NACIONAL

Mario Montavani

Preservar a Mata Atlântica é responsabilidade de todos

Por Fernando Geronazzo
26 de junho de 2019

A Mata Atlântica é uma das florestas mais ricas em diversidade de espécies e, ao mesmo tempo, é uma das áreas mais ameaçadas do planeta. 

A Mata Atlântica teve o menor índice de desmatamento registrado em 34 anos, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica, publicados pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 23 de maio. De acordo com o estudo, que monitora o bioma desde 1985, entre 2017 e 2018 o desmatamento caiu 9,3% em relação ao período anterior (2016-2017). 


O relatório aponta que no último ano foram destruídos 11.399 hectares – ou 113 km² – de áreas de Mata Atlântica nos estados do bioma. No ano anterior, o desmatamento tinha sido de 12.562 hectares (125 km²). 


Além disso, dos estados abrangidos pelo bioma, nove estão no nível de desmatamento zero – Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, São Paulo e Sergipe. Mais três estados estão se aproximando desse índice: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Goiás. 


Em entrevista ao O SÃO PAULO, Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, destacou os principais desafios para preservar a floresta e ressaltou que o bioma é de suma importância para a qualidade de vida da sociedade. 


A Mata Atlântica é uma das florestas mais ricas em diversidade de espécies e, ao mesmo tempo, é uma das áreas mais ameaçadas do planeta. O bioma abrange uma área de aproximadamente 15% do total do território brasileiro, em 17 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe), dos quais 14 são costeiros. Hoje, restam apenas 12,4% da floresta que existia originalmente e, desses remanescentes, 80% estão em áreas privadas.


Mantovani também chamou a atenção para a necessidade de que a população tome consciência de que o bioma é patrimônio de todos na perspectiva da “casa comum”, proposta pelo Papa Francisco. Confira a íntegra da entrevista.

O SÃO PAULO – Como está a situação da Mata Atlântica hoje? 


Mario Mantovani – A situação está bem melhor do que quando começamos nosso trabalho de monitoramento há mais de 30 anos. Naquela ocasião, perdíamos a área de um campo de futebol a cada quatro minutos. Nessa época, tínhamos somente 10% da área original, que vai do Piauí ao Rio Grande do Sul, passando por 17 estados brasileiros, abrangendo 3.429 dos 5,5 mil municípios brasileiros. Portanto, estamos falando de uma floresta que teve grande importância na economia e onde vive 72% da população. 
Com o tempo, o monitoramento e a mobilização da sociedade, que não admitia mais perder essa quantidade de floresta em tão pouco tempo, houve uma grande reação desde a promulgação da Constituição de 1988 e da legislação de proteção ambiental. Hoje, chegamos a uma queda de 9,3%, o menor índice de degradação anual. Temos vários estados com nível zero de desmatamento e queremos avançar nisso. 

Quais são os principais impactos no bioma? 


A Mata Atlântica ficou muito fragmentada, e essas áreas sofrem com alguns fenômenos que agridem a floresta, como o chamado efeito de borda, causado por fogo, venenos e semente de capim. Outro fenômeno é a erosão genética, isto é, pelo fato de a área estar isolada, as espécies se reproduzem apenas entre elas. Temos, portanto, que combater não só o desmatamento, mas todos esses fenômenos. O Brasil possui uma meta, no Acordo de Paris (2015), de reflorestar 15% de floresta, e a Mata Atlântica seria um bom espaço para isso. 

Qual é a situação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo?  


A Mata Atlântica representa 15% do território nacional. O Estado de São Paulo abriga quase 20% da Mata Atlântica em seu território, concentrando-se principalmente na Serra do Mar e no Vale do Ribeira. Ainda há muita mata nessa faixa do Estado mais próxima ao litoral. No entanto, há regiões, como o Vale do Paraíba, que foram extremamente degradadas. No interior do Estado, praticamente não há cobertura florestal, sobretudo nas áreas de pastagens e de cultivo de cana-de-açúcar. Precisamos de um grande esforço para, pelo menos, começar a restaurar principalmente aquelas matas ciliares [nas margens dos rios].

Como é o trabalho da SOS Mata Atlântica? 


A SOS Mata Atlântica vem fazendo isso há muito tempo. A própria criação da Fundação foi em função de tentar evitar que houvesse o desmatamento. Tanto que o nosso logotipo é a bandeira do Brasil sem uma parte do verde. Todos os trabalhos que realizamos são de trazer informação. Nos anos 1980, por exemplo, fizemos um trabalho que mostrou a diferença da temperatura de aproximadamente 8°C entre o bairro dos Jardins, arborizado, e os bairros da zona Leste de São Paulo, onde há pouca vegetação. Temos, ainda, o Atlas da Mata Atlântica, em parceria com  o Inpe, com informações atualizadas a respeito da evolução do desmatamento. Também promovemos debates sobre o Código Florestal e das demais políticas públicas que buscam garantir que os 12% de mata remanescente tenha sua integridade. 

E em relação à legislação e proteção da Mata? 


Hoje, temos a Lei da Mata Atlântica (11.428), de 22 de dezembro de 2006, que trata da conservação, proteção, regeneração e utilização do bioma Mata Atlântica, patrimônio nacional. Foram 14 anos de tramitação no Congresso Nacional. É importante que todo cidadão procure conhecer essa lei e entender como ela se insere em sua realidade. Não se trata apenas de evitar o desmatamento, mas de saber usar e proteger essa floresta. Temos, portanto, muita contribuição para oferecer à sociedade para que tenhamos uma relação melhor com esse pouco de floresta que ainda resta. 


No entanto, preocupa-nos o que propõe a Medida Provisória 867, que altera o Código Florestal de 2012 [a MP adia o prazo para a regularização de propriedades rurais fora das normas do Código Florestal]. Isso pode impedir a recuperação de áreas já desmatadas. Precisamos ficar atentos e debater mais sobre isso, para que não haja retrocesso algum na legislação ambiental. É importante ter claro que a preservação da Mata Atlântica não é importante apenas para o mico-leão-dourado ver. Estamos falando de áreas importantíssimas para podermos ter água, fertilidade do solo, condições climáticas. São benefícios para toda a sociedade. 

 

Isso tem relação com o conceito de ‘casa comum’ enfatizado pelo Papa Francisco? 
Sim. O Papa Francisco foi muito feliz ao escrever a Encíclica Laudato Si’, chamando a atenção para o fato de que toda a natureza é criação de Deus e, por isso, é a “casa comum” de todos. Nós estamos falando de biodiversidade, de água, de clima, de proteção do nosso maior patrimônio, que é a natureza. Nosso esforço, como ONG, é de trazer essa consciência do coletivo. No Brasil, também as campanhas da fraternidade já destacavam essas questões. Precisamos, portanto, colocar isso em prática.

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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