Motu próprio sobre a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis

Por
01 de abril de 2019

Na manhã de sexta-feira, 29, foi publicado o Motu Proprio do Papa Francisco sobre a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis. O texto tem como objetivo “reforçar ulteriormente o ordenamento institucional e normativo para prevenir e contrastar os abusos contra os menores e as pessoas vulneráveis” escreve o Papa, dentro da Cúria Romana e no Estado da Cidade do Vaticano.

Para isso, o Pontífice cita várias motivações para a tomada dessas medidas dentro da Cúria e da Cidade do Estado do Vaticano:

- “manter uma comunidade respeitosa e consciente dos direitos e das necessidades dos menores e das pessoas vulneráveis”, prevenindo todas as formas de violência ou abuso físico ou psíquico que possam acontecer tanto nas relações interpessoais como dentro das estruturas;

- “para que todos tenham a consciência do dever de assinalar os abusos às Autoridades competentes e cooperar nas atividades de prevenção e contraste”;

- “para que sejam aplicadas as normas de lei em todos os casos de abusos”;

- “a proteção e apoio em todas as fases dos procedimentos às vítimas e seus familiares;

 - “cuidado pastoral, apoio espiritual, médico, psicológico e legal às vítimas e seus familiares;

- para que “seja garantido ao acusado o direito de um processo equável e imparcial, respeitando a presunção de inocência”;

- “para que o condenado por abuso seja removido do seu encargo” e lhe seja oferecida uma adequada reabilitação psicológica e espiritual e reinserção social;

-“para que seja feito todo o possível para reabilitar a boa fama de um acusado injustamente”.

- e “seja oferecida uma formação adequada para a tutela dos menores e das pessoas vulneráveis”.

Depois de expor os pontos acima o Papa estabelece 6 novas normas que devem ser seguidas para a proteção dos menores e pessoas vulneráveis na Cúria Romana e no Estado da Cidade do Vaticano:

1.    Os órgãos judiciários do Estado da Cidade do Vaticano exercem jurisdição penal também para os crimes dos artigos 1 e 3 da lei N. CCXCVII de 26 de março de 2019 cometidos no exercício de suas funções pelos sujeitos referidos no ponto 3 do Motu Proprio de 11 de julho de 2013 sobre a “Jurisdição dos órgãos judiciários da Cidade do Vaticano em matéria penal”.

2.    Sem tocar no sigilo sacramental, os sujeitos citados no ponto 3 do Motu proprio de 11 de julho de 2013, são obrigados a apresentar a denúncia ao promotor de justiça junto ao Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano, todas as vezes que tenham notícia ou motivos fundamentados para considerar que um menor ou pessoa vulnerável seja vítima de um dos crimes do artigo 1 da lei N. CCXCVII se estes forem cometidos i) no território do Estado; ii) em prejuízo de cidadãos ou residentes no Estado; iii) no exercícios de suas funções pelos sujeitos do ponto 3 do Motu proprio de 11 de julho de 2013.

3.   Deve ser oferecida às pessoas ofendidas pelos crimes do artigo 1 da lei N. CCXCVII, assistência espiritual, médica e social assim como informações úteis de natureza legal, através do serviços de acompanhamento da Direção de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano.

4.    Serão organizados programas de formação para os funcionários da Cúria Romana e das Instituições ligadas à Santa Sé sobre os riscos em matéria de exploração, abuso sexual e maus-tratos de menores e pessoas vulneráveis; meios para identificar e prevenir tais ofensas e sobre a obrigação de denúncia.

5.   No processo de seleção de funcionários da Cúria Romana e Instituições assim como para os colaboradores voluntários deverá ser confirmada a idoneidade do candidato para interagir com menores e pessoas vulneráveis.

6.   Os Dicastérios da Cúria Romana e as Instituições que interagem com menores ou pessoas vulneráveis devem adotar, com a assistência do Serviço de acompanhamento, as boas praxes e diretrizes para a sua tutela.

