NACIONAL

SAÚDE

Para regulamentar as pesquisas clínicas com seres humanos

Por Daniel Gomes
25 de outubro de 2019

Assegurando direitos e princípios éticos na relação entre o pesquisador e o paciente

PixaBay

Diante do diagnóstico de uma doença incurável, surge, de repente, o convite para participar de uma pesquisa clínica. Muitos dizem sim à proposta, com a esperança de cura, e muitas vezes nem pensam nas consequências futuras do tratamento, que podem ser negativas.
Para proteger os pacientes nessas situações, há em muitos países sistemas de regulação ética e legal para tais pesquisas. No Brasil, existem decretos e portarias a respeito do tema, mas se tem buscado a construção de uma legislação específica. Nesse sentido, já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7082/17, que tem a meta de orientar as pesquisas clínicas com seres humanos, assegurando direitos e princípios éticos na relação entre o pesquisador e o paciente, além de conferir agilidade na análise e no registro de medicamentos no País.
O texto, originário do Senado e que já sofreu alterações na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara, está sendo analisado pelos deputados na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que, no dia 16, realizou uma audiência pública. 

RESPEITO AO PACIENTE
Um dos pontos centrais do projeto de lei é que o participante da pesquisa clínica só o fará por “consentimento livre e esclarecido”, ou seja, precisará manifestar por escrito a vontade de colaborar com o estudo científico, após ter sido informado sobre todos os aspectos envolvidos. Crianças, adolescentes e pessoas incapazes só poderão participar caso a pesquisa não possa ser aplicada em adultos. 
Também será assegurado o anonimato e a privacidade ao participante, bem como sigilo de informações e o direito de desistir de colaborar com o estudo a qualquer momento. Ele não receberá qualquer remuneração pela participação, e, no caso de eventuais danos, se prevê que a indenização seja feita pela instituição que patrocina a pesquisa clínica. 

CONTROLE DAS AÇÕES
Atualmente, a realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil precisa ser previamente aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) – há mais de 850 deles no País – e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). No caso do uso de medicamentos e produtos fabricados fora do Brasil, é necessária, ainda, uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 
O projeto de lei prevê a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, formado por uma instância nacional, com função normativa e administrativa – atribuição que deverá ficar a cargo da Conep –, e uma instância local, responsável pela aprovação prévia da pesquisa e por assegurar direitos e o bem-estar dos participantes, tarefa que caberá aos CEPs.  

AGILIDADE NOS PARECERES 
Com a futura legislação, também se buscará dar celeridade para o início das pesquisas clínicas. Antoine Souheil Daher, presidente da Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras (Febrararas), alertou, na audiência pública, que a demora para o registro de novas terapias na Anvisa pode ser determinante para o óbito dos pacientes ou para que o tratamento comece a tempo de surtir efeito. 
Também para o oncologista Romualdo Barroso de Souza, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, ter o menor tempo de espera possível é fundamental “quando estamos diante de um paciente com uma doença incurável, com uma doença rara [aquelas que incidem, em média, em até 65 pessoas em um grupo de 100 mil habitantes]. Vários pacientes precisam de celeridade nos processos de investigação biomédica para que tenham uma chance de acesso a medicações efetivas contra suas enfermidades.” 
O texto do PL 7082/17 indica que estes pareceres devem ser feitos em até 30 dias, a partir da apresentação de todos os documentos necessários. 

E QUANDO A PESQUISA ACABAR?
Um dos pontos sob os quais ainda não há amplo consenso é se caberia ao pesquisador ou financiador da pesquisa clínica garantir gratuitamente e de modo ininterrupto o tratamento para o participante do estudo que esteja obtendo melhoria em sua condição clínica. 
“Acredito que se deva manter a medicação, pois a pessoa ajudou a testar aquele medicamento. Portanto, ela deu uma contribuição ao patrocinador e ao conjunto da sociedade. Essa situação não tem trazido prejuízos substanciais para as pesquisas no País. Imagine uma pessoa com câncer: ela entra na pesquisa, melhora, mas passados dois anos a pesquisa acaba, e vai se fazer o quê? Mandar a pessoa se virar? Seria uma desumanidade”, enfatizou Jorge Alves de Almeida Venâncio, coordenador da Conep. 
Já para Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, essa obrigatoriedade poderá impor dificuldades para que se consiga financiadores. Ela defendeu que passado o período da pesquisa clínica e comprovada a eficácia do tratamento, que o Governo Brasileiro regulamente o medicamento para que possa ser comercializado. 

ATRAENTE PARA OS FINANCIADORES 
Segundo dados da Anvisa, 90% dos estudos clínicos no Brasil em 2018 foram patrocinados por empresas estrangeiras. 
Paulo Fernandes, da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abraco), ressaltou que a aprovação do PL 7082/17 deixará o País mais competitivo no cenário da pesquisa mundial, já que atualmente apenas 2,1% do total de estudos clínicos no mundo são realizados no Brasil. “No campo da segurança jurídica, de previsibilidade, o projeto de lei vai conferir a todos os atores envolvidos um arcabouço legal que garanta responsabilidades bem delimitadas”, avaliou.
Para Valdiléa Gonçalves Veloso dos Santos, diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, uma vez que o Ministério da Saúde reconheça a importância de uma pesquisa, deve se prever na futura lei “um dispositivo que permita que a instituição colaboradora, responsável pela pesquisa no País, possa assumir a responsabilidade e isentar o financiador de ser obrigado a cobrir indenização ou de manter a medicação por cinco ou mais anos”. 

(Com informações da revista de Associação Médica Brasileira, Anvisa e Câmara Notícias)

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.