VATICANO

Silvonei José Protz

Um brasileiro na ‘Rádio do Papa’

Por Fernando Geronazzo
26 de julho de 2017

Diretor do "Programa Brasileiro" da Rádio Vaticano, fala ao O SÃO PAULO sobre seu trabalho e as atuais mudanças na comunicação da Santa Sé

Foto: arquivo pessoal

Há 27 anos como jornalista na rádio Vaticano, o brasileiro Silvonei José Protz acompanhou três pontificados. Natural de Guarapuava (PR), Silvonei é doutor em Comunicação, formado em Jornalismo, Economia e Sociologia. Atual diretor do “Programa Brasileiro” da rádio Vaticano , Silvonei também é professor de comunicação nas pontifícias universidades Gregoriana e Urbaniana e no Centro Cultural da Embaixada do Brasil junto ao Governo italiano. Em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, o jornalista falou sobre seu trabalho e destacou as mudanças que estão acontecendo na comunicação da Santa Sé. Confira a entrevista

O SÃO PAULO – Como você foi parar na Rádio Vaticano? Você começou no jornalismo laico?

Silvonei José – Minha experiência com o jornalismo laico foi breve, pois desde o início da minha carreira, com exceção de Angra dos Reis (RJ) e Pato Branco (PR), eu sempre militei na mídia católica. Mas tenho um grande contato com a mídia leiga pelo fato de ser o Diretor do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano. Posso dizer que, mesmo quando navegava na imprensa leiga, a minha preocupação sempre foi a utopia da verdade, o desejo de ser ponte entre os eventos e as pessoas.

A minha experiência no jornalismo ligado à Igreja Católica foi desde o início um crescendo de aprendizagem. Temos sempre algo a aprender. Iniciei na Rádio da minha Diocese, Rádio Cultura de Guarapuava, e dali fui para a Rádio Aparecida, SP. Depois de uma breve passagem por Angra e Rio de Janeiro fui para Pato Branco e depois Roma, Rádio Vaticano. Momentos diferentes, realidades diferentes, mas sempre um caminho de aprendizagem. Tive ao longo de minha vida profissional muitos professores que se tornaram e ainda são meus amigos. Não cito nomes, mas cada um deles sabe o quanto foram importantes na minha vida. Recordo somente dois deles: Padre Zezinho com quem trabalhei na Rádio Aparecida e Padre Ronoaldo Pelaquin que na época era o Diretor Artístico da emissora.

Foi o Padre Pelaquin quando se tornou Diretor do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano a me convidar a fazer parte da equipe. Eu tinha ido a Roma para fazer um curso de Marketing e ali encontrei Padre Pelaquin que estava fazendo um curso de cinema. Ele ainda não estava na Rádio Vaticano. Quando voltei ao Brasil, depois de alguns meses ele me telefonou convidando a retornar a Roma e a fazer parte da equipe da Rádio do Papa. Aceitei por 6 meses e já são 27 anos. Hoje poder comunicar de Roma para o mundo o magistério de Pedro, a vida da Igreja nos quatro cantos do planeta e ter uma visão de conjunto dos países é um privilégio que procuro corresponder com o meu trabalho.

Como foi acompanhar três diferentes pontificados?

Como disse antes é um privilégio servir o Papa e a Santa Sé. Passaram-se 27 anos e 3 papas. Exercer o trabalho jornalístico no meio eclesial, e principalmente papal, é um sentimento difícil de descrever, pois, é uma honra poder cumprir minha missão na Rádio do Papa. Sentimento de gratidão certamente a Deus pelo dom que ele me deu, mas também às pessoas que acreditaram em mim e no meu trabalho. Sinto uma grande alegria em poder servir a minha Igreja através do serviço prestado, hoje, ao Papa Francisco. Mas também é uma grande responsabilidade com a qual eu me confronto todos os dias.

Foram pontificados diferentes: João Paulo II, o homem que abriu a Igreja ao mundo, o peregrino incansável que visitou todos os ângulos da terra. Uma grande gama de trabalho para nós jornalistas. Já o Papa Bento XVI, além de suas viagens, foi o homem que trouxe para todos o significado real de ser cristão, ser católico, o homem que nos fez interrogar sobre a nossa fé. E agora Francisco, como o próprio nome diz, é o homem dos gestos concretos, da humildade que contagia, da misericórdia, do perdão. Francisco nos faz trabalhar muito porque é um Papa que não párar, está sempre em movimento, sempre em diálogo com o mundo.

