Projeto ‘Anjos do Esporte’ transforma vida de crianças e jovens carentes

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03 de setembro de 2018

Tudo começou aos oito anos de idade, quando André Brazolin, por influência da família, passou a acompanhar os treinos de basquete do seu irmão mais velho Carlos Brazolin, no Clube Pinheiros. O pequeno André, que jogava futebol, decidiu conhecer melhor o basquete e começou a treinar nas equipes de base do Pinheiros. Ele só não imaginava que essa jornada duraria 40 anos, sendo 20 desses como atleta profissional, e que seu sonho de ajudar as pessoas o deixaria ainda mais próximo do esporte que transformou a sua vida.

EDUCAR E EVANGELIZAR

Aos 38 anos, André Brazolin encerrou sua carreira como jogador de basquete, após iniciá-la no Clube Pinheiros, passar pela base da seleção brasileira e por clubes como o Continental, Limeira, Franca, Corinthians e o Flamengo, onde teve a oportunidade de ser campeão carioca com Oscar Schmidt, seu grande ídolo. 

Sua relação com o esporte não acabou com o fim da carreira, pois o atleta tinha um sonho: ‘educar e evangelizar o ser humano por meio do esporte’: “Fiz uma promessa para minha falecida avó, disse a ela que eu iria ajudar as pessoas através do basquete e do futebol”, contou André Brazolin em entrevista ao O SÃO PAULO.

Em 2010, o ex-jogador criou o Instituto Brazolin, que teve início no Sul de Minas Gerais, na cidade de São Lourenço, e atualmente leva esporte para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em vários núcleos no Estado de São Paulo. O Anjos do Esporte utiliza uma metodologia que tem o esporte como ferramenta de transformação social e pessoal. 

Em 2010, o ex-jogador criou o Instituto Brazolin, que teve início no Sul de Minas Gerais, na cidade de São Lourenço, e atualmente leva esporte para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em vários núcleos no Estado de São Paulo. O Anjos do Esporte utiliza uma metodologia que tem o esporte como ferramenta de transformação social e pessoal. 

“Nós fazemos um trabalho muito forte de combate às drogas através do esporte. Se o jovem falar que não virou jogador ou atleta profissional, não tem problema. Porque nesses três ou quatro anos que nós estamos com ele, nós estamos falando para ele que o importante não é virar profissional, mas sim usar o esporte como ferramenta contra coisas ruins”, reiterou o ex-jogador. 

TRANSFORMANDO VIDAS

O instituo possui núcleos em Araçariguama e Itapecerica da Serra, Santo Amaro e em São Bernardo do Campo, na região do grande ABC, onde centenas de crianças são atendidas com o apoio da Prefeitura local e da Secretária do Esporte. Ao todo, o projeto atende cerca de mil crianças, de 8 a 17 anos e, segundo André, o objetivo é acolher 5 mil crianças até 2020. 

Todas as ações são mantidas através de doações e parcerias com as prefeituras e empresas da iniciativa privada e conta com uma equipe de 25 colaboradores, entre eles voluntários, administradores, professores e técnicos de basquete. 

“Nós usamos o basquete e o futebol como ferramentas, mas enquanto isso nós estamos trabalhando a cabeça do jovem para ele não entrar para vida errada”, recordou André.

Na cidade de São Paulo, os trabalhos tiveram início há três anos nas comunidades de Paraisópolis e Heliópolis e na Cracolândia, região central da cidade, local com muitos dependentes químicos que se encontram em situação de rua. Um trabalho de reinserção na sociedade também é realizado com meninos e meninas internos da Fundação Casa. 

“Quando ando na Cracolândia e chego batendo bola no meio do fluxo de drogas, e os caras largam o craque e vem jogar bola comigo, isso muda sua maneira de enxergar a vida.”, disse Brazolin, emocionado.

ANJO DO ESPORTE 

Muitos conhecem André como o “anjo do esporte” em suas visitas a abrigos, clínicas de dependentes químicos, orfanatos, presídios, centros de refugiados e comunidades carentes atendidas pelo projeto. Apesar de não se achar merecedor do apelido, o atleta disse sempre se emocionar, pois o considera uma grande responsabilidade. 

