NACIONAL

Política

A reforma trabalhista por diferentes perspectivas

Por Daniel Gomes
16 de mai de 2017

Juristas, entidades sindicais e políticos têm entedimento diverso sobre a questão

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Os senadores que compõem as comissões de Assuntos Sociais e de Assuntos Econômicos se reúnem na quarta-feira, 10, para começar a tratar da reforma trabalhista, que tramita no Senado como PLC 38/2017, a partir do texto aprovado pela Câmara, em 27 de abril.

Não há consenso entre os congressistas nem na opinião pública sobre os pontos da reforma, em especial no que se refere à possibilidade de a negociação entre trabalhado- res e empregados para questões como jornada de trabalho, parcelamento das férias, prorrogação de jornada em ambientes insalubres e participação nos lucros e resultados, se sobrepor ao que está previsto em lei.

 

 

RETIRADA DE DIREITOS?

Na avaliação de Germano Siqueira, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a generalização da prevalência do negociado sobre o legislado fere o artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos dos trabalhadores. Ele também criticou que o projeto da reforma possibilite que todos os empregados estejam sujeitos a jornadas de trabalho de até 12 horas diárias, com o limite de 44 horas semanais.

“Como está no projeto hoje, a jornada de 12 horas poderá ser cobrada pelo em- pregador sem nenhum intervalo, caso ele indenize o valor do intervalo. Na prática, se deixará de pagar as horas extras e isso poderá ser feito até por acordo individual. Estará se privilegiando os acordos individuais e generalizando práticas que não poderiam ser generalizadas”, disse Germano ao O SÃO PAULO.

Já a advogada Luciana Dessimoni, especialista em Direito do Trabalho e atuante na Nakano Advogados da Saúde, argumenta que a supremacia do negociado sobre o legislado não é inconstitucional. “Não se vai poder barganhar em cima de direitos. O que se negociará, por exemplo, é o parcelamento das férias, não o direito a ter férias. O que será negociado é uma situação específica”, disse à reportagem.

Também o Instituto para Desenvolvi- mento do Varejo (IDV), em nota publicada no início deste mês, defendeu a maior flexibilidade na relação entre trabalhadores e empregadores. “A atual legislação, ao contrário da proposta, atua na contramão da formação dos jovens, inviabilizando jorna- das flexíveis que permitiriam a eles custear seus estudos e ter tempo para se prepararem às aulas, alimentando-se adequadamente e chegando a tempo na escola. A jornada flexível não só corrige esse problema, mas também facilita a reinserção do aposentado no mercado de trabalho, permitindo a ele complementar sua renda e continuar a contribuir para a economia como um todo”.

 

FISCALIZAÇÃO

Um ponto comum de preocupação entre os críticos e os defensores da reforma trabalhista é como se dará a fiscalização dos acordos entre as empresas e os trabalhadores.

“O ambiente de trabalho é de subordinação. Quem determina as condições de uma cláusula contratual não é o trabalhador. O que haverá é praticamente um contrato de adesão, em que a empresa decidirá as condições”, comentou o presidente da Anamatra.

Luciana Dessimoni acredita que fiscalização dos acordos é um aspecto preocupante, mas que tende a se ajustar com o tempo. “É só o dia a dia, é só a prática que vai nos mostrar a eficácia do negociado sobre o legislado. Em Portugal, por exemplo, o negociado prevalece e funciona. Eu acre- dito que o negociado vai ser fiscalizado e a gente vai fazer que isso resulte positiva- mente para o país”, afirmou.

Germano Siqueira vê essa questão ainda mais incerta no que se refere ao trabalho home-office, feito pelo trabalhador em casa. Para ele, uma legislação sobre o assunto será benéfica, desde que preveja algum controle da jornada de trabalho. “Do modo como a lei foi construída, o trabalha- dor poderá ser cobrado pela empresa por um trabalho a qualquer momento, até nas horas vagas. Outro problema são os custos, pois este trabalhador vai se incumbir das despesas com computadores e com a rede de internet. Pode até ser feito via contrato entre as partes, mas quem efetivamente vai decidir isso é o empregador”, opinou.

Para Luciana Dessimoni uma legislação sobre o home-office só vai oficializar o que já é praticado por muitas empresas. Ela acredita que esse modelo de trabalho “vai dar mais qualidade de vida para todos”, mas um fator a se ter preocupação é com a ergonomia do ambiente da casa destinado ao trabalho. “Se precisará averiguar se a pessoa está trabalhando dentro de uma postura correta, com um material adequado e se isso não atinge a saúde dela de alguma forma”, pontuou.

 

DEMISSÕES E O PAPEL DOS SINDICATOS

No entender de Germano, outro ponto problemático da reforma é o fim da assistência obrigatória dos sindicatos na extinção dos contratos de trabalho e nas homologações. Ele defende que essa obrigatoriedade seja mantida para os casos em que o empregado pedir demissão, for demitido por justa causa ou haja o distrato (acordo das partes para pôr fim a um contrato). “O trabalhador deixará de ter aquela entidade sindical que vai perguntar se ele confirma a versão da empresa, para homologar ou não a rescisão. Então, só restará a ele receber da forma que a empresa impõe”. Ainda mais grave, segundo Germano, será a chamada jurisdição voluntária, em que as partes podem tentar resolver um conflito extrajudicialmente e depois pedir a homologação pelo juiz do trabalho. “Isso levará a uma quantidade infinita de acordos extrajudiciais para a Justiça do Trabalho, o que vai avolumar ainda mais as quantidades de processos”, afirmou.

Já Luciana acredita que a possibilidade de demissão consensual será benéfica para todos os envolvidos: “Muitas vezes, a pessoa quer sair da empresa, de repente até já tem uma outra oportunidade de trabalho certa, mas pensa: ‘vou abrir mão de todo o meu fundo de garantia’. Essa pessoa até pede para ser dispensada, mas às vezes a empresa não tem nem o dinheiro para mandá-la embora, aí fica com uma mão de obra imperfeita, que não está rendendo. Então, a possibilidade da demissão consensual ajudará todo mundo”. Sobre fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, a advogada acredita que isso levará à melhoria da qualidade da atuação dos sindicatos. “Se o sindicato fizer uma boa atuação para aquela categoria, ele vai convencer o trabalhador a se utilizar dele. Então, sindicatos que hoje não são tão profissionalizados irão se profissionalizar para manter seus sindicalizados, e quanto melhor o sindicato fizer a uma categoria, mais fortalecido vai estar”, comentou.

Os movimentos sindicais aparentam não ter uma posição fechada sobre o assunto. A União Geral dos Trabalhadores (UGT), por exemplo, já manifestou que aceitaria uma retirada gradual da contribuição sindical. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) sinaliza que poderá aceitar o fim do recolhimento obrigatório, caso se crie uma taxa negocial definida entre cada sindicato e os trabalhadores que este representa. Já a Força Sindical tem se posicionado totalmente contra o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.

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