Para você qual é a diferença de fazer comunicação no Vaticano?

Respondo esta pergunta citando o primeiro encontro de Francisco com a imprensa no dia 16 de março de 2013. Naquela ocasião, o Papa recordou o sempre maior papel da mídia, a ponto de se tornar indispensável para narrar ao mundo os acontecimentos da história contemporânea.

Quase sempre os acontecimentos da história reclamam uma leitura complexa, podendo eventualmente incluir também a dimensão da fé. Certamente os acontecimentos eclesiais não são mais complicados do que os da política ou da economia; mas possuem uma característica fundamental própria: seguem uma lógica que não obedece primariamente a categorias por assim dizer mundanas e, por isso mesmo, não é fácil interpretá-los e comunicá-los a um público amplo e variado. É importante, disse Francisco, ter em devida conta este horizonte interpretativo, esta hermenêutica, para identificar o coração dos acontecimentos.

O Papa e o Vaticano têm uma grande consideração para com o mundo da comunicação, para com os comunicadores. O nosso trabalho, como de todos os jornalistas requer estudo, uma sensibilidade própria e experiência, como tantas outras profissões, mas implica também um cuidado especial pela verdade, a bondade e a beleza, recordou certa vez Francisco. Deveria resultar claramente que todos somos chamados, não a comunicar-nos a nós mesmos, mas esta tríade existencial formada pela verdade, a bondade e a beleza. Essa é sem dúvida uma abordagem que procuramos ter todos os dias no nosso trabalho e que deveria fazer refletir a todos aqueles que estão envolvidos com o mundo da comunicação. A diferença da nossa comunicação com as demais é que a nossa especificidade é levar ao mundo o magistério petrino e a boa nova do Evangelho, junto com a ação da Igreja no mundo e nas realidade locais.

Você pode compartilhar alguma experiência marcante do seu trabalho no Vaticano?

Creio que um dos momentos principais tenha sido a morte de João Paulo II. Eu trabalhei com ele 16 anos, e foram 16 anos muito intensos, seja como jornalista que o acompanhou no seu dia-a-dia e nas suas viagens, seja também espiritualmente, pois ele era uma pessoa que tocava seu coração. Jamais pude permanecer indiferente diante da sua pessoa. A sua morte, - mesmo sendo esperada – causou uma grande dor em todos nós que tivemos a alegria de trabalhar com ele e para ele. Mas ao mesmo tempo invadiu-nos uma alegria pela certeza, que “da janela do céu” ele continuaria a nos guiar e conduzir. A morte de JPII é um marco na minha vida de jornalista.

Atualmente tem acontecido mudanças na comunicação vaticana. Como você tem vivido esse processo?

O Vaticano procura estar presente em todos os meios de comunicação por meio do rádio, TV, redes sociais, jornais. Falo, por exemplo, da Rádio Vaticano, que neste momento está passando por um processo de integração com o Centro Televisivo Vaticano, já que ambos fazem parte da nova Secretaria para a Comunicação. A RV possui 40 redações linguísticas com 40 línguas diferentes, e ela é um modo concreto de levar o magistério petrino e a mensagem do Papa a todos os quadrantes do planeta. 40 línguas que nos possibilitam comunicar com todas as Igrejas locais presentes nos 5 continentes. Existe hoje uma grande preocupação de levar a voz do Papa, da Santa Sé a todas as realidades, por isso a utilização das redes sociais está ganhando cada vez mais importância, devido ao grande número de usuários. Rádio, TV, jornal, continuam sendo instrumentos importantes de comunicação do Vaticano e que, num breve futuro, estarão interligados em um único portal, para facilitar o acesso a todas as informações provenientes do Vaticano, seja das atividades do Papa, seja da atuação da Santa Sé e da Igreja em todo o mundo.

Com o nascimento da Secretaria para a Comunicação, todos os setores de comunicação vaticanos (Rádio, CTV, Jornal, Sala de Imprensa, Livraria Editora, Tipografia, Serviço Fotográfico, Internet) fazem parte da mesma família, e será um trabalho em sinergia, evitando duplos ou triplos trabalhos.

Qual é o futuro da Rádio Vaticano nesse processo?

