Arcebispo, em artigo pulicado no O SÃO PAULO de 5 de junho de 2007.

 

Diálogo aberto

O então Cardeal Bergoglio destacou que o texto conclusivo foi elaborado em um clima de autêntica e fraterna colaboração, e foi enfático ao desmentir as alegações veiculadas por alguns veículos de comunicação na época de que o texto encaminhado pela Conferência havia sido manipulado por parte da Santa Sé. “O documento conclusivo é um ato do magistério da Igreja latino-americana, não sofreu qualquer manipulação, nem da nossa parte, nem da parte da Santa Sé. Houve alguns ajustes e pequenos retoques de estilo, de forma e algumas coisas que foram removidas de um lado e acrescentadas de outro; a substância, porém, permanece idêntica, não foi mudada em nada”.

Para Bergoglio, as indicações gerais sobre os problemas da América Latina dadas por Bento XVI na abertura da Conferência iluminaram bastante os bispos. Mas, como pontuou o Arcebispo Argentino, o Santo Padre deixou a reflexão aberta aos bispos: “‘Façam vocês!’ Isso foi ótimo da parte do Papa”.

O futuro Pontífice também ressaltou, na época, que as reflexões dos bispos não partiram de um texto- base feito previamente, “mas de um diálogo aberto”, de modo que o Documento foi feito “de baixo para cima”, a partir de um debate iniciado antes no Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e nas conferências episcopais ouvindo as igrejas locais.

 

Metodologia

A Conferência de Aparecida usou o método “ver- julgar-agir”, bastante conhecido no Brasil. Na primeira semana, os bispos avaliaram a realidade da Igreja, da sociedade e dos povos da América Latina. Os presidentes das 22 conferências episcopais apresentaram realidade eclesial e dos povos em seus respectivos países. Segundo Dom Odilo, houve ampla possibilidade de manifestação e intervenção dos participantes: “Os bispos e também os não bispos puderam falar livre- mente sobre os diversos aspectos da realidade que são pertinentes à avaliação de como nós queremos que seja a Igreja presente na América Latina”.

Na segunda semana, foram contempladas as pro- postas de cunho pastoral. O Cardeal Scherer explicou que, na verdade, a reflexão sobre os trabalhos pastorais representa justamente “as orientações e indicações de como a Igreja deverá ser mais discípula e missionária”.

A fase da redação do documento também foi aberta para a contribuição de todos os bispos. “Para a segunda e terceira redações, foram recebidas 2.240 contribuições! A nossa disposição foi a de receber tudo aquilo que vinha da base, do povo de Deus, e de fazer não tanto uma síntese, mas sobretudo uma harmonia”, relatou o então Cardeal Bergoglio.

 

Desafios

Segundo Dom Odilo, o episcopado latino-americano procurou encontrar respostas para as questões da atualidade. “Foi impressionante perceber nos depoimentos dos bispos, de norte a sul do continente, como as situações e problemas enfrentados pelos povos são muito semelhantes; e os desafios e preocupações da Igreja também”.

Do ponto de vista religioso, preocupavam questões como o desafio do neopentecostalismo e a evasão de fiéis da Igreja Católica; a necessidade de uma iniciação cristã mais aprofundada e de uma nova missionariedade por parte da Igreja; a crise do casamento e a desagregação da família; as novas questões morais, sobretudo em relação à vida e à dignidade humana. No campo social, chamavam a atenção a pobreza e o aumento da concentração da riqueza; as migrações, o tráfico de drogas, a violência e a criminalidade organizada.

No âmbito cultural, constatou-se uma “verdadeira mudança de época”, com a afirmação do individualismo e do subjetivismo e com a consequente perda das referências cristãs que construíram a vida dos povos latino-americanos. “Diante de tudo isso, a Igreja la- tino-americana parte de Aparecida desejosa de ajudar nossos povos para que, em Cristo, todos tenham vida melhor”, continuou o Cardeal Scherer que, ainda, acrescentou que não são as ideologias nem as soluções contrárias à dignidade humana que poderão resolver os problemas dos nossos povos. Segundo ele, a Igreja acredita que a verdadeira conversão ao Evangelho e a vida nova em Cristo podem trazer solução a tantas situações contrárias ao Reino de Deus.

 

Na casa da Mãe

Foi a primeira vez que uma conferência do episcopado latino-americano se reuniu em um santuário mariano. E, de acordo com os bispos, isso teve um grande significado.

“Os numerosos romeiros de Nossa Senhora Aparecida, sobretudo nos dois fins de semana, contribuíram com seu testemunho de fé por meio das expressões da religiosidade popular e da devoção mariana”, destacou Dom Odilo.

O Cardeal Bergoglio também chamou a atenção para a proximidade com o povo na Conferência. “Todas as manhãs, nós recitávamos as Laudes e celebrávamos a missa junto com os peregrinos e fiéis... Celebrar a Eucaristia junto ao povo é diferente que celebrá-la entre nós bispos separadamente. Isso nos deu um vivo sentido de pertença a uma Igreja que caminha como povo de Deus”, disse.

Além das celebrações, os trabalhos da Conferência aconteciam no subsolo da Basílica. “De lá continuávamos a ouvir as orações, os cantos dos fiéis...”, destacou o Purpurado argentino, acrescentando que a parte do Documento que trata da piedade popular foi inspirada a partir dessa vivência.

A experiência de reunir o episcopado latino-americano em Aparecida inspirou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a realizar suas assembleias gerais no Santuário Nacional, como faz desde então.

 

Continuidade do Vaticano II

Para a Irmã Vera Ivanise Bombonatto, teóloga que compôs ao grupo de especialistas que assessorou os participantes da Conferência, o evento representou para a Igreja Latino-americana a continuidade em relação ao Concílio Vaticano II e às conferências anteriores. “A V Conferência reafirmou as opções fundamentais que caracterizam o rosto da nossa Igreja: discípula-missionária, escola de comunhão e advogada dos mais necessitados. Além disso, representou um avanço em relação à pro- posta pastoral: passar de uma Igreja centrada em uma pastoral de manutenção a uma Igreja em permanente estado de missão”, disse a religiosa ao O SÃO PAULO.

Entre os aspectos do Documento de Aparecida considerados fundamentais para a missão da Igreja hoje, Irmã Vera destacou o de ser cristão a partir da experiência de Deus em Jesus Cristo. “Essa experiência fortalece em nós a fé, a esperança e a caridade e nos leva a reconhecer Jesus nos rostos desfigurados particularmente dos pobres, das periferias humanas e geográficas. Dessa experiência, nascem também as características do nosso ser e do nosso agir cristão: viver na alegria de ser discípulo-missionário, participar da comunidade eclesial, estar a serviço da vida e defendê-la onde quer que ela esteja ameaçada. Deus é o Deus da vida em plenitude, do amor sem medidas e da paz e da fraternidade universal”, afirmou.

 

Atualidade

A teóloga enfatizou, ainda, que Aparecida deu novo vigor teológico, espiritual, pastoral e estrutural para a Igreja na América Latina. “Entre estes aspectos, destaco a centralidade da pessoa de Jesus Cristo, próxima e que caminha conosco, que nos atrai a si e nos envia a anunciá-lo a todos os povos. Outro aspecto importante é o de uma Igreja em diálogo pluridirecional, capaz de dialogar com as diferentes culturas”.

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