Os treinos acontecem no contraturno escolar e desenvolvem agilidade motora, espírito de equipe, fair play, respeito ao próximo e disciplina. Além disso, os jovens participam de campeonatos, em que aprendem lições nas vitórias e derrotas. Muitos se destacam e acabam observados por equipes profissionais do Brasil e do exterior.


 

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Sempre há tempo para a compaixão

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31 de agosto de 2018

Antônio Carlos Malheiros é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP); Pró-reitor de Cultura e Relações Comunitárias da PUC-SP, onde também é professor; conferencista da Polícia Militar do Estado de São Paulo e da Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB -SP). Foi Coordenador da Infância e Juventude no TJ-SP e Presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Mas de todas essas funções, o que mais se destaca é o fato de boa parte de sua vida ter sido dedicada ao trabalho voluntário. Como ele mesmo se definiu, é “eclético” no voluntariado. Já atuou em favelas, ruas, hospitais, sobretudo com crianças e adolescentes. Há mais de 20 anos, troca a toga e a seriedade dos tribunais pelo nariz de palhaço para contar histórias a crianças portadoras de HIV. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Malheiros assegurou que a motivação para esses inúmeros trabalhos é fruto da “graça de Deus” que nasce do contato com aqueles que sofrem. Ele também compartilhou as experiencias inesquecíveis que mudaram sua vida nesses mais de 50 anos de voluntariado. Confira.

O SÃO PAULO – QUAL FOI A SUA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA COM O TRABALHO VOLUNTÁRIO?

Antonio Carlos Malheiros – Eu tive uma formação cristã católica muito forte na minha família. Logo quando eu cheguei ao Colégio São Luís, dos jesuítas, eu externei a vontade de me tornar um sacerdote na Companhia de Jesus. Por isso, fui morar no seminário menor, com o propósito de futuramente ingressar no noviciado jesuíta. 

Em 1963, eu tinha 13 anos e cursava a terceira série ginasial, quando conheci um professor de Geografia chamado Fauzi Saad, que nos propôs, como trabalho para substituir o exame do meio do ano, fazer visita a uma favela. Fui um dos poucos alunos que toparam fazer esse trabalho. O Professor me levou à Favela do Vergueiro, que era a maior da cidade de São Paulo na época. Entrei com papel e caneta para fazer anotações de tudo o que eu visse nessa comunidade e, depois, relatar para a classe o resultado. 

Ao entrar na favela, eu encontrei uma menina da minha idade, chamada Mônica, negra, extremamente magra, mal agasalhada, pés descalços e, o que mais me assustou, estava grávida, vítima de um abuso que sofreu. Ela me chamou para conhecer o barraco onde morava. Era um barraco caindo aos pedaços, chão de terra batida quase todo coberto por um colchão de casal, onde estava deitada sua mãe, de cerca de 40 anos e com câncer.  Além da mãe, moravam no barraco mais cinco irmãos mais velhos. Confesso que a partir desse dia nunca mais consegui sair da grande favela da vida. Eu não tinha a menor ideia da tragédia que muitas pessoas viviam na nossa cidade.

E A PARTIR DAÍ?

No restante do meu ginásio e do meu colegial, acompanhei o Padre Paulo Ruffier, jesuíta já falecido, que ia às ruas, principalmente nas noites mais frias, para levar café, lanches e cobertores para os moradores de rua. Terminado o colegial, eu acabei não indo para o noviciado da Companhia de Jesus e entrei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Logo, escolhi dez colegas de classe, moças e rapazes, e, durante 10 anos, fomos dar reforço escolar na Favela do Bororé [na zona Sul] para as crianças e adolescentes que trabalhavam num lixão da região, para quem também dávamos noções de cidadania. Há mais ou menos cinco anos, fui chamado para uma festa de Natal naquela comunidade. Aqueles meninos e meninas cresceram e se tornaram os líderes comunitários daquele local. Sem a ajuda de políticos, eles próprios passaram a exigir do poder público melhorias como creche, ambulatório médico, um ponto de ônibus na entrada da comunidade. As ruas internas estavam urbanizadas. Outra coisa que me chamou a atenção foi que os traficantes de drogas não dominavam a comunidade graças à organização dos moradores que os impediu de se fixarem lá.

