NACIONAL

Com a Palavra

‘Um encontro que se faz palavra’

Por Nayá Fernandes
14 de julho de 2017

Claudio Monge é padre domini- cano, tem 47 anos e nasceu na Itália, mas vive há 12 anos em Istambul, na Turquia, onde os cristãos representam menos de 0,1% da população. Ele esteve no Brasil a convite da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisi- nos) e fez duas conferências na PUC-SP, nos campi Santana e Ipiranga nos dias 25 e 26, sobre o “Diálogo”, partindo, sobretudo, da sua experiência no diálogo inter-religioso com o Islamismo. Nesta entrevista, Frei Claudio Monge, como é conhecido, sugere algumas “regras de ouro” para que o diálogo seja mais do que troca de informações, uma expe- riência de vida.

O SÃO PAULO – Como é o dia a dia de um padre num país com minoria cristã?

Frei Claudio Monge – Viver em um país islâmico é diferente de viver no Ocidente. Eu vivo em meio à muita gente que crê e tem uma orientação fundamental da vida. Tenho consciência do risco do relativis- mo, porém, creio que como Igreja temos responsabilidade sobre isso, porque anos e anos falamos de uma verdade impessoal. Mas dou um exemplo que pode ilustrar bem esse dia a dia. Temos uma pequena igreja no coração de Istambul, que é uma grande megalópole como São Paulo. Aos domingos, celebramos a Eucaristia. Um dia, vi uma moça mulçumana e fiquei curioso, mas não pude entrar em contato com ela imediatamente. No domingo seguinte, ela também estava ali. Ficou alguns domingos sem participar e retornou após um mês, quando fui encontrá-la. Saudei-a e perguntei: “Por que você vem aqui?”. A mulher, com uma simplicidade desarmante, disse: “Eu vivo neste bairro, nossa mesquita é pequena e não há lugares para mulheres. Minha mãe aconselha que eu reze em casa, mas eu gosto de rezar a Deus num lugar em que se fale dele. Então, ve- nho aqui para rezar ao meu Deus”. Para mim, ficou a experiência de que aquela se- nhora compreendeu que ser diferente não significa ser oposto e eu compreendi que é um diálogo de sentido. O que existe é o diálogo entre crentes cristãos e crentes mulçumanos. O Islã vive a mesma com- plexidade do Cristianismo, não é mono- lítico e, por isso, para que seja possível, é preciso conhecer a si mesmo e ao outro, ir além do estereótipo. Nós vivemos de estereótipos, da imagem que temos do outro. O Islã é pleno de estereótipos, que se exprimem com imagens, mais do que palavras. Quando eu, no trabalho com os jovens, projeto imagens de mulheres mulçumanas, idosas ou fora dos padrões de beleza e pergunto sobre o sentimento de cada um deles, usam palavras como tradicionalismo, fanatismo, fechamento e uma não comunicação. Depois, apre- sento imagens parecidas, mas nas quais há mulheres que são modelos usando a burca e, às vezes, só com os olhos à mostra. Ao fazer a mesma pergunta, os jovens começam a usar palavras como exótica, fascinante ou intrigante. Desa- parece o fanatismo. As duas posições são estereótipos, não veem a verdade. Assim, insisto que é preciso conhecer e não só conhecer, mas reconhecer, isto é, per- mitir que o outro viva algo de essencial como eu também o vivo.

 

O que significa isto no diálogo inter-religioso?

Para mim, essencialmente, é a combinação de inteligência e experiência. A pessoa precisa conhecer a si mesma. Se alguém não sabe de onde vem, não dialogue, porque é perigoso. Hoje se diz que há uma crise de diálogo porque as identidades são fortes. Acredito que é exatamente o contrário: as identida- des são fracas e, por isso, o outro causa medo. Conhecer o outro requer experi- ência, não é um fato só cerebral, deve-se ir ao encontro. Semanticamente, diálogo é uma palavra grega composta de duas partes, onde “logos” significa palavra e “dia” significa estar entre, jogar-se. Para dialogar é necessário jogar-se no meio, comprometer-se. Não se pode estar acima, mas junto. É preciso estar no meio, sem apagar a diversidade. Por isso, digo que o diálogo é ascese, não autonegação, mas disciplina, busca do essencial. Para andar ao encontro do outro é necessário conservar só o tesouro essencial. Finalmente, o diálogo não é sempre conversa, ou simplesmente informação recíproca, mas uma troca de experiências que per- mite às duas partes crescerem no caminho pessoal.

 

Quais as principais dificuldades para que o diálogo aconteça?

Hoje é difícil escutar. Ouvimos dizer que o homem não escuta por ser egoísta. É verdade, mas não suficiente. Não escuta porque pensa que não há uma palavra que dê sentido à vida. Frequentemente, pensamos que o outro esteja tão perdi- do quanto nós e, assim, é inútil falar ou escutar. Mas, escutar o que? Qualquer coisa? Vivemos também uma crise da palavra, porque frequentemente nos confrontamos com palavras vazias. A mídia nos bombardeia com informações e isso reduziu a comunicação, o intercambio pessoal. A palavra se torna um inimigo. Usamos palavras ambíguas, com muitos significados, desgastadas por terem significados diversos. Por isso, as palavras devem ter o sentido resinificado. Diálogo significa um encontro que se faz palavra. Consiste em dar um peso real às palavras que usamos, e, por isso, é preciso conhecê-las para poder falar e escutar.

 

Quais seriam as “regras de ouro” para o diálogo?

Vou sugerir algumas, a partir da minha experiência. Primeira: ao dialogar não busque no outro o que é importante pra você, porque não vai descobrir nunca o que é importante para o outro. Esse é um problema do diálogo ecumênico, por exemplo, quando busca no outro o que é bom para si e ignora todo o resto. Mas, o outro não sou eu, é outro. Assim, em um verdadeiro diálogo, o outro tem o direito de oferecer o que é bom para ele, e eu devo aceitar que os seus tempos não são os meus. A segunda regra é reconhecer a limitação das palavras usadas, pois as experiências religiosas são diversas. Quando um cristão fala de unidade, não diz a mesma coisa que um mulçumano ao falar de unidade. Por isso, a experiência permite nos aproximar uns dos outros e não podemos reduzir a experiência do outro ao que não compreendemos. A terceira é aprender a julgar a tradição do outro a partir dos tesouros, das veias fundamentais, permanentes, do que é mais precioso e não dos “subprodutos”. Dividir os tesouros que te habitam não significa ignorar os problemas, mas começando com os te- souros, podemos um dia colocar em comum até o que nos faz sofrer. O dialogo é uma experiência ascética. Devemos encontrar um princípio organizado da verdade que está em nós. Na nossa fé, as coisas não são importantes do mesmo modo. Há coisas marginais, secundárias e devemos oferecer o coração da vida e não as periféricas. Desse modo, outros serão convidados a fazer o mesmo. Por fim, podemos dizer que duas coisas po- dem ser radicalmente diferentes, mas importante encontrar os crentes concretos e não a ideia que faço deles. Assim, o verdadeiro diálogo é hospitalidade.

 

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