É possível conter a disseminação do novo coronavírus nas prisões?

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09 de abril de 2020

Com uma população prisional superior a 812 mil presos, conforme os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem prisões com 76% a mais de presos que as 416 mil vagas disponíveis. Tal cenário é um complicador para que haja um efetivo isolamento social nos cárceres, uma das recomendações das autoridades de saúde para evitar a proliferação do novo coronavírus.

Em coletiva de imprensa no fim do mês de março, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou que não teme pela proliferação do novo coronavírus nas prisões brasileiras. Ele citou os exemplos da China e da Itália: no país asiático, foram 800 detentos infectados entre os 1,7 milhão de presos e na nação europeia, dez presos entre os 60 mil encarcerados no país.

“Há um ambiente de relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus, pela própria condição do preso de estar isolado da sociedade”, afirmou Moro.

É hora de desencarceramento?

Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do mês de março, recomenda que juízes adotem medidas para transferir detentos do regime semi-aberto ou fechado para o regime domiciliar, especialmente as gestantes, lactantes, idosos, presos que integrem grupos de risco para o novo coronavírus e presos provisórios encarcerados há mais de 90 dias.

No Estado de São Paulo, entre 20 de março e 1o de abril, a Justiça concedeu alvarás de soltura a 1.578 presos, como medida preventiva ao contágio do novo coronavírus.

Moro diz não ser contra às solturas pontuais, em especial dos que estão no regime semi-aberto, desde que não representem riscos maiores à segurança pública: “O que tem que se tomar um certo cuidado é a soltura de presos que possam oferecer riscos à população, como, por exemplo, membros do crime organizado”.

Também para o especialista em Direito Penal, Leonardo Pantaleão, é preciso que cada caso seja analisado. “Uma liberdade indiscriminada, sem verificar as condições do individuo que está no sistema penitenciário vem enfrentando, parece-me um pouco de precipitação. O que tem que ser analisado é a situação que é apresentada perante o Poder Judiciário, para se comprovar uma potencialidade de risco acima do normal no que se refere a esse possível contágio com o novo coronavírus”, afirmou ao O SÃO PAULO.

O jurista afirmou, ainda, que compete ao Estado mensurar os riscos do bem individual e do bem comum, “atentando-se para as pessoas que fazem parte de organizações criminosas, pois não se pode expor a sociedade nem a pessoa custodiada. Compete ao Estado estabelecer um mecanismo que resguarde os dois lados e encontre uma solução intermediária”.

A Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Silvia Pfaller, considera que a medida mais eficaz para evitar a disseminação do novo coronavírus nas prisões é desencarcerar as pessoas mais vulneráveis e os presos provisórios, aqueles que ainda não têm a condenação definitiva da Justiça e hoje são cerca de 40% da população carcerária do País.

“Há muita gente entre os presos provisórios que não representa um perigo eminente para a sociedade, ou seja, poderiam ser liberados, mas temos percebido um recuo do Poder Judiciário. São presos que não cometeram delitos de lesão corporal. Um exemplo são as mulheres presas: cerca de 80% delas estão encarceradas por tráfico, na maioria das vezes como mulas [pessoa que transporta a droga em seu corpo], não são traficantes”, pontuou.

Restrições de entrada nas prisões

Desde o mês passado, inúmeras medidas de âmbito federal e estadual estão sendo adotadas para evitar que o novo coronavírus atinja a população carcerária, entre as quais a restrição de visitas de familiares e advogados às unidades prisionais, redução ou paralisação de atividades educacionais e de trabalho, bem como das atividades presenciais de assistência religiosa.

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) determinou a restrição de entrada de qualquer pessoa que não seja do corpo de funcionários das prisões e impõe quarentena sanitária aos presos que ingressam no sistema prisional.

“Suspender as visitas é uma medida que protege a população carcerária, porque quando você permite nas prisões a circulação de pessoas que são de fora daquele núcleo, há maior possibilidade de contaminação”, observa Pantaleão.

Sobre a quarentena preventiva, o advogado a avalia como positiva, pois já existem alas destinadas para a adaptação dos que ingressam em uma unidade prisional, o chamado setor de inclusão. “Talvez exista alguma dificuldade se houver um acúmulo momentâneo de pessoas apresentado os sintomas da doença e cheguem simultaneamente às prisões”, pondera.

