Sínodo vai discutir os grandes desafios pastorais e socioambientais da Amazônia

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16 de outubro de 2019

O Padre Adelson Araújo dos Santos é o único jesuíta brasileiro que atua como professor na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Ele dá aulas na Faculdade de Espiritualidade. Nascido em Manaus (AM), ele foi do coração da região amazônica direto para Roma, e levou consigo um pouco do jeito “amazônico” de viver a fé. Recentemente, Padre Adelson foi nomeado pelo Papa Francisco como um dos peritos do Sínodo para a Amazônia, que será realizado entre os dias 6 e 27 de outubro. O SÃO PAULO perguntou a ele o porquê de a Igreja se concentrar na Amazônia neste momento histórico, a pedido do Papa. Veja o que ele respondeu, na entrevista a seguir.

O SÃO PAULO POR QUE O PAPA FRANCISCO CONVOCOU UM SÍNODO PARA A AMAZÔNIA?
Padre Adelson Araújo dos Santos – Não há dúvidas de que o Papa Francisco tenha uma particular preocupação com a região amazônica. Quando esteve no Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2013, ele quis se reunir com todos os bispos da América Latina, no Rio de Janeiro, para lhes falar que a Amazônia seria uma provação para a Igreja. Depois, veio a criação da Comissão Episcopal da Amazônia, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o surgimento da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), a publicação da encíclica Laudato Si’, na qual a Amazônia é citada e, por fim, a convocação de um sínodo especial, para discutir os grandes desafios pastorais e socioambientais da região.

A DEFESA DO MEIO AMBIENTE É UMA NOVIDADE NA IGREJA?
Não podemos esquecer que a Igreja sempre se posicionou a favor da vida e denunciou, também, as ameaças que pairam sobre os povos tradicionais amazônicos e toda a fauna e flora.


Já São Paulo VI escrevia aos bispos da Amazônia em 1972, afirmando que “Cristo aponta para a Amazônia”. E São João Paulo II fez questão de se encontrar com lideranças indígenas amazônicas em suas vindas ao Brasil, às quais disse: “A Igreja, queridos irmãos índios, tem estado e continuará a estar sempre a seu lado, para defender a dignidade de seres humanos, para defender o direito a ter uma vida própria e tranquila, no respeito aos valores positivos das suas tradições, costumes e culturas. Tenho recebido, com grande dor, as notícias que me chegam sobre violações desses direitos, motivadas pela ganância e por interesses escusos, com graves repercussões sobre a vida, a saúde e a sobrevivência de alguns grupos indígenas. Peço a Deus que ilumine a todos os responsáveis pelo bem comum deste País, para que se encontrem soluções sábias e eficientes para essas situações lastimáveis” (Cuiabá, 16/10/1991).


Também o Papa Emérito Bento XVI, no encontro com milhares de jovens no Estádio do Pacaembu, em São Paulo (SP), disse: “‘Nossos bosques têm mais vida’: não deixeis que se apague esta chama de esperança que o vosso Hino Nacional põe em vossos lábios. A devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de suas populações requerem um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação que a sociedade vem solicitando”.

QUE TIPO DE TEMA SERÁ DISCUTIDO NESTE SÍNODO?
O tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral” já aponta para a reflexão e o discernimento do que Deus está nos falando, apontando caminhos a serem seguidos e práticas a serem implementadas naquela região, com o apoio e a participação de toda a Igreja, a partir da liderança do Vigário de Cristo, em Roma.


Assim, de um lado, o Papa deseja que se descubram novos caminhos de evangelização, desde as suas populações originárias (indígenas), às grandes populações urbanas das periferias das cidades. E ele também chama a atenção para o cuidado que devemos ter para com a nossa “Casa Comum”, o planeta onde habitamos, que tem na Amazônia recursos naturais essenciais.

QUAIS SÃO AS MAIORES DIFICULDADES DA IGREJA NA AMAZÔNIA?
Há ainda uma enorme carência de sacerdotes, pessoas de vida consagrada e lideranças leigas bem formadas para atender as populações ribeirinhas, espalhadas ao longo dos rios ou no interior da floresta, onde o acesso é difícil e os recursos são escassos.


Visitando essas comunidades, vemos a diferença gritante que ainda existe dentro da nossa própria Igreja, na distribuição dos recursos humanos e materiais, geograficamente ainda muito concentrados no Centro-Sul do País.


Além disso, o êxodo rural inchou as capitais amazônicas de imensos bairros pobres, onde antigas populações indígenas e ribeirinhas agora vivem em completo abandono por parte do poder público, mas também são pouco acompanhadas pastoralmente, pois “a messe é grande, mas poucos os operários”. Isso as torna mais expostas à cooptação por novas seitas e certos tipos de teologia da prosperidade.


Já na questão socioambiental, o desafio é continuar defendendo de maneira profética a vida, de tantas formas ameaçada na Amazônia, não só pela destruição da floresta, mas também pelo desrespeito aos direitos dos povos que ali já estavam antes da chegada dos portugueses. E a violência no campo, o tráfico e a exploração sexual, a contaminação dos rios etc. 

COMO O SÍNODO SE RELACIONA COM A ENCÍCLICA LAUDATO SI’?
O Sínodo é filho da Laudato Si’, cuja leitura se faz imprescindível se quisermos entender o que motivou o Papa Francisco a convocá-lo. Ali, ele explica o que é “ecologia integral”, “Casa Comum” etc. E o nome da Encíclica já aponta para a fundamentação teológico-espiritual deste documento, pois é um chamado a cuidar bem da obra da criação divina, louvando o Criador de todas as coisas.

QUE TIPO DE RESOLUÇÃO OU DECISÃO PODE SAIR DO SÍNODO?
Os sínodos não possuem caráter deliberativo, não são assembleias de discussão e votação de decisões. São, antes, um espaço de discernimento e de consulta, por parte do Santo Padre, sobre determinado tema, que já teve início antes mesmo do próprio Sínodo, nas diversas reuniões e eventos realizados pelas igrejas da Amazônia. 


Contudo, algum tempo após a realização do Sínodo, é comum que o Papa escreva uma Exortação Apostólica, na qual suas conclusões a respeito dos temas refletidos são comunicadas aos católicos do mundo inteiro, com orientações que toda a Igreja deve seguir. 

DE QUE FORMA O SÍNODO PODE INFLUENCIAR A SOCIEDADE, PARA ALÉM DA IGREJA?
Em um mundo marcado pelo desencanto com os líderes políticos e a fragmentação de valores e princípios éticos, sabemos que o Papa Francisco tem sido uma das poucas lideranças mundiais que despertam o respeito e a admiração de milhares de pessoas, dentro e fora da Igreja e do próprio Cristianismo, de modo que a sua opinião tem peso mundial, podendo ajudar a humanidade a não se autodestruir.

QUANDO PENSAMOS NA “IGREJA EM SAÍDA” NA AMAZÔNIA, O QUE ISSO QUER DIZER?
Significa que temos de voltar a ter a liberdade, o despojamento e a leveza evangélica dos primeiros evangelizadores de nossas terras, que deixaram suas zonas de conforto na Europa e vieram viver com os primeiros brasileiros, como fez, aos 19 anos, São José de Anchieta, cujo testemunho de amor e doação de vida pelos índios deixou marcas para sempre na história do Brasil. Quantos jovens teriam hoje a mesma coragem?

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