Todas as disposições determinadas pelo Santo Padre no documento acima entram em vigor a partir do dia 1º de junho de 2019.

 

Diretrizes para a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis

 

O Vicariato da Cidade do Vaticano apresentou as Diretrizes para a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis. Formadas por seis tópicos divididos em vários pontos com todos os procedimentos necessários em casos de denúncia de exploração, abusos sexuais ou maus-tratos dentro do âmbito do Estado da Cidade do Vaticano.

Com a data de 26 de março de 2019, o Vicariato da Cidade do Vaticano apresentou as Diretrizes para a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis, com base no Quirógrafo de João Paulo II “Para a cura espiritual na Cidade do Vaticano” de 14 de janeiro de 1991; e em vista da lei n. 297 sobre “A proteção dos menores e das pessoas vulneráveis” de 26 de março de 2019 assim como pela particular natureza das atividades pastorais no Estado da Cidade do Vaticano e com o desejo de introduzir medidas específicas no âmbito do Vicariato da Cidade do Vaticano.  

As diretrizes são apresentadas inicialmente com uma Premissa, explicando que a salvaguarda dos menores e das pessoas vulneráveis é uma parte integrante da missão de Igreja.

Em seguida foram apresentados vários tópicos especificando a aplicação de todas as normas aplicadas para a defesa do menor e das pessoas vulneráveis.

O ponto “A” refere-se ao Âmbito da aplicação, ou seja a quem são dirigidas dentro do Vicariato do Vaticano: aos cônegos, coadjutores e clero da Basílica de São Pedro; aos párocos e coadjutores das paróquias de São Pedro e Santa Ana no Vaticano; aos capelães e assistentes espirituais com encargos no Vicariato Geral; aos sacerdotes, diáconos e educadores do Pré-seminário São Pio X; membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica com residência na Cidade do Vaticano; todos os que trabalham dentro da comunidade eclesial do Vicariato da Cidade do Vaticano.

O ponto “B” das diretrizes comunica que será nomeado pelo Vicariato um Referente para a tutela dos menores que coordenará e verificará a aplicação das presentes diretrizes e para que seja mantida uma comunidade respeitosa e consciente dos direitos e das necessidades dos menores, assim como preocupada em prevenir toda a forma de violência ou de abuso.

O ponto “C” refere-se aos agentes pastorais, especificando: 1) que na seleção dos agentes pastorais deve ser controlada, entre outras coisas, a idoneidade dos candidatos que devem interagir com os menores; 2) estes devem seguir programas de formação específicos sobre exploração, abuso sexual e maus-tratos de menores organizado pelo Departamento de Trabalho da Sé Apostólica em conjunto com o Serviço de acompanhamento; e 3) preparação dos colaboradores ocasionais que devem interagir com os menores.

No tópico “D” são abordadas as Atividades pastorais. Detalha-se sobre a tutela dos menores durante as atividades pastorais e o comportamento dos agentes que interagem com os mesmos. São quatro pontos, sendo que no primeiro (1) refere-se aos deveres dos agentes no que se refere aos respeito aos menores, atenção, não ficar a sós com uma criança, modelo de referência, assinalar comportamentos perigosos, comunicação das atividades aos pais, e prudência com o usos das redes sociais. O segundo (2) apresenta as proibições aos agentes: castigos corporais, relação preferencial, deixar o menor em situação de insegurança física ou psíquica, ofender, assumir comportamentos sexualmente alusivos, discriminações, pedir segredo a um menor, privilegiar um menor em relação aos outros, fotografar ou filmar sem permissão dos pais ou tutores, publicar imagens nas redes sociais sem permissão. O terceiro (3) alerta para que as atividades sejam feitas em locais onde os menores possam ser sempre vistos e controlados. O quarto (4) refere-se a detecção de atos de bulismo que deve ser imediatamente enfrentado com equilíbrio, prudência, informando pais ou tutores.

