INTERNACIONAL

Cardeal Luis Antonio Tagle

‘Todos necessitamos dar e receber hospitalidade, mas somente Deus é o anfitrião’

Por Fernando Geronazzo
20 de junho de 2018

Presidente da Caritas Internationalis, concedeu entrevista ao O SÃO PAULO, na qual falou sobre a “cultura do encontro”

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Durante sua rápida visita a São Paulo, na quinta-feira, 14, o Cardeal Luis Antonio Tagle, Arcebispo de Manila, nas Filipinas, e Presidente da Caritas Internationalis, concedeu entrevista ao O SÃO PAULO, na qual falou sobre a “cultura do encontro” diante dos desafios da migração, tema do Seminário Internacional de Migrações e Refúgio, realizado pela Cáritas Brasileira, entre os dias 12 e 14, em Brasília (DF), do qual participou. 

Cardeal Tagle destacou que o serviço da caridade promovido pela Igreja deve ser motivado pelo amor que nasce da experiência de fé no próprio Cristo e que a atuação da Cáritas precisa ir para além dos centros diocesanos e penetrar as comunidades paroquiais. Confira a íntegra da entrevista a seguir.

 

O SÃO PAULO - QUAIS AS QUESTÕES QUE MAIS LHE CHAMAM A ATENÇÃO EM RELAÇÃO À MIGRAÇÃO?

Cardeal Luis Antonio Tagle - Com mais de 65 milhões de pessoas movendo-se em todo o planeta, porque é tão difícil encontrá-los? Como podemos perder a oportunidade de encontrar um imigrante forçado ou um refugiado quando há milhões deles? Se contarmos as vítimas do tráfico ou contrabando de pessoas e as novas formas de escravidão, como podemos deixar escapar a oportunidade de encontrar ao menos um deles? Como podem ser invisíveis milhões de pessoas em contínuo movimento? É aqui que se faz necessário refletir sobre a cultura do encontro.

Em setembro de 2017, a Caritas Internationalis , como federação, inaugurou a campanha “Compartilhe a Viagem”, a partir da proposta do Papa Francisco de desenvolver uma cultura do encontro pessoal com os migrantes e refugiados, porque há uma tendência de encarar a migração apenas como um conceito. No entanto, tratase de um fenômeno que diz respeito ao ser humano. Cada migrante é uma pessoa que busca braços abertos, ouvidos que escutem sua história, pessoas próximas, irmãos e irmãs que estão prontos para dividir seu caminho.

 

COMO SE DESENVOLVE A CAMPANHA?

“Compartilhe a Viagem” se inspira nos princípios orientadores do Papa Francisco: acolher os migrantes e refugiados, melhorando canais seguros e legais para eles e assegurando que sua decisão de emigrar seja voluntária; protegê-los, assegurando sua dignidade e seus direitos, especialmente o direito à vida; promover seu desenvolvimento humano integral, para que ninguém seja deixado para trás ou seja excluído; e integrá-los na sociedade, possibilitando que compartilhem seus valores e sua cultura enquanto aprendem os da comunidade que os acolhe.

 

NO SEMINÁRIO EM BRASÍLIA, O SENHOR AFIRMOU QUE ‘TODOS NÓS, DESDE QUE NASCEMOS, SOMOS MIGRANTES NO MUNDO’. POR QUÊ?

É uma interpretação bíblica e ao mesmo tempo existencial. Todos nós estamos em viagem rumo à pátria definitiva. Nenhuma pessoa pode dizer a outra “eu sou proprietário desta terra e você é estrangeiro”. Todos nós estamos em viagem, só o Senhor Deus é o “proprietário” do mundo enquanto nós estamos em caminho. Todos necessitamos dar e receber hospitalidade, mas somente Deus é o anfitrião... A Igreja com os migrantes deve exercer a hospitalidade de Deus.