Higienização

A SAP diz ter intensificado os procedimentos de limpeza dos ambientes das prisões paulistas, bem como a “ampliação na distribuição de produtos de higiene, álcool em gel e sabonete; distribuição de EPIs como máscaras; horários alternados no refeitório e filas com distância de 1,5 metro”.

Irmã Petra questiona a eficácia dessas medidas, também anunciadas em outros estados. “Em celas superlotadas, como é possível se fazer uma higienização diária? Muitas das prisões no Brasil não têm banheiro e o esgoto corre a céu aberto. Não há ventilação nas celas, não há máscaras disponíveis, nem água para lavar as mãos, fazer necessidades ou tomar banho”, assegura.

Envio de itens aos presos

Em São Paulo, assim como em outros estados, está proibida a entrega presencial de itens aos encarcerados, o chamado “jumbo”. Agora, esse recebimento só acontece por correspondência.

“Como alternativa, o familiar pode transferir recursos para a conta pecúlio do preso. O pecúlio é uma conta corrente em que é depositada a remuneração que o preso faz jus ao trabalhar durante o cumprimento de pena, como determina a legislação. Por meio do pecúlio, a unidade pode adquirir itens extras que serão entregues diretamente ao custodiado”, informa a SAP, detalhando que a encomenda recebida somente é aberta “após prazo seguro e com a utilização de máscaras e luvas pelos servidores, para não ocorrer qualquer risco de contaminação relacionado à COVID –19”.

A Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária avalia como positivo que ainda esteja sendo permitida a entrada do “jumbo” e de alguns materiais nas prisões, mas aponta para dificuldades práticas que algumas famílias têm encontrado. “Em São Paulo, foi liberado o ‘jumbo’ via sedex, mas temos recebido reclamações de familiares de que os Correios não aceitam produtos líquidos, ou seja, remédios, álcool e sabonete líquido. É preciso que se assegure aos presos o direto de receber alimentos, remédios e máscaras também”, observou, assegurando, ainda que em alguns estados até a correspondência por carta tem sido dificultada.

Ainda de acordo com Irmã Petra, em diferentes partes do Brasil, integrantes da Pastoral Carcerária, por ora impedidos de realizar as visitas aos cárceres, seguem prestando auxílio humanitário aos encarcerados: “Muitos na Pastoral Carcerária têm arrecadado material de higiene e de limpeza, levando-os na porta dos presídios e pedindo aos diretores e assistentes sociais para distribuir nos presídios. Fazendo, portanto, a pastoral extra muros”.

E se o preso estiver com a COVID-19?

Em todo o Brasil, por determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, os detentos suspeitos ou confirmados com o novo coronavírus devem ser mantidos em isolamento.  “Os espaços usados pelo detento que estiver isolado devem ser ventilados e prever meios de higienização das mãos, com água corrente e sabão”, consta em um portaria do Ministério. Caso o presídio não tenha condições de fazer o isolamento, devem ser usados marcadores que definam um espaço de dois metros de distância do infectado em relação aos demais presos.

Em São Paulo, a SAP assegura que tem realizado a busca ativa de presos com sintomas da COVID-19, que faz o monitoramento dos grupos de risco para a doença e que já adquiriu termômetros infra vermelho e de oxímetro digital portátil, a fim de medir a temperatura dos que apresentem os sintomas.

“Pessoas presas que já apresentam os sintomas da COVID-19, obviamente, precisam ser afastadas da convivência com os demais detentos pra evitar essa disseminação, devem ter um tratamento de saúde adequado, que preserve sua dignidade humana. Em um pior cenário, caso haja o agravamento de sua situação, o Estado deve fornecer a elas os tratamentos hospitalares necessários junto aos hospitais penitenciários ou em outros hospitais públicos se for preciso”, observa Leonardo Pantaleão.

Para Irmã Petra, há dificuldade em transformar a orientação em prática efetiva. “Eu que conheço bastante os presídios, não sei onde poderia ocorrer esse isolamento, pois não existem vagas, alas livres. Por isso, entendemos, enquanto Pastoral Carcerária, que a solução é mandar essa pessoa para casa, colocá-la em regime domiciliar na quarentena ou na internação em hospital, conforme a gravidade. É a única maneira de evitar o pior dentro do cárcere”, opina.

A Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária também assegura que já houve mortes nas prisões brasileiras de pessoas com todos os sintomas do novo coronavírus, mas que foram notificadas como óbitos por causas naturais. “Infelizmente, os governos não são transparentes e não repassam todas as informações. Acreditamos que já existam muitos infectados, inclusive agentes penitenciários, que sempre correm grande risco”, concluiu. A Pastoral tem feito o monitoramento dos casos da doença nas prisões em todo o Brasil. 

 

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Crescimento da dengue em São Paulo deixa a saúde pública em alerta

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11 de fevereiro de 2020

A cidade de São Paulo registrou um aumento de mais de 2.000% no número de casos de dengue em apenas um ano, de acordo com o levantamento divulgado no mês de janeiro pela Secretaria Municipal de Saúde. Nesta entrevista, o professor Carlos Magno Fortaleza, infectologista da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Botucatu (SP), explica o significado do crescimento do contágio da doença e esclarece como identificá-la e preveni-la. 

O SÃO PAULOCOMO O SENHOR ANALISA ESTES NÚMEROS TÃO EXPRESSIVOS? 
Carlos Magno Fortaleza – Para entendermos o que aconteceu com a dengue, é preciso uma série temporal maior, ou seja, verificar o que ocorreu em vários anos anteriores. O que houve é que, por volta do período entre 2007 e 2015, tivemos a circulação do vírus da dengue do tipo 1. Ocorre que, com o tempo, boa parte da população de São Paulo ficou imunizada contra esse tipo de vírus. Portanto, os anos de 2017 e 2018 foram bastante tranquilos. Em 2019, tivemos a entrada do vírus do tipo 2, que circulou com muito mais força, de modo que, neste verão 2019-2020, é esperado que tenhamos mais casos do que no verão 2017-2018. 

O SENHOR PODE DETALHAR QUAIS SÃO OS TIPOS DE DENGUE? 
Temos quatro tipos de vírus de dengue circulante. Todas as pessoas podem ter cada um deles uma vez, o que significa que podem adquirir a doença mais de uma vez. Quando alguém já teve dengue no passado e contrai um novo tipo, tende a apresentar um quadro mais grave. Por isso, este ano, são esperados mais casos que requeiram hospitalização. Há necessidade de um cuidado maior, já que estamos falando da dengue do tipo 2 circulando em uma população altamente exposta a outros tipos da doença, como foi com os tipos 3 e 1 nas décadas passadas. 

ISSO PODE OCASIONAR UMA EPIDEMIA MAIS GRAVE? 
Certamente. São Paulo é uma cidade à qual a dengue chegou muito recentemente. Se compararmos a capital com o oeste do estado, com a região litorânea ou mesmo com a Grande Campinas, por exemplo, perceberemos que a dengue só começou a afetar fortemente São Paulo nos últimos cinco anos. Tivemos enormes epidemias com a dengue do tipo 1 e, se essas pessoas forem infectadas com o vírus do tipo 2, poderão apresentar quadros mais graves. Portanto, de fato, é uma situação para deixar a saúde pública em alerta. 

COMO REALIZAR O CONTROLE URBANO DA DOENÇA? 
Esse é um enorme desafio. Eu estive à frente do controle de dengue no estado de São Paulo, de 2005 a 2007, e percebemos que, além da ação do poder público, enviando agentes de controle de vetores, há necessidade de que cada cidadão se conscientize e elimine os criadouros dos mosquitos transmissores da doença. Há, ainda, a necessidade de que continuemos a realizar pesquisas para identificar uma vacina eficaz contra o vírus da dengue. Já existe uma disponível, mas ela tem alguns problemas relacionados à segurança. Também há medidas de controle ecológico. Por exemplo, foi identificada recentemente uma bactéria que infecta o mosquito transmissor; ou o uso de mosquitos transgênicos que se acasalam com as fêmeas e produzem ovos inférteis. São ações que ainda são muito complexas, mas que apontam no futuro para um controle mais ecológico da dengue, que nos deixa com alguma esperança. É muito difícil em uma cidade tão caoticamente urbanizada como São Paulo eliminar todos os criadouros do mosquito da dengue. Se cada pessoa, na sua residência, no entanto, fizer a sua parte, certamente a transmissão da dengue será menor. 