O ponto “E” refere-se ao consenso dos pais ou tutores, especificando que é indispensável para as atividades pastorais. Do mesmo modo os pais ou tutores devem receber informações completas sobre as atividades, e sempre com autorização por escrito para passeios, fotos, vídeos, e postagens nas redes sociais. Respeito pelas autorizações com informações delicadas.

Enfim o tópico “F” especifica como tratar as denúncias de pressupostos casos de exploração , de abusos sexuais ou maus-tratos dos menores. São 15 pontos detalhados que orientam o procedimento.

1.    O primeiro refere-se ao apoio a ser dado aos que afirmam ser vítimas de exploração, abuso ou maus-tratos. Seus direitos e a ajuda através do Referente para a Tutela.

2.    Sobre a assistência médica, social, terapêutica e psicológica de urgência a ser dada à vítima.

3.    Sem tocar o sigilo sacramental os agentes, colaboradores e voluntários que souberem de abusos devem informar o Vigário geral diretamente ou através do Referente.

4.    O autor da denúncia deve formalizar por escrito ao Vigário ou Referente e comunicar ao promotor de justiça do tribunal do Estado da Cidade do Vaticano.

5.    Caso o pressuposto autor dos fatos seja um clérigo ou membro de um Instituto de Vida Consagrada ou uma Sociedade de Vida Apostólica, o Vigário Geral deve logo comunicar a notícia ao Ordinário próprio ou ao Superior maior.

6.    Caso a denúncia seja evidente, o vigário comunica diretamente ao tribunal e afasta o pressuposto autor dos fatos das atividades pastorais do Vicariato.

7.    Caso a pessoa ofendida se oponha a formalizar a denúncia, o Vigário geral não transmitirá a notícia ao promotor de justiça, ao menos que o Referente considere necessária a denúncia para proteger a pessoa ofendida ou outros menores do perigo.

8.    Nos casos de sua competência e sem prejudicar as investigações realizadas na sede civil, o Vigário geral realiza pessoalmente ou através de um presbítero especializado na matéria processual e prudente no discernimento, a investigação prévia segundo o cânone 1717 do CDC. A investigação é conduzida em título prioritário.

9.    Segundo as circunstâncias, o Ordinário competente pode delegar a competência da investigação prévia ao Vigário geral.

10. Nos procedimentos devem ser recolhidos documentos, provas, testemunhas provenientes de vários âmbitos e ambientes do denunciado assim como toda as informações sobre as pessoas ofendidas e os danos causados.

11. No decorrer dos procedimentos deve-se dar atenção: em oito pontos, especifica-se toda a atenção que deve ser dirigida à pessoa ou pessoas envolvidas no caso desde a deposição imediata, acompanhamento aos setores responsáveis, esclarecimento dos seus direitos e possibilidades de provas, dar esclarecimentos sobre os passos dos procedimentos já efetuados, encorajar a pessoa, seu direito à assistência civil e canônica, preservar a pessoa ofendida e sua família de intimidações, tutelar o respeito pelos dados pessoais.

12. A presunção de inocência deve ser sempre garantida, tutelando a reputação do acusado. Exceto por graves razões o acusado deve ser logo informado das acusações que lhe dizem respeito. Também a ele serão oferecidas assistência espiritual e psicológica, assim como legal e canônica.

13. Quando necessário devem ser tomadas adequadas medidas cautelares.

14. Caso as investigações sejam confirmadas o Vigário geral submete a causa ao Dicastério competente. No caso contrário, o Vigário emite um decreto de arquivação motivado.

15. Qualquer um que seja declarado culpado por ter cometido um dos crimes referidos no artigo 1 da lei n. 297 sobre “A proteção dos menores e das pessoas vulneráveis” de 26 de março de 2019, será removido do seu cargo; porém será oferecido um apoio adequado para reabilitação psicológica e espiritual, assim como para a reinserção social.