Jesus, foi um refugiado no Egito com Maria e José, e, inclusive, não teve onde dormir durante seu ministério. Ele se identifica com os migrantes: “Fui um estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35). A atitude em relação aos estrangeiros pode impactar em seu destino para sempre. No entanto, o temor ao estranho prevalece frequentemente. Como podemos superar este medo do outro? A menos que tenhamos uma experiência de encontro pessoal com o outro, nenhum diálogo funcionará. O temor nos cega para a humanidade do outro... Seria uma grande ajuda reconhecer no outro a mesma debilidade, fragilidade e impotência que nós mesmos experimentamos.

 

O PAPA FRANCISCO AFIRMA QUE A IGREJA NÃO É UMA ONG. EM QUE A CÁRITAS SE DISTINGUE DAS DEMAIS INSTITUIÇÕES HUMANITÁRIAS?

Antes de mais nada, é preciso dizer que as organizações não governamentais (ONGs) fazem um bem enorme. Porém, sua motivação é humanística. Sem dúvida isso é bom. No entanto, a Cáritas tem uma motivação de fé, de amor, que tem um nome: Jesus Cristo. A fé e a caridade são combinadas. A fé dá esperança não somente para as pessoas às quais a Caritas serve, mas também para o pessoal que atua na Caritas. Nesse sentido, é muito importante a formação humana e espiritual de todos os que trabalham na Cáritas. Um dos objetivos estratégicos da Caritas Internationalis nos últimos quatro anos é a formação do coração do pessoal da entidade, pois há uma tendência e até um perigo de se tornar apenas uma instituição de serviço humanitário. Todos os dias, seus agentes se deparam com a pobreza e a miséria. Sem a fé, há a tentação de perder a esperança, de serem pessoas aborrecidas ou desesperadas. Ou, por exemplo, a relação com os migrantes e refugiados atinge um nível de transação legal. Mas quando há fé, há sempre um encontro pessoal, há uma vivacidade que nutre essa relação. Tanto o Papa [Emérito] Bento XVI quanto o Papa Francisco afirmam que a Cáritas é a expressão do coração da Igreja, que nasce do coração de Jesus. Por isso, é importante formar as pessoas para a caridade.

 

EM SUAS VISITAS, O SENHOR TEM ENFATIZADO A IMPORTÂNCIA DE EQUIPES PAROQUIAIS DA CÁRITAS. POR QUÊ?

Para organizar e coordenar a caridade na Igreja particular, deve haver uma estrutura diocesana. Isso é muito importante. Porém, o serviço da caridade também deve penetrar as comunidades paroquiais. A Igreja local é constituída das paróquias e de suas pequenas comunidades de base. Existe a tendência de as paróquias passarem a responsabilidade do serviço da caridade apenas para um centro diocesano. Quando, por exemplo, uma pessoa pobre vai à paróquia buscar auxílio, é orientada a procurar o centro diocesano. Ou quando surge alguém com a necessidade de ser ouvida, dizem a ela: “Vá a esse local central que há uma mulher que escuta e orienta as pessoas”. A paróquia é o lugar do primeiro contato com o pobre. Por isso, é preciso formar uma pequena equipe paroquial como uma espécie de “pronto-socorro”, para as pessoas serem atendidas em suas primeiras necessidades e depois serem encaminhadas para um atendimento mais específico, desenvolvido pelo órgão diocesano.

 

QUAL AS SUAS IMPRESSÕES SOBRE O TRABALHO REALIZADO PELA CÁRITAS NO BRASIL?

Eu tive muito pouco contato com o trabalho concreto da Cáritas no Brasil. Mas, em Brasília, pude ouvir os testemunhos e partilhas de muitos daqueles que desenvolvem o serviço da caridade, bem como seus desafios. Eu fiquei muito encorajado ao ver e ouvir a bondade do povo da Cáritas Brasileira, e sua disponibilidade em fazer algo de bom para as pessoas mais necessitadas, especialmente pelos migrantes e refugiados, como aqui em São Paulo. Eu fiquei muito tocado por esse testemunho. Por isso, encorajo a todos a andarem avante e a não desanimarem. O caminho é longo, com tantos desafios, mas é a via justa.

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.
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