NACIONAL

Com a Palavra

‘Abri as portas no jornalismo às mulheres no futebol’

Por Daniel Gomes
30 de mai de 2017

Marilene Dabus, fala com exclusividade ao O SÃO PAULO, da época em que desbravou caminhos no jornalismo esportivo, sendo considerada a primeira repórter de campo do futebol

Arquivo Pessoal

Aos 77 anos, Marilene Dabus recorda com detalhes, nesta entrevista ao O SÃO PAULO, a época em que desbravou caminhos no jornalismo esportivo, sendo considerada a primeira repórter de campo do futebol. Em diferentes momentos, ao longo de quatro décadas, ela atuou na assessoria de imprensa do Flamengo, seu clube do coração, e acompanhou o despertar de craques como Zico, campeão mundial com o Rubro Negro em 1981. “Aproveitei a oportunidade da vida. Foi um presente de Deus. Eu soube aproveitar e Ele me abriu caminhos nesse rumo”. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

O SÃO PAULO Como foi seu início no jornalismo esportivo?

Marilene Dabus – Desde criança, eu gosto muito de futebol. Um tio meu, ir- mão da minha mãe, conhecido como Caxambu, foi campeão pelo Flamengo em 1939, e também jogou no Palmeiras e em um time da Argentina. Ele tinha álbuns de fotos e quando eu ia pra Caxambu (MG) passar as férias, eu ficava vendo aqueles álbuns. Meu grupo de colegas de praia era todo formado por jornalistas: Carlinhos Neymeier, que era dono do Canal 100 [um noticiário esportivo nas telas de cinema], Sergio de Noronha, Sandro Moreira, entre outros. A gente sempre conversava sobre futebol. Um dia, me telefonaram da TV Tupi perguntando se eu queria ir no programa do Blota Júnior, chamado “Dança com o vencedor”. Fui e disse à produção do pro- grama que queria falar sobre o Flamengo. Comecei a responder e ganhei tudo. O auditório da TV Tupi enchia a cada programa, porque as torcidas organiza- das começaram a ir me dar apoio com bandeiras. Foi um sucesso. Um dia, em 1969, a Danuza Leão, minha amiga, me telefonou. Ela era casada com o Samuel Wainer, o dono do Última Hora. Ele me convidou para escrever no jornal sobre futebol. Comecei já tendo uma coluna com o meu nome e uma foto. Foi um sucesso e que até motivou as mulheres a irem aos estádios. Eu segui trabalhando no Última Hora até me mudar para o Jornal dos Sports, que era o melhor jornal de esportes do Brasil.

E   sua   chegada   no   flamengo, como aconteceu?

O Walter Clark me ligou querendo que eu participasse de uma reunião na TV Globo. Chegando lá, encontrei um grupo que efetivamente queria participar do Flamengo, entrar no clube com um candidato. Isso foi em 1976. Nós criamos a Frente Ampla pelo Flamengo.  Escolhemos o Márcio Braga para ser o nosso candidato e ele se elegeu. Nós revolucionamos o futebol brasileiro. Implementamos medidas que os outros clubes começaram a acompanhar, já que o Flamengo estava ganhando tudo. Era o time em que estavam o Zico, Adílio, Claudio Adão, Leandro, Júnior. Ganhamos o Campeonato Carioca de 1978, a Liberta- dores em 1981 e o mundial logo depois.

 

Que lembranças a senhora tem do trabalho que fez no Clube?

