SÃO PAULO

Sueli Maria de Lima Camargo

30 anos em defesa das crianças e dos adolescentes

Por Nayá Fernandes
13 de dezembro de 2017

Hoje condenadora da Pastoral, Sueli Maria de Lima Camargo, contou ao O SÃO PAULO sobre seus anos de experiencia na luta pelas crianças e adolecentes

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Sueli Maria de Lima Camargo conheceu a Pastoral do Menor na Região Brasilândia, onde nasceu. Ela começou a ajudar no atendimento a crianças e adolescentes junto aos projetos que eram, na década de 1980, coordenados pelo Padre Noé Rodrigues (1917-2012). “No início atendíamos principalmente bebês que eram abandonados”, disse, em entrevista à reportagem

A partir do final de 1988 e início de 1989, Sueli passou a colaborar com a Pastoral do Menor em nível arquidiocesano, onde está desde então. A Pastoral teve início na Região Episcopal Belém, por iniciativa de pessoas como Dom Luciano Mendes de Almeida (19882006), Ruth Pistori (1932-2011) e Irmã Maria do Rosário Leite Cintra, da Congregação das Irmãs Salesianas de Dom Bosco, que embora com a saúde debilitada, ainda acompanha os trabalhos do Projeto Indica.

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“A primeira sala, a primeira cadeira que chegou aqui, foi por iniciativa de Dom Paulo Evaristo Arns” (1921-2016), disse Sueli, na sala que fica no 8º andar do prédio no número 184, na Praça da Sé. Aos 60 anos, 30 deles dedicados à Pastoral, a paulistana é casada e tem três filhos e um neto: Jander, 42; Daiane, 36; e Wagner, 22, neto: Raul, 11. Ela presenciou inúmeros casos de violência com crianças e adolescentes, ao mesmo tempo que viveu e ainda vive histórias bonitas que a revigoram a cada dia

Por duas vezes, Sueli chegou a ser presa durante abordagens de policiais nas ruas do centro. “O policial que não sabia sobre a nossa atuação, me levava para a delegacia e, ao chegar lá, o delegado que conhecia o trabalho da Pastoral, me liberava”, disse a atual Coordenadora da Pastoral, que se formou em Assistência Social e Direito para melhor exercer sua missão junto às crianças e adolescentes e também foi Conselheira e Vice-Presidente  num mandato de três anos no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).

 

O SÃO PAULO – COMO ERA O TRABALHO NA PASTORAL DO MENOR NAS DÉCADAS DE 1980 E 1990?

Sueli Camargo – Tínhamos plantões de atendimentos às crianças e adolescentes nas ruas, que, naquela época, estavam em maior quantidade do que hoje. Nós, da Pastoral, passamos pelos períodos de usos de drogas como o esmalte e o thinner, até chegar ao crack. Vimos o quanto essa realidade foi se tornando cada vez mais complexa e presente, principalmente, no centro de São Paulo. Eu estava começando a participar da Pastoral, mas uma equipe de pessoas já trabalhava há muitos anos e participou ativamente na construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que foi aprovado por unanimidade em 1990. 

 

COMO PODEMOS ENTENDER MELHOR A ATUAÇÃO DA PASTORAL?

A evangelização perpassa todos os eixos de trabalho da Pastoral e temos, na Arquidiocese, dois momentos litúrgicos fortes, em que são envolvidas cerca de 4 mil crianças e adolescentes de todas as regiões episcopais. São eles a “Via-sacra da criança e do adolescente” e o “Natal dos Sonhos”. Além disso, podemos dividir o trabalho em quatro grandes áreas. 

• Criança e adolescente em situação de risco

Abrigos, centros educacionais e comunitários, crianças e adolescentes em situação de rua, crianças e adolescentes vítimas de violência familiar e abandono; 

• Família

A família é também o foco de todos os projetos. O principal objetivo é a busca de uma estrutura, a reestruturação dos vínculos familiares quando estes estão fragilizados e o acompanhamento das famílias em todos os níveis da vida humana no que toca ao cuidado com as crianças e adolescentes, desde a concepção; 

• Políticas Públicas

É a participação ativa nos Conselhos Tutelares e Municipal, fóruns, diálogo com o Poder Público municipal e estadual na proposição de políticas públicas de atendimento a criança e ao adolescente; 

• Adolescente autor de ato infracional

Atendimento direto ao adolescente que cumpre medida socioeducativa em meio aberto: liberdade assistida; prestação de serviços comunitários e a obrigação de reparar o dano são realizados em projetos da Pastoral do Menor. Quanto ao adolescente que comete ato infracional e recebe a medida de privação de liberdade em São Paulo a Pastoral do Menor, nas unidades da Fundação Casa, atua em dois tipos de serviços: na defesa dos direitos humanos e com o do Projeto intitulado: “Evangelizando a Casa” com ações de evangelização e a presença da Igreja nas unidades.

