‘Há um equívoco ao se pensar que escutar crianças significa fazer suas vontades’

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26 de junho de 2019

Adriana Friedmann, doutora em Antropologia, mestre em Educação e pedagoga, falou ao O SÃO PAULO a respeito de um tema que faz parte do dia a dia de muitas famílias, escolas e comunidades: Como se dá a verdadeira escuta da criança? Escutar significa não impor limites? Como as nossas crianças têm se desenvolvido numa sociedade com muitos estímulos, mas pouco diálogo? 
Com larga experiência como docente, palestrante, pesquisadora e consultora em temáticas sobre infância, Adriana é criadora e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento (Nepsid) e do Mapa da Infância Brasileira, além de autora de livros e artigos na área, dentre eles “Escuta e observação de crianças: processos inspiradores para educadores”, “Protagonismo infantil”, “Quem está na escuta”, “Linguagens e culturas infantis”, “História do percurso da Sociologia e da Antropologia da Infância”, “O olhar antropológico por dentro da infância”, “O desenvolvimento da criança através do brincar” e “A arte de brincar”.

O SÃO PAULO - Como surgiu o projeto de escuta das crianças?
Adriana Friedmann – A partir dos anos 2000 surgiu, no meu processo profissional, lidando com educadores de escolas e ONGs, essa preocupação com relação a quem estaria escutando efetivamente as crianças. A partir daí, já atuando desde os anos 1980 com estudos, pesquisas, formação e a promoção do brincar, comecei a desenvolver estudos e pesquisas e descobri que as Ciências Sociais tinham, desde os anos 1980, começado a considerar as crianças como atores sociais, autores/protagonistas de suas próprias vidas; e compreender a importância de conhecer os muitos saberes das diversas crianças das diferentes culturas. Assim, abre-se um campo de estudos e iniciativas que começam a pesquisar e ouvir as crianças mundo afora.
Aqui no Brasil, alguns antropólogos realizam pesquisas com crianças indígenas desde os anos 2000, além dos estudos e processos de formação. Desde 2011, venho criando vários grupos de formação e desenvolvimento de processos de escuta, a saber:  em 2015, iniciamos na Comunidade de Aprendizagem, do Mapa da Infância Brasileira, escutas de crianças de diversos grupos: crianças abrigadas, imigrantes, crianças em ocupações, em ONGs, praças etc. em 2017, criamos a Campanha “Vamos ouvir as crianças” e, desde 2018 o curso de pós-graduação lato sensu “A vez e a voz das crianças” na Casa Tombada, em São Paulo.

Quais são os principais critérios para se falar sobre a escuta da criança?
É importante partir da compreensão de que não é possível falar de um ideal de criança ou de infância, mas de diversidade de grupos infantis, da singularidade das crianças nos vários coletivos; entender que as crianças são protagonistas de suas vidas e que têm direito a se expressar e participar. Assim o fazem por meio de linguagens verbais e não verbais, como o brincar, o corpo, o gesto, o movimento, as inúmeras formas de expressões plásticas, musicais, poéticas, dentre outras. A partir dessas linguagens expressivas, as crianças comunicam permanentemente suas vidas, suas culturas, influências multiculturais e suas produções. 
Há uma questão ética a ser levada em conta que tem a ver com o direito de o adulto registrar e disseminar todo esse conteúdo, sem que as crianças consintam, não somente os adultos responsáveis por elas. E, ainda, a importância de dar devolutivas sempre que estamos desenvolvendo processos de escuta, observação e pesquisa com as crianças.
Outro importante critério é o adulto tomar distância, silenciar, não intervir, corrigir ou querer ensinar qualquer coisa. Observar, respeitar e aceitar.

O que os pais devem fazer para dar início a um processo de escuta?

Escutar tem a ver com estar junto, estar presente, abrir-se para aprender coisas que as crianças vivem, expressam ou sabem, conhecimentos estes diferentes dos adultos. Estar junto, pedir licença, perguntar o menos possível, registrar. Surpreender-se frente ao inusitado, ao não planejado que parte da espontaneidade das crianças!

E os educadores? Como podem contribuir neste processo?

Para os educadores é, talvez, um exercício mais desafiador. Colocar-se no papel de aprendiz e não daquele que está o tempo todo ensinando, transmitindo conteúdos, acompanhando processos. Poder aceitar situações de livre brincar, de autonomia e livre escolha, deixar as crianças resolverem os conflitos entre si (desde que não cheguem a situações violentas), confiar nas crianças e nas suas capacidades!
Assim, o educador precisa equilibrar no cotidiano da escola – ou em instituições ou situações não formais – a proposição de atividades dirigidas e de tempos livres. É nessas situações que a possibilidade de escutar/observar as crianças na sua espontaneidade oferece inúmeras pistas para o educador conhecer e (re)conhecer as singularidades, potenciais, interesses e necessidades das crianças. Com esse universo de informações, ele tem a grande chance de repensar e readequar propostas, atividades e conteúdos para cada grupo.

E quais são os limites dessa escuta?
Os limites da escuta têm a ver com a interação que as próprias crianças solicitam, com a “ansiedade” dos adultos – até onde conseguem verdadeiramente não intervir, conter seus impulsos; tem a ver com entremear essa escuta passiva com momentos de coparticipação ativa – brincar junto, dançar, pintar, cantar, ser partícipe em relações o mais “simétricas” possíveis.

Você considera que a sociedade – de maneira geral – está consciente sobre o processo de escuta das crianças no dia a dia?