 

LEIA TAMBÉM: Papa assina carta para os jovens: ‘Cristo vive’

Comente

Encontro no Vaticano reúne 190 participantes e propõe boas práticas para a proteção de menores na Igreja

Por
20 de fevereiro de 2019

Conhecer o drama das vítimas de abuso sexual, saber como reagir ao problema, alinhar protocolos e tomar medidas rápidas, com responsabilidade e transparência. São esses os objetivos do encontro intitulado “A proteção de menores da Igreja”, que será realizado no Vaticano esta semana, entre os dias 21 e 24, a pedido do Papa Francisco.

O evento, primeiro do tipo para discutir o problema dos abusos sexuais praticados por membros da Igreja, reúne 190 participantes, entre eles 114 presidentes de conferências episcopais, 12 religiosos e dez religiosas, todos focados em compartilhar experiências em prevenção e combate aos abusos de menores, e produzir material que poderá servir de base para a aplicação de medidas concretas nas realidades locais.

Na segunda-feira, 18, o Papa Francisco tuitou: “Convido-os a rezar nestes dias pelo encontro sobre a proteção de menores na Igreja, evento que quis realizar como ato de forte responsabilidade pastoral diante de um desafio urgente do nosso tempo”

 

EVOLUÇÃO DAS MEDIDAS

Já existe uma rede de estruturas na Igreja para responder ao problema, como a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, instituída pelo Papa Francisco em 2014, e o Centro de Proteção de Menores da Pontifícia Universidade Gregoriana, criado pelo Padre Jesuíta Hans Zollner, em 2012, com o aval do Papa Emérito Bento XVI, além de normas que se tornaram mais exigentes ao longo da última década.

Também as dioceses, seminários e instituições de educação já estão mais adaptadas, e os casos de abuso diminuíram drasticamente desde os anos 1980.

Entretanto, de acordo com o porta- -voz do Vaticano, Alessandro Gisotti, “o Papa Francisco sabe que um problema global só pode ser resolvido com uma resposta global”. Para o Papa, é necessário que todos os bispos tenham absolutamente claro o que é preciso fazer para prevenir e combater o “drama mundial” dos abusos de menores.

Francisco admite que o problema dos abusos não termina com este encontro e, por isso, pede que as expectativas sejam “desinfladas”, como disse na viagem de retorno do Panamá a Roma, em janeiro. Mas, ao mesmo tempo, ele demonstra que todo esforço possível deve ser feito, e de forma conjunta.

 

ATENÇÃO ÀS VITÍMAS

Em coletiva de imprensa realizada no Vaticano, os organizadores explicaram que esse histórico de medidas deve ser compartilhado e, portanto, este é de fato um encontro sem precedentes. O Cardeal Blase Cupich, Arcebispo de Chicago, nos Estados Unidos, e membro do comitê organizador, definiu o evento como um “momento de virada”.

“A pedido do Santo Padre, vamos nos concentrar no abuso de menores e as decisões que tomarmos aqui vão ajudar a reagir a outros tipos de abuso”, disse o Cardeal Cupich, na segunda-feira, 18. “Como preparação para o encontro, o Papa pediu aos bispos que visitassem vítimas, para que conhecessem o drama e o sofrimento que vivem. Isso manterá o nosso foco”, acrescentou.

O encontro segue uma estrutura parecida com a dos sínodos: há debate em assembleia, reuniões em grupos de trabalho e momentos de oração – neste caso, inclusive, uma liturgia penitencial, para pedir perdão a Deus pelos erros do passado. Algumas vítimas participam com testemunhos e nos pequenos grupos. O primeiro dia é dedicado ao tema da “responsabilidade”, o segundo à “prestação de contas” e o terceiro à “transparência”. O dia a dia dos eventos está no site.

