VATICANO

Sínodo para a Amazônia

Padres sinodais apresentam propostas para evangelização e defesa da vida na Amazônia

Por Redação, com Vatican News
18 de outubro de 2019

Os relatórios das reuniões dos círculos menores servirão de base para a redação de documento final do Sínodo, que será entregue ao Papa Francisco

Os 12 grupos linguísticos de participantes dos Sínodo para a Amazônia concluíram seus relatórios dos trabalhos dos círculos menores com as propostas que servirão de base para o Documento Final da Assembleia Sinodal.

Ao longo da próxima semana, os padres sinodais trabalharão sobre o texto desse documento, que, ao final do Sínodo, será entregue ao Papa Francisco para que ele possa discernir e tomar decisões e eventuais deliberações para a Igreja na Amazônia.

O conteúdo desses relatórios foi publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé e, em síntese, destacam que o Sínodo “é um dom precioso do Espírito para a Amazônia e para toda a Igreja tanto no aspecto teológico pastoral, quanto pela inevitável tarefa do cuidado da Casa Comum”.

Também é um ponto comum das reflexões dos grupos que a assembleia sinodal “é um kairós, tempo de graça, ocasião propícia para a Igreja se reconciliar com a Amazônia”.

Leia, abaixo, uma síntese das propostas:

UM SÍNODO PARA TODA A IGREJA

Todos os textos lidos publicamente exprimem a esperança de que seja desenvolvido um novo caminho sinodal na Amazônia e que, da assembleia do Sínodo dos Bispos no Vaticano, seja criada uma fervorosa paixão missionária de uma verdadeira Igreja em saída. O desejo é de que o “viver bem” amazônico se encontre com a experiência das bem-aventuranças: de fato, à luz da Palavra de Deus, alcança a sua plena realização. As propostas concretas que nasceram são muitas e variadas e provêm de vários círculos que fazem questão de esclarecer: este não é um Sínodo regional, mas universal, o que acontece na Amazônia refere-se a todo o mundo.

A IGREJA NÃO DEVE SER UMA ONG

Os relatórios advertiram que a Igreja tem a tarefa de acompanhar a obra dos defensores dos direitos humanos muitas vezes criminalizados pelos poderes públicos. Porém, ao mesmo tempo, não deve agir como uma organização não governamental (ONG). Este risco, apontaram os bispos, acompanhado com o de se apresentar de forma exclusivamente ritualista, provoca muitas vezes o abandono de muitos fiéis que buscam respostas à sua sede de espiritualidade junto das seitas religiosas ou outras confissões cristãs. Portanto, dos círculos menores também chegou um pedido para que seja dada maior atenção ao diálogo ecumênico e inter-religioso.

MINISTÉRIOS LEIGOS

Para incentivar uma ação pastoral efetivamente presente na vida das comunidades, encorajou-se um maior incentivo e valorização da ação evangelizadora dos leigos. De quase todos os círculos menores chegou o pedido de aprofundar o significado do conceito de “Igreja ministerial”, ou seja, uma Igreja onde possa coexistir corresponsabilidade e compromisso dos leigos. O Círculo “Espanhol A” pede, por exemplo, que seja concedido de modo equilibrado ministérios a homens e mulheres leigos, abstendo-se, porém, do risco de clericalizá-los. Em nível geral, propõe-se uma cuidadosa reflexão sobre os ministérios do leitorato e acolitato também a mulheres, religiosas ou leigas, adequadamente formadas e preparadas.

Também foi enfatizado que a formação dos leigos deve ser integral, não apenas doutrinal, mas também kerigmática, fundada na doutrina social da Igreja e que leve à experiência e ao encontro com o Ressuscitado.

SACERDÓCIO E ‘VIRI PROBATI’

Sobre o tema da falta de sacerdotes na região amazônica as propostas dos grupos divergem. Ao evidenciar que o valor do celibato, dom a ser oferecido às comunidades indígenas, não está em discussão, o Círculo “Italiano A” alerta quanto ao risco de que este valor seja enfraquecido ou que a ordenação e homens casados, os chamados viri probati, possa desestimular o impulso missionário da Igreja Universal a serviço das comunidades mais distantes.

A maior parte dos relatórios, principalmente as de língua espanhola e portuguesa, argumentando a necessidade de uma Igreja “de presença” mais do que “de visita”, exprime-se favorável à concessão do presbiterado a homens casados, de boa reputação, preferivelmente indígenas escolhidos pelas comunidades de proveniência, mas em condições específicas.