Este é um tema e uma postura bastante novos. Há um equívoco ao se pensar que escutar crianças significa “fazer suas vontades”. Escutar crianças tem como finalidade fazer com que os adultos reconheçam que elas têm um universo próprio, direitos, interesses, vontades e, principalmente, potenciais únicos. É surpreendente o mundo no qual as crianças estão inseridas e que escapa a nós, educadores, pais e gestores. 

À escuta das crianças, estaria relacionado um processo de “desadultização” dos pequenos?

A escuta se relaciona com um novo tempo em que o adulto já tem elementos e informações suficientes vindos de inúmeros estudos e áreas de conhecimento, em que é imperativo e urgente respeitar o tempo e o espaço para as crianças viverem suas infâncias de forma plena e significativa. Tem a ver com os adultos não se apressarem ou pressionarem as crianças e diminuírem suas expectativas. Tem a ver com reconhecer o protagonismo das crianças e a importância de colocar limites no que seja o tempo da infância, o tempo da juventude e o tempo dos adultos. Voltar a delimitar o que pode e precisa ser vivenciado em cada etapa.

Como criar comunidades cuidadoras, para além dos espaços casa-escola?
Precisamos pensar em uma reeducação intergeracional em que as famílias e as comunidades constituam referências inspiradoras. Olhar para comunidades como favelas ou comunidades indígenas, em que a força do coletivo faz o papel materno e paterno – muito além de uma única figura de referência, como seria a da mãe ou a do pai – é uma possibilidade efetiva na qual qualquer comunidade pode se inspirar. A educação das crianças acontece nos entre lugares e nos entre tempos que vão muito além dos espaços físicos, institucionais ou dos tempos planejados. Olhar por essas brechas pode nos indicar inúmeras pistas para a ideia de comunidades cuidadoras.
 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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Pesquisa diz que Brasil é líder no ranking de violência contra a criança

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10 de abril de 2018

Uma pesquisa que avaliou a percepção da sociedade sobre a violência praticada contra as crianças e os adolescentes colocou o Brasil em primeiro lugar como o mais violento, na comparação com 13 países da América Latina. O estudo foi divulgado na segunda-feira, 9, na capital paulista, pela organização social Visão Mundial.

Algumas formas de violência consideradas foram o abuso físico e psicológico, trabalho infantil, casamento precoce, a ameaça online e a violência sexual. No Brasil, 13% dos entrevistados enxergam que existe alto risco dessas práticas contra a criança no país. Em seguida, estão o México, com 11%, o Peru e a Bolívia, com 10%. As melhores percepções foram verificadas em Honduras e na Costa Rica, com 2%.

No recorte brasileiro, a pesquisa apontou que três em cada dez pessoas conhecem pessoalmente uma criança que sofreu violência. Além disso, 70% disseram sentir que a violência na infância tem aumentado nos últimos cinco anos e 83% concordam que essa violência pode ter impacto na vida adulta.

O diretor nacional da Visão Mundial, João Helder Diniz, acredita que o contexto de desigualdade nos países estudados alimenta a violência que, por sua vez, exacerba a desigualdade. O refúgio das classes mais ricas em condomínios fechados, para ele, cria um ambiente ainda mais hostil na sociedade.

“Em termos de homicídios, a América Latina responde por 25% no mundo e nós não estamos em guerra, pelo menos não declarada. Como um continente que vive uma certa estabilidade política responde por um quarto dos homicídios no mundo?”, questionou o diretor.

Ambientes de risco

Segundo a pesquisa, o sentimento do latino-americano é de que o espaço público oferece mais risco à criança, com 52% das respostas. A casa da criança ficou em segundo lugar, com 21%, seguida por escola, 13%, transporte público, 6%, e espaços religiosos, com 3%.

Karina Lira, assessora de Proteção à Infância da Visão Mundial, disse que a percepção revelada por essa pesquisa não condiz com a realidade. “O Disque 100 aponta que a maior parte das denúncias de violência está no ambiente doméstico”, disse.

Outro dado do levantamento, cuja percepção não condiz com a realidade, segundo a assessora, é o que causa a violência. A maioria, 65%, acredita que o consumo de drogas e o alcoolismo tenham relação com a violência. O abuso cometido por pessoas que foram vítimas no passado ficou em segundo lugar, 55%. O crime organizado foi responsabilizado por 54%.

Para o estudo, foram ouvidas 6 mil pessoas, com idade acima de 16 anos. Do total, mais de 500 dos pesquisados eram brasileiros. A pesquisa de campo, feita entre março e abril de 2017, ocorreu pela internet, exceto em El Salvador, onde as pessoas foram ouvidas por telefone.

(Com informações de Agência Brasil)

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Faça parte do Natal dos Sonhos 2017

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20 de novembro de 2017

A Pastoral do Menor, em parceria com as escolas católicas da área de abrangência da Arquidiocese de São Paulo, realiza a 16ª Edição do Natal dos Sonhos.

A campanha arrecada brinquedos novos e/ou em bom estado para serem doados a entidades, organizações e pastorais, que atendem crianças e adolescentes da Capital Paulista.

Com o lema “Eis ai tua mãe!”, a Campanha quer celebrar, com toda a Igreja do Brasil, a Mãe de Jesus, que doou a todos o maior presente: seu próprio filho.

Um espetáculo será realizado em 2 de dezembro para celebrar o dia da grande arrecadação de brinquedos! Um show com diversas atrações musicais e danças para celebrar a solidariedade, além da esperada encenação do nascimento do Menino Jesus. O evento será no Ginásio da Sociedade Esportiva Palmeiras (rua Palestra Itália, 214, Perdizes).

Quem quiser participar, pode doar brinquedos em qualquer igreja da Arquidiocese de São Paulo, identificando que a doação é para Campanha Natal dos Sonhos!

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