NACIONAL

Petrúcio Ferreira

Um campeão com foco, força e fé

Por Daniel Gomes
19 de setembro de 2017

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o atleta de 20 anos, Petrúcio Ferreira, recordou o início da carreira e falou sobre o preconceito  ainda sofrido pelas pessoas com deficiência  

Daniel Zappe/CPB/Mpix

“Nunca imaginei chegar aonde cheguei”. A frase do jovem nascido em São José do Brejo da Cruz, no sertão da Paraíba, não é em vão. Petrúcio Ferreira, 20, perdeu a mão esquerda aos 2 anos de idade, em um acidente com uma máquina de moer capim. Cresceu com o sonho de ser jogador de futebol, mas em uma partida de futsal, sua velocidade chamou a atenção de um treinador de atletismo.

Petrúcio ingressou no atletismo em 2014 e já no ano seguinte voltava dos Jogos Parapan-americanos de Toronto com duas medalhas de ouro, nos 100m e 200m T47 (categoria para amputados de membros superiores). Nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, alcançou mais um ouro nos 100m T47, além de pratas nos 400m T47 e no revezamento 4x100m T42/47. Em julho deste ano, no Mundial de Atletismo Paralímpico, em Londres, na Grã-Bretanha, foi além, conquistando ouro nos 100m e 200m T45/46/47, com direito aos novos recordes mundiais nas duas provas.

Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, o atleta, que hoje cursa Educação Física na Universidade Federal da Paraíba, recorda o início da carreira, fala sobre como as pessoas com deficiência ainda sofrem preconceito no País e garante que só vai deixar as pistas após conquistar mais três títulos mundiais ou paralímpicos. 

 

O SÃO PAULO  – COMO VOCÊ CHEGOU AO ATLETISMO? 

Petrúcio Ferreira - Eu comecei no atletismo há três anos. Antes eu jogava futsal. Um dia, um professor de Educação Física em João Pessoa (PB), o Ricardo Ambrózio, me viu jogando e falou que eu tinha potencial para o atletismo. Participei de uma competição na capital do estado e consegui vaga para o campeonato nacional, em São Paulo. Como alcancei um tempo inédito, que chamou a atenção do Comitê Paralímpico Brasileiro, já fui convocado para a seleção em 2014.

 

VOCÊ ENCONTROU QUE DIFICULDADES NO COMEÇO?

A principal dificuldade foi a de não ter conhecimento sobre o atletismo, pois só conhecia o futebol. A realidade que eu tinha aqui no interior da Paraíba era bem distante. Não existia pista de atletismo, na verdade até hoje não existe, só fui conhecer uma em João Pessoa, onde eu passei a morar e comecei a treinar. Assim, nunca imaginei chegar aonde cheguei.

 

COMO TEM SIDO ESSA SITUAÇÃO DE VIVER DISTANTE DA FAMÍLIA?

Meus pais e minha namorada moram a 430 quilômetros aqui da capital do estado. A saudade “bate”, dá aquela tristeza por estar longe de casa, principalmente quando se termina um dia de treino bem pesado, se chega em casa e não há ninguém para conversar. É bem complicado, mas, graças a Deus, venho enfrentando isso numa boa, pois não fico só. Eu “perturbo” minha namorada, às vezes fico conversando com ela até meia-noite para entreter meu tempo e também com minha mãe. Embora meu treinador, o Pedrinho [Pedro Almeida], já tenha me dito para eu não ficar nas redes sociais até tarde da noite, às vezes eu passo um pouco do horário [risos].

 

A FÉ DE ALGUM MODO TAMBÉM AJUDA A SUPORTAR A VIDA DISTANTE DE CASA?

Sim. Eu sou católico, e existem três palavras que eu sempre carrego comigo, até estão tatuadas no meu braço, e que nunca devem faltar na vida de um atleta e principalmente das pessoas que estão longe da família: fé, foco e força. A fé sempre está em primeiro lugar, pois eu tenho que acreditar em mim mesmo e acreditar que Deus está sempre me ajudando para que eu obtenha bons resultados. O foco está nos objetivos, naquilo que eu quero alcançar. E a força está no dia a dia para os treinamentos.

 

COMO É SEU RITMO DE TREINAMENTOS?

Eu sempre digo que uma semana normal para mim é resumida em treinar de manhã a noite. Agora, depois do mundial, estamos em um período de base, de preparação para as próximas competições. É o início de um trabalho bem pesado, de muita coordenação, força e fortalecimento.

 

VOCÊ JÁ CONSEGUE VIVER FINANCEIRAMENTE APENAS DO ATLETISMO?