Nós, como Programa Brasileiro da Rádio Vaticano, estamos nos reinventando para podermos atuar em todos os campos da mídia. Seremos cada vez mais multimídia. Nós já somos uma redação multimídia, mas agora com a Secretaria, faremos parte de uma grande redação central com 6 línguas (inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, português) que dará a linha editorial para as demais línguas presentes na Rádio do Papa. Teremos também no futuro a participação do jornal L’Osservatore Romano. O nosso futuro como Rádio é estar cada vez mais perto das atividades do Papa e da Santa Sé e interagir cada vez mais com as redes de rádio no Brasil, para podermos chegar ainda mais facilmente às realidades locais. Traremos através dos nossos programas e do nosso site informações ainda mais abalisadas sobre o Vaticano e a Igreja dispersa em todo o mundo.

O Programa Brasileiro tem investido bastante nas redes sociais. Isso tornou a Rádio Vaticano mais conhecida entre as novas gerações?

Os nossos jovens estão nas redes sociais, são nativos do mundo digital, e nós temos a obrigação de estar ali, com eles, levando uma palavra de esperança, de fé. Investimos muito nas redes sociais pois temos a obrigação de estar presente no meio das novas gerações. Sem dúvida, a Rádio Vaticano se tornou muito conhecida no meio da nossa juventude e isso nos deixa muito feliz. Temos sempre respostas positivas das nossas matérias e postagens.

Recordo que a Igreja está presente nos meios de comunicação e deve aumentar a sua presença na mídia e nas redes sociais. Por isso é importante que a Igreja saiba dialogar, entrando nos ambientes criados pelas novas tecnologias, nas redes sociais, para tornar visível a sua presença. Esse é um mundo onde a Igreja deve estar presente e deve fazer ouvir a sua voz.

Sabemos que os nossos jovens estão cada vez mais presentes no mundo digital, nas Redes, muitos em busca de algo que possa ser útil para as suas vidas. É nesta busca que a Igreja deve ajudar.

Esse novo modelo de comunicação proposto pelo Vaticano poderá inspirar mudanças também na comunicação das igrejas locais?

Creio que cada realidade local tem as suas necessidades particulares. A Santa Sé está criando um modelo de comunicação para facilitar a divulgação da mensagem de “Pedro” e da Santa Sé. Em uma escala menor, em uma realidade menor, creio que é a mesma coisa. Penso em uma Diocese ou Arquidiocese que tem Rádio, TV, jornal, portal e não trabalham em sinergia, certamente teremos um trabalho dobrado e nem sempre com a eficiência que se poderia ter trabalhando juntos.

Há também uma grande preocupação de que os meios de comunicação da Santa Sé, não sejam somente visto como instrumentos de comunicação, mas como fonte de informação.

Tudo o que diz respeito à atividade do Papa, da Santa Sé e da Igreja no mundo, passa pela Secretaria de Comunicação, e através dela chega à grande mídia mundial. É cada vez mais importante esta ligação com a mídia mundial, pois a mídia mundial representa o acesso a bilhões de pessoas que talvez não conheçam ou não possam ter acesso aos meios de comunicação vaticanos. Uma ligação que também deveríamos aumentar no Brasil no que diz respeito aos meios de comunicação da Igreja.

Outra coisa. É necessária uma continuidade, pois as tecnologias se evoluem com uma velocidade impressionante. Mas junto com a evolução tecnológica, devemos também aprender a comunicar com uma nova linguagem, com uma linguagem mais adequada. Devemos chegar às pessoas de modo diferente para que a nossa mensagem seja bem recebida e possa contribuir na caminhada deste nosso mundo que passa por tantas dificuldades.

Que conselho você dá para aqueles que, como você, tem a missão de comunicar a vida e a missão da Igreja?

Temos como slogan na Redação brasileira “informar bem para formar bem”. Creio muito nisso, na qualidade da informação e na importância que ela tem. Graças a Deus temos hoje pastores na nossa Igreja que dão grande importância à comunicação e aos meios de comunicação. São dois aspectos que gostaria de sublinhar bem. Temos uma grande “notícia” para comunicar, a “boa Notícia”, e devemos, como cristãos ser comunicadores. A igreja nasceu para comunicar. Por isso, se não comunica, não corresponde à sua missão. Mas devemos aprender (se não sabemos) a comunicar, a dialogar com o coração e pensamento das pessoas. Todos estão sedentos da “boa Nova”, por isso, vamos comunicá-la bem. E os meios de comunicação são hoje os instrumentos que utilizamos para melhor comunicar e chegar às pessoas. Utilizar bem os meios é um desafio cotidiano. Um desafio que a nossa Igreja acolheu e hoje entrega esse desafio também nas nossas mãos, nas mãos dos leigos. Dai, a importância da formação que é essencial para responder às existências da nossa sociedade, que muitas vezes, está surda e cega aos apelos do ser humano.

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