 

E SOBRE OS PROJETOS PARA O FUTURO?

Queremos, na cidade de São Paulo, chegar com o “Evangelizando a Casa” em todas as unidades da Fundação Casa. Atualmente, das 145 unidades do Estado de São Paulo, a Pastoral está em 54; já na Arquidiocese de São Paulo, das 27 unidades, 17 são atendidas por mais de 300 evangelizadores, que são, em sua maioria, membros de novas comunidades. O projeto é chegar a todas as unidades até o fim de 2018. Mas, para que isso aconteça é necessária uma formação prévia para os evangelizadores e também uma formação continuada, além de toda a questão burocrática e de documentação. 

Outra proposta seria um Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) em nível arquidiocesano. O Cedeca é um centro para atendimento estruturado em nível jurídico, psicológico e social de crianças, adolescentes e suas famílias.

 

COM CERTEZA, FORAM MUITOS OS CASOS QUE MARCARAM SUA HISTÓRIA NA PASTORAL. VOCÊ PODERIA RECORDAR ALGUNS?

Os casos de violência são momentos extremos para nós. Eles marcam porque mostram o quanto a Pastoral ainda é necessária e o quanto a presença da Igreja é essencial para que esses casos deixem de acontecer e as crianças e adolescentes sejam, de fato, respeitados e acolhidos como ‘o próprio Cristo no meio de nós’. 

Um que marcou muito a minha história foi o do bebê Indiara [Indiara Felix Santos Afonso], que morreu nos braços da mãe na Praça da República, em 1990. Descobrimos que atendemos a avó do bebê Indiara, que estava morando na rua e nós conseguimos uma casa para ela e também prestamos auxílio à mãe do bebê. Indiara, com pouco mais de um mês de vida estava com a avó materna, mas o fato foi que a mãe, numa noite em que estava sob o efeito de drogas, pegou o bebê sem autorização da avó e o levou para a rua. Era uma noite muito fria e por isso, a recém-nascida morreu. Quando fomos ao local para acompanhar a perícia e ajudar na identificação do corpo e também no enterro, nos demos conta que as três gerações daquela família haviam recebido atendimento da Igreja. O caso é emblemático pois, muitas vezes, você não tem só uma criança em situação de risco, mas uma família inteira que precisa ser ajudada.

Outro caso foi o de um reconhecimento de corpo que nos chamaram para fazer no Instituto Médico Legal. Na época, fazíamos oficinas e encontros na rua e, naquela semana, junto com as crianças, confeccionávamos pulseiras no tear. Eu reconheci o corpo de um dos meninos, que teve o rosto esmagado por um paralelepípedo, devido a pulseira de tear que ele estava usando. 

Um caso mais recente foi o do menino Ezra [Ezra Liam Joshua Finck, que morreu depois de ser ferido na região da virilha, em setembro de 2015]. A família era estrangeira e morava na região central da cidade. O menino já tinha sido abrigado por denúncias de maus tratos, mas voltou para a família, depois de uma intervenção da assistência social. Nesse caso, a mãe e o padrasto acabaram matando o menino, com argumento de que eles exageraram no castigo. A família deixou o corpo num freezer, antes de fugir. A pedido do Cardeal Odilo Pedro Scherer, nós acompanhamos o caso para que o menino tivesse um sepultamento digno. Tivemos um tratamento direto com o consulado, porque precisamos da liberação do corpo. Com ajuda de pessoas que também atuam na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, como Antonio Carlos Malheiros [Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e professor de Direitos Humanos], nós conseguimos que o menino, de 7 anos, não fosse enterrado como indigente. 

Por outro lado, tem histórias lindas e que nos enchem de esperança como a da Maria de Jesus (nome fictício), que viveu nas ruas do centro da cidade, fez uso de drogas, mas no período foi acolhida pela Pastoral e conseguiu formar-se na PUC-SP, em Pedagogia, para ajudar outras crianças e adolescentes, trabalho que realiza hoje.

 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
 

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