COMO FUNCIONA E QUAL É A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SOLTAR MOSQUITOS COM ESSA BACTÉRIA QUE INFECTA OS DEMAIS? 
A efetividade real ainda precisa ser comprovada, já que todos os testes foram feitos em locais específicos, em situações muito controladas. Essa bactéria se chama Wolbachia, não causa dano algum ao ser humano, infecta o mosquito e pode ser transmitida para suas crias, de modo que já nascem infectados. Sabe-se que os mosquitos infectados por essa bactéria têm dificuldade para transmitir os vírus da dengue, zika e chikungunya. Portanto, a liberação na natureza de mosquitos infectados por essa bactéria é uma das soluções possíveis para a redução, no futuro, não só da dengue como das outras doenças transmitidas pelo mosquito 
Aedes aegypti. 

POR QUE A TRANSMISSÃO DO VÍRUS DA DENGUE É MAIOR DO QUE AS OUTRAS CHAMADAS ARBOVIROSES (ZIKA, CHIKUNGUNYA E FEBRE AMARELA)? 
Temos duas razões para isso. A primeira é que existem quatro tipos de vírus da dengue e desses outros citados só existe um tipo de cada; logo, as pessoas os contraem apenas uma vez. A outra razão tem a ver com competência vetorial. Especificamente, é bastante claro: o mosquito é um transmissor muito mais competente da dengue do que da febre amarela, o que é muito bom, porque não temos tido casos urbanos de febre amarela transmitidos pelo Aedes aegypti identificados no Brasil. Os casos que temos são silvestres, transmitidos por outros mosquitos. Quanto ao zika e o chikungunya, são necessários novos estudos, mas, aparentemente, também a competência do mosquito na transmissão da dengue pode ser maior. 

MUITAS PESSOAS DEMORAM PARA IDENTIFICAR OS SINTOMAS DA DENGUE POR SE ASSEMELHAREM A UMA GRIPE. QUAIS SERIAM OS SINAIS MAIS PRÓPRIOS DESSA DOENÇA? 
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a dengue não costuma apresentar sintomas respiratórios. Ao contrário de doenças como sarampo, ela não deixa a pessoa com o nariz congestionado, com tosse etc. A dengue é principalmente caracterizada por dor no corpo, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, seguidas do aparecimento de manchas no corpo após alguns dias. Os quadros mais graves são aqueles em que a pessoa tem uma queda súbita da pressão arterial. Geralmente, os vasos sanguíneos se tornam mais 
permeáveis, e a parte líquida do sangue extravasa para os tecidos. Por isso, a pressão cai e o corpo não consegue levar o sangue, o oxigênio, tudo o que é necessário para os órgãos vitais. Esse quadro pode se agravar e levar até a morte. Então, por isso, o tratamento da dengue está baseado em identificar os “sinais de alarme” que indicam que a pessoa vai evoluir para essa gravidade, que são: quando a pessoa está com alteração mental, muito sonolenta, em coma, e apresenta convulsão; tem vômitos que não param; a pressão muito baixa ou, de repente, quando muda de um quadro de febre para uma hipotermia. Todos esses sinais alertam o médico de que o infectado pode evoluir para o que chamamos de síndrome do choque da dengue – choque em termos médicos significa pressão muito baixa a ponto de comprometer a vida. Nesses casos, é necessária internação, muitas vezes, em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

QUAIS SÃO AS AÇÕES E AGENTES FUNDAMENTAIS PARA O CONTROLE DA DENGUE NA CIDADE? 
Em primeiro lugar, cada pessoa tem que ter a consciência de eliminar todos os criadouros de dengue da sua residência. Em segundo lugar, os agentes de controle de vetores são pessoas com formação para identificar criadouros onde, muitas vezes, o morador não consegue. Terceiro, o uso de repelentes pode ser um fator benéfico, embora seja apenas de proteção individual. E o quarto é que a ação deve ser comunitária. É importante voltar a ter aquele contato com a vizinhança para que todas as pessoas façam ações em conjunto. Não adianta eu tirar o criadouro da minha casa e meu vizinho não. O mosquito da dengue costuma ter em sua vida um raio de atividade de no máximo 200m a partir de onde ele nasceu. Se conseguirmos fazer um controle focal, certamente reduziremos muito o número de casos, de casos graves, internações e até de morte por dengue.

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