Esses grupos salientaram que não deve ser esquecido o drama das muitas populações da Amazônia que atualmente recebem os sacramentos apenas uma ou duas vezes por ano. Por outro lado, também foi pedido às comunidades locais para reforçarem a consciência de que também a Palavra representa um alimento espiritual para os fiéis.

Como a discussão a respeito do sacerdócio não diz respeito apenas à Igreja na Amazônia, mas no mundo todo, sugeriu-se até a realização de um Sínodo universal específico sobre o tema dos viri probati.

CRISE VOCACIONAL E FORMAÇÃO SACERDOTAL

Considerando a dimensão do território pan-amazônico e a escassez de ministros, foi cogitada a criação de um fundo regional para a sustentabilidade da evangelização. Além disso, o Círculo “Italiano A” exprimiu “perplexidade” com relação à “falta de reflexão sobre as causas que levaram à proposta de superar de algum modo o celibato sacerdotal como foi expresso pelo Concílio Vaticano II e pelo magistério sucessivo”.

Ao mesmo tempo, espera-se uma formação permanente ao ministério com o objetivo de configurar o sacerdote a Cristo e se exorta o envio à Amazônia de missionários que atualmente exercem o ministério sacerdotal no norte do mundo. Diante da crise vocacional, os círculos menores relevam uma diminuição substancial da presença de religiosos na Amazônia e esperam uma renovação da vida religiosa que, sob impulso da Confederação latino-americana dos religiosos (CLAR), seja promovida com renovado fervor, de modo especial no que se refere à vida contemplativa.

Ao mesmo tempo propõe-se o fortalecimento da formação dos sacerdotes, que não deve ser apenas acadêmica, mas também realizada nos territórios amazônicos com experiências concretas de “Igreja em saída”, ao lado dos que sofrem. Foi solicitada também a constituição de seminários indígenas.

MULHER E DIACONATO

O tema da mulher está presente em mais de um relatório com o pedido de reconhecer, também em papéis de maior responsabilidade e liderança, o grande valor oferecido pela presença feminina no seu serviço específico à Igreja na Amazônia. Pede-se para garantir, por exemplo no âmbito de trabalho, o respeito dos direitos das mulheres e a superação de qualquer tipo de estereótipo. A maior parte dos Círculos Menores manifestou o pedido de que seja dada atenção ao estudo da possibilidade do diaconato para as mulheres, considerando que muitas funções deste ministério já são desempenhadas pelas mulheres na região.

Em 2016, o Papa Francisco criou uma comissão para o estudo das possibilidades teológicas e pastorais do diaconato feminino. Contudo, ainda não há uma conclusão sobre esse assunto. Em maio, durante sua viagem à Macedônia, o Pontifice explicou que não há certeza de que o diaconato exercido na Igreja primitiva fosse, de fato, “uma ordenação com a mesma forma e com a mesma finalidade que a ordenação masculina”.

DIÁLOGO INTERCULTURAL E INCULTURAÇÃO

Os círculos menores pedem que seja consolidada uma teologia e uma pastoral de “rosto indígena”, na qual diálogo intercultural e inculturação não são entendidos como opostos. A tarefa da Igreja não é a de decidir pelo povo amazônico ou assumir uma posição de conquista, mas acompanhar, caminhar junto numa perspectiva sinodal de diálogo e escuta.

Foi proposto o desenvolvimento de um “rito amazônico” no qual, conforme explicado em um dos relatórios, “devem ser valorizados os símbolos e gestos das culturas locais na liturgia da Igreja na Amazônia, conservando a unidade substancial do rito romano, visto que a Igreja não quer impor uma uniformidade rígida no que não afeta a fé”.

Ainda foi sugerida a promoção do conhecimento da Bíblia, favorecendo a tradução nas línguas locais. Nessa ótica, foi proposta a criação de um Conselho Eclesial da Igreja Pan-amazônica, uma estrutura eclesiástica ligada ao Celam, Repam e Conferências Episcopais dos países amazônicos.

AO LADO DOS POBRES E CONTRA A VIOLÊNCIA

Os padres sinodais enfatizaram a necessidade de a Igreja ouvir “o grito dos povos” e da natureza, estando ao lado dos mais pobres e combatendo toda forma de violência. Na Amazônia a violência assume várias faces: cárceres lotados; abusos e exploração sexuais; violação dos direitos das populações indígenas; assassinatos daqueles que defendem seus territórios; tráfico de drogas e narco-business; “extermínio” da população jovem; tráfico de seres humanos, feminicídios e na cultura de violência contra as mulheres; genocídio, biopirataria, etnocídio. Tais males, segundo os bispos, devem ser combatidos “porque matam a cultura e o espírito”. Também é muito clara a condenação da violação extrativista e o desmatamento. Foi destacada, ainda, a ligação entre abuso dos mais frágeis e da natureza. Entre as várias emergências colocadas em evidência, foi dado também espaço ao tema da crise climática.