 

LUGAR SEGURO PARA TODOS

Outro membro do comitê organizador, Dom Charles Scicluna, Arcebispo de Malta e Secretário-Adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), disse que é preciso que todos estejam conscientes da importância de prevenir e proteger. “Temos que voltar às nossas dioceses e comunidades sabendo como reagir. E precisamos rezar. Pedimos orações, pois precisamos de toda a ajuda possível”, afirmou.

Conforme definiu o porta-voz Gisotti, o Papa quer que esta seja “uma reunião de pastores, e não um congresso acadêmico. Um encontro de oração, discernimento, catequético e operativo”.

Buscando sinalizar uma política de “tolerância zero” ao problema, poucos dias antes do início do evento, no sábado, 16, a CDF comunicou a demissão do ex-cardeal americano Theodore McCarrick do estado clerical, considerando-o culpado por abuso sexual de menores e adultos e abuso de poder. O ex-arcebispo de Washington, de 88 anos, já estava proibido de exercer o ministério sacerdotal publicamente, vivendo em “reclusão e oração” a pedido do Papa. Agora, não pode mais se apresentar como sacerdote nem presidir a celebração dos sacramentos.

 

APLICAÇÃO NO BRASIL

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Cardeal Sergio da Rocha, participa das reuniões como representante brasileiro. Ele afirmou ao site da CNBB que hoje há “uma consciência maior a respeito da gravidade dos abusos de menores, especialmente quando cometidos por clérigos, assim como da necessidade de justiça e de assistência às vítimas”

Dom Sergio citou que a CNBB tem uma comissão para tratar do tema, com diretrizes precisas, e que a questão vem sendo discutida especialmente nos encontros de formadores.

 

 

LEIA TAMBÉM: Papa Francisco: "Na oração cristã não há espaço para o eu"

Comente

Encontro no Vaticano sobre abusos: esclarecer procedimentos, mudar atitudes

Por
28 de dezembro de 2018

"Em fevereiro próximo, a Igreja voltará a reiterar sua firme vontade de prosseguir no caminho da purificação dos abusos sexuais, irá se interrogar sobre como proteger as crianças, evitar tais infortúnios, tratar e reintegrar as vítimas".

Foi o que afirmou o Papa Francisco em 21 de dezembro em seu discurso à Cúria para as felicitações de Natal, apresentando o encontro sobre "A proteção dos menores na Igreja", programado para se realizar no Vaticano de 21 a 24 de fevereiro do próximo ano. O padre jesuíta Hans Zollner, referente do Comitê organizador do encontro, e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, assim comentou as palavras do Papa:

R. - O Santo Padre certamente ressaltou todos os aspectos que devem ser tratados neste encontro; no entanto, queremos ver também como podemos colocar na mesa a questão da responsabilidade dos bispos, a fim de ter maior clareza sobre quem deve fazer o quê e quem deve controlar se as coisas que o Santo Padre e a Igreja, os dicastérios ordenaram foram realmente feitas.

O Papa disse que a Igreja nunca tentará encobrir ou subestimar qualquer caso: também  este é um compromisso que requer procedimentos concretos ...

R. - Isso requer duas coisas: um esclarecimento dos procedimentos, que não estão tão claros, sobretudo quando falamos da corresponsabilidade de um bispo ou de um provincial ou do líder de uma Igreja Oriental em relação àquilo que  fazem outros bispos, outros provinciais e também outros superiores. E a segunda coisa: além dos procedimentos, devemos focar em uma mudança de atitude. As regras, as leis como tais, não mudam o coração: vemos isso não somente na Europa, mas em todo o mundo. E por isso devemos também ver como fortalecer em toda a Igreja essa atitude de abertura e atenção à proteção dos menores, porque essa é uma atitude que Jesus nos ensina.

Padre Zollner, quanto lhe tocou o fato de que no discurso de Natal à Cúria o Papa quis agradecer aos operadores da mídia que foram honestos e objetivos, e que tentaram desmascarar os chamados "lobos" e dar voz às vítimas?