Sim. O meu “ganha-pão” hoje é pelo atletismo. Recebo a Bolsa Pódio pelo governo federal e tenho patrocinadores: Nissan, Nike e Loterias Caixa, que apareceram após os Jogos Rio 2016. 

 

ESSE MAIOR APOIO FINANCEIRO AOS ATLETAS É UM DOS LEGADOS DOS JOGOS PARALÍMPICOS?

Os Jogos Rio 2016 deixaram um bom legado para nós, pelo fato de termos representado nosso País, mostrado o que é o dia a dia de um atleta para chegar na grande competição. Depois dos Jogos, graças ao nosso desempenho, alguns de nós teve a oportunidade de obter patrocinadores individuais.

 

DEPOIS DAS DUAS MEDALHAS DE OURO NO MUNDIAL EM LONDRES, EM JULHO, COM DOIS RECORDES MUNDIAIS, VOCÊ ACREDITA QUE TEM ADVERSÁRIOS QUE POSSAM VENCÊ-LO?

Sempre falo que eu tenho dois adversários muito fortes: um é o mais forte, o polonês [Michal Derus – medalhista de prata na Paralimpíada Rio 2016 e de bronze no Mundial 2017], e o outro, fico muito feliz por ser brasileiro, é o Yohansson Nascimento [bronze na Paralimpíada e prata no Mundial]. Porém, sempre falo que meu principal adversário sou eu mesmo. Eu tenho que sempre manter muita determinação na hora de correr.

 

ALIÁS, SUA PROXIMIDADE COM O YOHANSSON É ALGO PECULIAR. ELE FOI UMA DE SUAS INSPIRAÇÕES PARA PRATICAR O ATLETISMO?

Quando eu iniciei no esporte paralímpico, eu conhecia a história de alguns atletas. Um deles é o Alan Fonteles [medalhista de ouro em Londres 2012]. Também vi muito na televisão o Yohansson, pelo fato de ele ter ganhado a Paralimpíada de 2012. Desde que entrei na seleção, ele é um companheiro e adversário da mesma classe que a minha. Somos dois brasileiros representando o País e ele sempre me passa as experiências que tem. No começo, isso foi fundamental, pois eu era novato, e precisei aprender muitas coisas. 

 

VOCÊ CHEGOU A ESSA CONDIÇÃO DE ESPORTISTA PARALÍMPICO POR TER A MÃO ESQUERDA AMPUTADA QUANDO ERA CRIANÇA. VOCÊ SOFREU MUITO PRECONCEITO NA INFÂNCIA?

Eu sofri, no colégio, mas sempre desconsiderei. Às vezes, o pessoal perguntava: “Quem é o Petrúcio?”. E, respondiam: “É o ‘sem mão’, o ‘aleijadinho’”. Eles falavam como uma brincadeira, mas sempre um pouco maliciosa, querendo me ofender. Porém, isso nunca me abalou. Meu pai e minha mãe sempre me criaram de uma forma bem espontânea e me mostrando a realidade da vida.

 

HOJE A SOCIEDADE BRASILEIRA SABE CONVIVER MELHOR COM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA? 

Acho que melhorou muito depois dos Jogos Paralímpicos do Rio, mas ainda existe muito preconceito. No dia a dia, por exemplo, quando estamos em lugar público, a forma como as pessoas olham é diferente. Não veem um ser humano, agem como se estivessem vendo um coitadinho.

 

VOCÊ É MUITO JOVEM AINDA, MAS O QUE JÁ APRENDEU COM O ESPORTE?  

O esporte abriu muitas portas na minha vida e me ensinou muitas coisas, inclusive, uma delas é nunca desistir e sempre mostrar para o mundo que você é capaz. Se você tem um sonho, corra atrás dele e irá realizá-lo. Eu sempre falava para minha mãe que um dia iria representar meu País, mas sabia que era uma realidade bem distante, mas hoje, por meio do esporte, estou realizando esse sonho.

 

COM APENAS 20 ANOS, VOCÊ JÁ CHEGOU AO AUGE DA CARREIRA. COMO SE MANTER MOTIVADO DE AGORA EM DIANTE?

O que mais me motiva é fazer o que eu gosto. Amo correr, amo treinar e amo representar o meu País. Outra motivação é saber que hoje, pelo atletismo, estou conseguindo ajudar a minha família a sobreviver. 

 

JÁ SABE ATÉ QUANDO VAI SEGUIR CORRENDO?  

Está muito cedo para pensar em parar [risos], mas já falei para meu treinador que, no mínimo, eu quero ganhar mais três títulos mundiais ou paralímpicos.

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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