Eu trabalhava na assessoria de imprensa. Quando o Márcio chegava na presidência – ele foi presidente do Flamengo por seis vezes – eu entrava como funcionária do clube, ficava lá das 9h à meia noite. Quando nós entramos pela primeira vez, o Flamengo estava desestruturado. Eu ensinei as telefonistas sobre como atender o telefone, a como receber os sócios, mandei fazer uniforme para todo mundo, comprei roupa de cama, toalha de banho, vi o que precisava ser comprado para completar a geladeira. Fiquei “dona de casa” do Flamengo. Em 1978, criei um baile chamado “Baile Vermelho e Preto”, que foi o maior sucesso durante sete anos. O primeiro baile tinha 2.500 pessoas. Então, o pessoal mais chique do Rio de Janeiro, os torcedores que eram classe A, começaram a aparecer, os jornais e revistas da época dedicavam de quatro a cinco páginas para o baile, todas as colunas sociais falavam. Com o dinheiro que a gente arrecadava no baile, dava para pagar e renovar o contrato de todos os jogadores, menos o do Zico. Então, minha trajetória no Flamengo como assessora de imprensa foi muito respeitada. Nunca tive problema de preconceito por ser mulher nem sofri assédio. Só me aposentei mesmo em 2010 e vim para casa. Tive um baque dois anos depois, quando operei o trigêmeo [nervo que controla os músculos e transmite informações sensoriais para o rosto], que infeccionou depois. Estou há cinco anos em casa, já fiz mais de 15 cirurgias, e agora, graças a Deus, estou no finalzinho do tratamento, fazendo fisioterapia também, porque quebrei a perna, mas já estou ficando bem. Eu sou respeitada. As pessoas no Flamengo me chamam de musa, já falaram até de fazer uma estátua para mim na gávea [risos]. Aproveitei a oportunidade da vida. Foi um presente de Deus. Eu soube aproveitar e Ele me abriu caminhos nesse rumo. Fui bem-sucedida e abri as portas para as mulheres entrarem numa nova atividade profissional.

 

A senhora também ficou famosa na carreira por entrevistar os jogadores direto no campo e até ter flagrado alguns no vestiário...

Não. No vestiário eu nunca entrei. Teve uma reportagem do jornal O Globo querendo falar bem das mulheres que estavam ocupando espaços e dizendo que eu fui a pioneira no futebol, que entrei no vestiário do Flamengo e todos os jogadores que estavam dentro das banheiras submergiram como jacaré. Eu achei a história muito engraçada e não quis desmentir. Deixei passar, mas a verdade é que nunca entrei em vestiário. Mas dentro de campo, fiz muita entrevista entre 1969 e 1976, antes de eu ir para o Flamengo.

 

E os jogadores conversavam com a senhora sem maiores restrições, receio?

Falavam normalmente. No princípio, com uma certa dúvida se eu entendia mesmo de futebol. Inclusive, em 1969, eu estava na porta de uma concentração, junto com toda a imprensa do lado de fora, e o João Saldanha [que treinou a seleção brasileira antes da Copa de 1970], que era meu amigo, disse: “Marilene, entra! Vem almoçar com a gente”. Eu fui, almocei e pedi para esperar para entrevistar o Pelé. Eu estava no meu segundo dia de trabalho no jornal Última Hora. Quando o Pelé chegou, eu disse: “Você me dá uma entrevista?” E ele questionou: “Você entende alguma coisa de futebol?” E eu disse: “Ué, pergunta! Você vai ver”. Então, fiz essa entrevista exclusiva com o Pelé e isso foi capa no jornal.

 

Como a senhora vê a atuação das mulheres no jornalismo esportivo hoje?

É muito difícil você ver as mulheres fazendo futebol. A maioria faz esporte olímpico. Aqui no Rio dá para contar nos dedos as que escrevem sobre futebol em jornal. E na televisão, as moças vão cobrir o treino já com a pauta feita, descrevem o treino ou, então, são apresentadoras de programas, mas não vão para a rua como eu fui para fazer, por exemplo, a primeira entrevista com o Zico, em Quintino [bairro do Rio de Janeiro], quando ele tinha 17 anos. Agora no Dia Internacional da Mulher, ele fez uma homenagem para as mulheres do Flamengo e me homenageou. Eu chorei muito de emoção.

 

E o que a senhora acha do futebol brasileiro hoje?

O problema é a CBF. Não vale nada e nunca valeu nada. O dinheiro fica sempre nas federações e na CBF. Não chega direto nos clubes. Acredito que a CBF teria que cuidar só da seleção brasileira.

 

Mas dentro de campo a seleção está bem, não?

O Tite é um rapaz sério, que pegou um bom momento com a garotada e está dando certo. Eu estou gostando do estilo de jogo, mas para quem viu a seleção nas copas de 1958, 1970 e 1982, não tem comparação [risos]. Eu estou torcendo por essa meninada para que ganhem a Copa do Mundo no ano que vem. O time está formado e no caminho certo.

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