R. - Certamente é algo muito significativo e foi percebido; mas também posso confirmar que a esmagadora maioria dos jornalistas com quem tenho trabalhado nos últimos 8-10 anos, tem sido realmente honestos: eles fazem o seu trabalho e, se algo está errado, eles devem chamar a atenção sobre essas coisas e assim realizar sua tarefa, seu trabalho quotidiano. Eu raramente encontrei pessoas que simplesmente queriam apenas destruir, procurar o escândalo onde não existia. Eles colocam em evidência o escândalo que foi produzido por um membro da Igreja, por um representante da Igreja, e portanto isto é algo que deve nos ajudar a ser honestos, a assumirmos nossa responsabilidade e tomar as decisões em decorrência disso.

Para concluir, padre Zollner: que frutos realmente se espera deste encontro de fevereiro?

R. - Um fruto que certamente desejo é que toda a Igreja, representada pelos presidentes das Conferências Episcopais, pelos líderes das Igrejas Orientais, pelos representantes das Ordens religiosas e das Congregações, tomem realmente consciência da urgência de colocar a proteção de menores e fazer justiça às vítimas como prioridades de todas as ações da Igreja: para o apostolado, para a missão, para a educação e por tudo o que diz respeito ao apostolado social e caritativo. Os mais vulneráveis, que são as crianças, devem estar no centro da nossa atenção e onde foi provocado um dano - às vezes irreparável - devemos fazer todo o possível para que essas pessoas recebam pelo menos o apoio que lhes é devido.

No caderno número 4044 da revista “La Civiltà Cattolica”, publicado neste mês, foi assinado um artigo pelo padre jesuíta Federico Lombardi, presidente da Fundação Ratzinger-Bento XVI e ex-diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, dedicado ao encontro de fevereiro no Vaticano sobre a proteção de menores. Padre Lombardi assim comenta a escolha feita pelo Papa Francisco de dedicar seu discurso à Cúria para saudações de Natal ao tema dos abusos.

R. - Este ano o Papa, evidentemente, dado que estamos a apenas dois meses deste importante encontro que ele convocou com todos os presidentes das Conferências Episcopais para tratar da questão da proteção de menores, olhe em frente, e é preciso se preparar gradualmente para este encontro, ao seu espírito, às suas finalidades.

Um acontecimento, padre Lombardi, que deve ser colocado em um contexto histórico, feito de abuso, mas também de passos importantes da Igreja para combatê-los ...

R. - Há uma grande expectativa para este evento no final de fevereiro. Ao mesmo tempo, é preciso colocá-lo bem no desenvolvimento do tema e na maneira como a Igreja o enfrentou, o enfrenta e é desafiada a enfrentá-lo. Não é algo que começou hoje ou ontem, mas já há algumas décadas, e já existe toda uma história de crises muito sérias, de momentos de crise da Igreja em diferentes países do mundo: nos Estados Unidos, na Alemanha, na Austrália, mais recentemente no Chile e em outros países. Mas há também todo um percurso feito ao se enfrentar essas crises. Tivemos os episcopados de tantos países que tomaram iniciativas importantes, procuraram realmente entender o que aconteceu e como aproximar-se dos problemas das vítimas, como estabelecer uma cultura de prevenção. E também a Igreja em nível universal, em particular o Papa Bento XVI, renovou as normas canônicas referentes a toda a dimensão penal em relação aos crimes, entre os quais do abusos sexuais contra menores, um dos crimes mais graves. Depois, houve as cartas da Congregação para a Doutrina da Fé que convidaram os episcopados a formular diretrizes sobre como tratar esta temática nas Igrejas que deles dependem; e assim por diante. Assim, portanto, devemos entender que o problema é um problema gravíssimo, muito importante para a sociedade e para a Igreja: que há uma verdadeira renovação a ser feita na Igreja, que há também um longo caminho a percorrer; ao mesmo tempo, não partimos do ponto zero.