E COMO FOI O TRABALHO COM PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA?

Trabalhei muitos anos nas ruas, várias vezes por semana, com os Irmãos da Caridade, ramo masculino da congregação fundada por Santa Teresa de Calcutá. Era um trabalho muito interessante. Tentávamos reintegrar os meninos e meninas que viviam nas ruas às suas famílias. Eu era da equipe que ia às ruas, e havia outra que ia às favelas e cortiços tentar encontrar as famílias. Era extremamente difícil, porque as famílias, muitas vezes, não queriam essas crianças de volta. 

DESSES MENORES DAS RUAS, ALGUM MARCOU MAIS?

Uma das melhores pessoas que conheço eu descobri nas ruas, na década de 1970. Era um “meninão” de 15 anos, filho de um engenheiro e de uma professora. Ele era viciado em cocaína, uma droga que ainda não estava nas ruas naquela época. Eu comecei a prestar a atenção nesse menino. Passados vários meses, eu fiz um arriscado convite para ele trabalhar como office-boy no meu escritório de advocacia. Ele aceitou, voltou a estudar, voltou para a casa dos pais, fez um tratamento no Hospital das Clínicas, tornou-se um ótimo funcionário e recaiu. Fui novamente buscá-lo nas ruas, fez o caminho de volta várias vezes. Na oitava vez que fui buscá-lo nas ruas, eu disse a ele: “Não aguento mais você. Mas, convivendo contigo durante todo esse tempo, passei a te amar como um filho... E de filho nós não desistimos. Vamos embora de novo”. Dessa vez, ele saiu e não voltou para as ruas. Hoje ele é um professor da Fundação Getúlio Vargas. É um excepcional administrador hospitalar. Desenvolveu em São Paulo, e hoje no Rio de Janeiro, um trabalho maravilhoso com crianças e adolescentes com dependência química. 

E O VOLUNTARIADO COM PESSOAS COM HIV?

Em 1984, eu era diretor de uma editora, quando o nosso tesoureiro, grande e forte, morreu de pneumonia em duas semanas. Fui conversar com o médico para entender o que tinha acontecido, quando descobri que ele tinha Aids. Pedi mais informações sobre isso e o médico me levou para conhecer a Aids no Hospital Emílio Ribas, de onde eu nunca mais saí. Comecei a trabalhar com aqueles adultos, na época, quase todos homens, completamente sozinhos... Fiquei muito sensibilizado com aquilo. Como não dava para ter dois voluntariados, entrei na Pastoral da Saúde e trabalhei com os primeiros doentes de Aids até 1997, quando fui convidado para trabalhar com crianças com HIV. Assim, nasceu a Associação Viva e Deixe Viver, uma ONG de contadores de histórias e de palhaços em hospitais, hoje com mais de 1.500 voluntários espalhados em 97 hospitais de todo o País. Eu continuo indo todas às sextas-feiras, à tarde, para passar duas horas brincando com as crianças no Emílio Ribas. 

AGORA, COMO VOCÊ ENCONTRA TEMPO PARA TUDO ISSO?

Todas as vezes que eu paro para fazer contas, não bate. Então, essa pergunta eu não consigo responder. Eu vou fazendo. 

POR QUÊ?

Isso vem de dentro. É um impulso interior. Eu tenho certeza absoluta que esse impulso foi formado por toda a minha base cristã, começou com meus pais. Penso que a história da Mônica, naquela favela, me marcou profundamente. Percebo que minha vida é permeada por esse sentimento de compaixão, de misericórdia. Faz parte da minha vida. É evidente que isso é a graça de Deus. Não há dúvida nenhuma. Nem sempre faço bem feito. Há momentos em que fico cansado. Aí eu respiro fundo, rezo e volto a ter forças novamente para continuar.

QUE CONSELHO VOCÊ DÁ PARA QUEM TEM INTERESSE DE SER VOLUNTÁRIO EM ALGO?

Você pode ser voluntário em vários lugares. Mas precisa descobrir o local onde mais se identifica. Eu sou, modéstia à parte, um eclético em matéria de voluntariado. Porém nem todo mundo é. É preciso identificar a periferia existencial onde há pessoas que necessitam de compaixão. Estar atento a quem está próximo e necessita de ajuda. 

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