SÃO PAULO

Cristãos no Egito

Com a Palavra

Por Nayá Fernandes
15 de junho de 2017

Como vivem os cristãos perseguidos no Egito

“A Igreja copta católica é a Igreja dos mártires”, afirmou Dom Kyrillos William Samaan, bispo copta católico de Assiut, no Egito, em entrevista exclusiva ao jornal O SÃO PAULO, na quarta-feira, 3, na sede da Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), zona sul de São Paulo.

 

Dom Kyrillos veio ao Brasil convidado pela AIS-Brasil, Fundação Pontifícia que financia projetos de ajuda aos cristãos que sofrem perseguição religiosa ou sobrevivem em meio a dificuldades econômicas e sociais. A situação de perseguição sofrida pelos cristãos no Egito ganhou repercussão mundial após os atentados com bombas no Domingo de Ramos, dia 9 de abril, contra duas igrejas coptas ortodoxas nas cidades de Tanta e Alexandria. Na ocasião, morreram pelo menos 44 pessoas e mais de 120 ficaram feridas.

 

De família católica, o primeiro de sete irmãos – dos quais quatro são religiosos –, ele ingressou no seminário aos 9 anos de idade. Como disse à reportagem, sua vontade de ser sacerdote foi inspirada por um padre que celebrava no bairro onde ele morava com a família.

 

Pela primeira vez no Brasil, o Bispo falou durante a Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP), e celebrou aos pés do Cristo Redentor, no sábado, 6, quando este foi iluminado de vermelho, para lembrar os cristãos mortos no Oriente Médio.

 

O SÃO PAULO – Qual a atual situação do Egito, no que se refere a questões sociais, políticas e econômicas?

 

DomKyrillos William Samaan – A manifestação popular que ficou conhecida como “primavera árabe” [em 2011] trouxe muita esperança para o Egito, porque jovens muçulmanos e cristãos saíram às ruas, reivindicando justiça e igualdade. Mas as eleições que se seguiram para substituir o ditador Mubarak, há mais de 30 anos no poder, não foram as mais favoráveis para o povo.

Com o atual presidente do Egito [Abdel Fattah al-Sisi, eleito em 2014] existe uma marcha para modernizar o País. Porém, nem todos os que trabalham com o Governo têm mentalidade moderada e aberta; por isso, apesar de a marcha ter começado, ainda é lenta. Atualmente, a população egípcia enfrenta um grande problema financeiro. São histórias antigas, nas quais têm também participação os presidentes anteriores, pois nenhum dentre eles foi corajoso o suficiente para declarar à população a real situação do País. Para se ter uma ideia, o povo não sabe, por exemplo, o valor exato da sua moeda [libra egípcia] diante do dólar. Além disso, o Governo é investigado por corrupção.

Com todos esses conflitos, o turismo também caiu, especialmente quando a irmandade mulçumana chegou ao poder [– a irmandade muçulmana esteve no poder entre 2012 e 2013]. A visita do Papa [dias 28 e 29 de abril de 2017], ajudou a mostrar que o Egito está seguro.

 

 

Sobre a perseguição aos cristãos, quando ela se intensificou?

 

Desde 1952 (quando iniciou o processo de união entre o Estado e a religião islâmica) , os cristãos passaram a ser considerados cidadãos de segunda classe e  a enfrentar um caminho ainda mais árduo para professar sua fé. Estima-se que existam no Egito entre 15 e 20 milhões de coptas, mas o Governo não divulga os números com exatidão. Da Igreja Católica Apostólica Romana são cerca de 250 mil, que têm 170 escolas, consideradas entre as melhores do País. Além disso, há cerca de 80 anos as perseguições se intensificaram devido ao retorno de egípcios que foram trabalhar na Arábia Saudita, e que adquiriram uma mentalidade jihadista, extremista, advinda da irmandade mulçumana, que não admite minorias e pessoas que professam outra fé.

 

 

Como é o dia a dia de um cristão copta no Egito?

 

Todos os dias celebra-se a Eucaristia, bem como nas grandes festas. Existem algumas dificuldades, mas já nos acostumamos a lidar com elas. Oficialmente, o Governo determina que os egípcios não são cooptas, mulçumanos ou de outras minorias, mas simplesmente cidadãos do Egito, filhos do Egito. Por essa razão, existem momentos de visita entre mulçumanos e cristãos para, por exemplo, parabenizar uns aos outros em festas como o Natal ou o Ramadã, ou ainda em festas de casamentos e funerais. Os meios de comunicação são muito eficazes, há liberdade de expressão, são considerados os melhores do Mundo Árabe. Quando acontece um conflito, há grande cobertura por parte dos meios de comunicação e ações do exército e do Governo para procurar os culpados que, na maioria das vezes, são presos e punidos.

 

 

Aumentou, após a explosão no Domingo de Ramos, o medo entre os cristãos?

 

Após o ataque de Domingo de Ramos, a vida continuou. A reação da população cristã é muito pacífica, aceita-se a perseguição de maneira muito pacífica e não se paga maldade com maldade. Porém, as minorias jihadistas causam este tipo de conflito e confusão com a intenção de mostrar aos cooptas que as atuais lideranças na República do Egito são incapazes de protegê-los. É uma manobra para chamar a atenção dos cristãos para a irmandade mulçumana que, de fato, não admite nenhuma outra minoria religiosa. É difícil prever o ataque de um terrorista, de um homem bomba, que pode acontecer a qualquer momento. Ademais, os terroristas jihadistas pensam que após cometer um atentado suicida terão como recompensa o paraíso, onde encontrarão 70 sereias. Infelizmente, esses conflitos no Egito e em todo o Oriente Médio, têm motivação religiosa.

 

 

Há um movimento de migração devido a estas perseguições?

Não. No Egito há pouquíssimos refugiados religiosos. Os poucos que decidem sair do país vão, na maior parte das vezes, para a Europa ou para os Estados Unidos da América.

 

 

Como os cristãos vivem espiritualmente esta situação de perseguição?

Essas perseguições sempre aconteceram, e sempre houve mártires na história dos cristãos. A Igreja Coopta é também Igreja de Mártires, eles sabem que o martírio é o encontro com Deus, e essa realidade os fortalece. Todos os mártires têm seu nome na Igreja. No entanto, na Igreja Ortodoxa, o processo de beatificação é diferente do que ocorre na Igreja Católica Romana; mas o Papa Francisco afirmou, recentemente, que eles devem ser exemplo para todos os cristãos. Por essa razão, em sua visita, ele rezou diante do túmulo desses mártires. Ao rezar por eles, também os cristãos do Brasil partilham essa dor, e essa atitude ameniza o sofrimento de quem está naquela situação.

 


Como o senhor avalia a visita do Papa Francisco ao Egito?

 

Foi um sucesso total. Durante as 26 horas da sua visita, o Papa conseguiu enviar uma mensagem para o Governo do Egito, para os mulçumanos do Egito, para a Igreja Coopta, para o Mundo Inteiro, bem como para a Igreja Latina dentro do Egito, que foi chamada por Francisco de “pequeno rebanho”. Foi uma visita histórica.

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