Portanto, há partes da Igreja universal que já lidaram com o problema do combate ao abuso e da prevenção, mas outras partes que estão por outro lado um pouco atrasadas...

R. - É por isso que o Papa Francisco percebe a globalidade do problema e convida todos os presidentes das Conferências Episcopais, isto é, os representantes de todo o episcopado do mundo, de tal maneira que a Igreja, juntos, como povo de Deus a caminho, com todos os seus componentes não só de hierarquia - naturalmente que antes de tudo da hierarquia como responsáveis, mas como responsáveis por um povo de Deus que caminha como um todo - enfrente esse problema de uma maneira sempre mais decisiva, profunda e ampla, de forma a poder realizar um serviço não somente para a renovação interior da Igreja, mas também um serviço para a sociedade.

 

Comente

Cardeal DiNardo após encontro com o Papa: trabalhar juntos para curar as feridas

Por
13 de setembro de 2018

“Somos gratos ao Santo Padre por ter-nos recebido em audiência. Partilhamos com o Papa nossa situação nos EUA, como o corpo de Cristo foi dilacerado pelo mal dos abusos sexuais.” Assim tem início a declaração do bispo de Galveston-Houston e presidente dos bispos dos EUA, cardeal Daniel DiNardo, “sobre a recente crise moral na Igreja católica estadunidense”,  feita ao término da audiência privada com o Papa Francisco.

“Escutou-nos do mais profundo de seu coração”, prossegue o purpurado na declaração publicada no site da Conferência Episcopal dos EUA. “Foi um diálogo longo, frutuoso e bom. Assim que terminou rezamos juntos o Angelus pedindo a misericórdia de Deus e a força no trabalho em conjunto para curar as feridas. Temos a intenção de continuar ativamente nosso discernimento comum para identificar os próximos passos concretos.”

O cardeal DiNardo estava acompanhado do arcebispo de Los Angeles e vice-presidente da Conferência episcopal, Dom José Horácio Gómez; do arcebispo de Boston e presidente da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, cardeal Séan Patrick O’Malley; e do secretário geral dos bispos estadunidenses, Dom Brian Bransfield.

Comente

O Papa receberá a presidência dos Bispos dos Estados Unidos

Por
12 de setembro de 2018

Diante da crise dos abusos na igreja norte-americana, o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Greg Burke, respondendo a algumas perguntas aos jornalistas sobre o encontro do Papa Francisco com a Presidência Episcopal dos Estados Unidos, informou que, “no próximo dia 13 de setembro de 2018, o Santo Padre receberá no Palácio Apostólico o cardeal Daniel DiNardo, Arcebispo de Galveston-Houston, Presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos junto com o Cardeal Sean Patrick O'Malley,  Presidente da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores.

O Porta-voz comunicou que serão acompanhados por D. José Horacio Gomez, vice-presidente da mesma Conferência Episcopal, e Arcebispo de Los Angeles, e o secretário geral do órgão, Brian Bransfield da arquidiocese da Filadélfia.

Comente

Papa Francisco envia carta ao povo de Deus: ‘Se um membro sofre, todos sofrem’

Por
21 de agosto de 2018
O Papa Francisco publicou na segunda-feira, 20, uma “carta ao povo de Deus”, em resposta à recente divulgação de um longo relatório da Suprema Corte da Pensilvânia que detalha o grave problema dos abusos sexuais cometidos por membros da Igreja nos últimos 70 anos nos Estados Unidos. O relatório fala de aproximadamente mil vítimas e 300 criminosos.
 
Assim inicia a carta do Papa: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele. Estas palavras de São Paulo ressoam com força em meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores, por causa de abusos sexuais, de poder e de consciências, cometidos por um notável número de clérigos e pessoas consagradas.”
 
Ponderando que “a maioria dos casos correspondem ao passado”, ele reitera que “com o passar do tempo conhecemos a dor de muitas vítimas e constatamos que as feridas nunca desaparecem”. O Pontífice escreve que isso “nos obriga a condenar com força essas atrocidades, assim como unir esforços para erradicar essa cultura de morte. As feridas nunca prescrevem”.
 
Francisco reafirmou a sua política de “tolerância zero” ao problema dos abusos e pediu que toda pessoa batizada se envolva em uma verdadeira transformação social, isto é, uma conversão pessoal e comunitária. “A magnitude e a gravidade dos acontecimentos exigem assumir este fato de maneira global e comunitária”, lamentou.
 
Papa Francisco convidou, ainda, toda a Igreja a unir-se em oração e penitência. A única maneira de responder a esse mal, afirma o Papa, é vivê-lo “como uma tarefa que nos envolve e compete a todos como Povo de Deus”. Isso requer “reconhecer os pecados e erros do passado, com abertura pare deixa-se renovar por dentro”.
 
É preciso “aprender a olhar para onde o Senhor olha, a estar onde o Senhor quer que estejamos, a converter o coração diante de sua presença. Para isso, ajudará a oração e a penitência”, disse. “Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e a unção interior para poder expressar, diante destes crimes de abuso, nossa compunção e nossa decisão de lutar com valentia”, afirmou.
 
A carta do Papa foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação do Vaticano e pela imprensa internacional – está, inclusive, na primeira página do jornal oficial L’Osservatore Romano. Na quinta-feira, 16, o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, já havia publicado uma nota aos jornalistas dizendo que só duas palavras definem o problema dos abusos: “vergonha e dor”. O diretor da Sala de Imprensa declarou, ainda, que nada é capaz de anular a dor das vítimas, mas elas precisam saber “que o Papa está ao seu lado”.
 
A carta completa pode ser acessada no site da Santa Sé.

Comente

Abusos na Igreja: a carta do Papa aos fiéis

Por
20 de agosto de 2018

«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). O Papa Francisco se inspirou nas palavras do Apóstolo Paulo para divulgar esta segunda-feira, 20, uma carta a todo o Povo de Deus a respeito de denúncias de abusos cometidos por parte de clérigos e pessoas consagradas.  

Este crime, afirma o Pontífice, “gera profundas feridas de dor e impotência” nas vítimas, em suas famílias e na inteira comunidade de fiéis ou não.

“A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.”

 

Pensilvânia

Francisco cita de modo especial o relatório divulgado nos dias passados sobre os casos cometidos no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

"Sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz”, escreve o Papa. Ele fala ainda de negligência, abandono e arrependimento e cita as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via-Sacra de 2005, denunciou a “sujeira” que há na Igreja.

Para o Pontífice, a dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse fato de maneira global e comunitária.

 

Solidariedade

Não é suficiente tomar conhecimento do que aconteceu, mas como Povo de Deus, “somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade”.

O Papa explica o que entende por solidariedade: proteger e resgatar as vítimas da sua dor; denunciar tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa; lutar contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual.

“O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).”

 

Reconhecimento aos esforços

Francisco reconhece “o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam a integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da ‘tolerância zero’ e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes”.

O Papa reconhece ainda o atraso em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas está confiante de que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.

 

Oração e penitência

O Pontífice faz também um convite a todos os fiéis: oração e penitência.

“Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor, que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o ‘nunca mais’ a qualquer tipo e forma de abuso. ”

Na raiz desses problemas, Francisco observa um modo anômalo de entender a autoridade na Igreja: clericalismo.

Favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, o clericalismo “gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo”.

Além da oração e do jejum, o Papa chama em causa o sentimento de pertença: “Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro”.

 

Atrocidades

Por fim, Francisco usa a palavra “atrocidade”.

“É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros.”

E através da atitude de oração e penitência, fazer crescer em nós o dom da compaixão, da justiça, da prevenção e da reparação.

Comente

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.