DEFESA DA VIDA E DOS DIREITOS HUMANOS

Mais de um círculo menor solicitou a instituição de um Observatório Internacional dos Direitos Humanos, na convicção de que a defesa dos povos e da natureza deva ser prerrogativa de uma ação pastoral e eclesial. Além disso foi sugerido que as paróquias criem espaços seguros para as crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis. Reiterou-se o direito à vida de todos desde a concepção até a morte natural.

MISSIONARIEDADE E MARTÍRIO

Foi sugerida, também, a criação de um Observatório sócio-pastoral pan-amazônico em coordenação com o Celam, as comissões de Justiça e Paz das dioceses, a CLAR e a Repam. Os grupos ressaltaram, ainda, a distinção entre Igreja “indigenista”, que considera os indígenas destinatários passivos da pastoral, e Igreja “indígena”, que os vê como protagonistas da própria experiência de fé, segundo o princípio “Salvar a Amazônia com a Amazônia”. É importante também valorizar o exemplo dado por muitos missionários que deram a vida na Amazônia por amor ao Evangelho. Um dos círculos propôs incentivar os processos de beatificação dos “mártires da Amazônia”.

MIGRAÇÃO, JUVENTUDE E CIDADE

Nos relatórios, não faltaram menções aos povos isolados voluntariamente e foi pedido para que eles sejam acompanhados pelo trabalho de equipes missionárias itinerantes. Foi dado espaço também ao tema da migração, sobretudo juvenil. Hoje, 80% da população da Amazônia se encontra nas cidades. Um fenômeno que muitas vezes causa consequências negativas como a perda da identidade cultural, a marginalização social, a desintegração ou instabilidade familiar. Torna-se cada vez mais urgente a evangelização dos centros urbanos e a pastoral deve se adequar às circunstâncias sem se esquecer das favelas, das periferias e das realidades rurais. É urgente também uma pastoral juvenil renovada. No âmbito pedagógico, pede-se à Igreja para promover, de forma decisiva, a educação intercultural bilíngue e incentivar uma aliança de redes de universidades especializadas na ciência da Amazônia e na instrução superior intercultural para as populações indígenas.

TUTELA DA CRIAÇÃO

A dimensão ecológica é central nos relatórios dos círculos menores, em que se reitera que a criação é uma obra-prima de Deus na qual tudo está interligado. Pede-se para não se esquecer de que “uma conversão ecológica verdadeira começa na família e passa por uma conversão pessoal, de encontro com Jesus”.

A partir dessa premissa, foram abordadas questões práticas como as temperaturas elevadas ou combate às emissões de CO2 (dióxido de carbono). Incentiva-se um estilo de vida mais sóbrio e a proteção de bens preciosos incomparáveis, como a água, direito humano fundamental que, se privatizado ou contaminado, corre o risco de prejudicar a vida de comunidades inteiras. Deve ser destacado o valor das plantas medicinais e incentivado o desenvolvimento de projetos sustentáveis, através de cursos que levem ao conhecimento de segredos e da sacralidade da natureza, segundo a visão amazônica. Alguns círculos propõem o desenvolvimento de projetos de reflorestamento nas escolas de formação em técnicas agrícolas.

PECADO ECOLÓGICO E ECONOMIA SOLIDÁRIA

Nessa ótica, acrescenta-se a proposta de inserir o tema da ecologia integral nas diretrizes das conferências episcopais e incluir na Teologia Moral o respeito pela Casa Comum e o conceito dos pecados ecológicos, por meio de uma revisão dos manuais e rituais do Sacramento da Penitência.

“A visão antropocêntrica utilitarista é obsoleta e o homem não pode mais submeter os recursos naturais a uma exploração ilimitada que coloca em perigo a humanidade”, destacou um dos relatórios. É necessário contemplar o imenso conjunto de formas de vida no planeta em relação umas com as outras, promovendo também um modelo de economia solidária e instituindo um ministério para o cuidado da Casa comum, conforme proposto pelo Círculo “Português B”.

COMUNICAÇÃO

Por fim, alguns relatórios deram espaço ao tema dos meios de comunicação. As redes católicas de comunicação devem ser incentivadas a colocar a Amazônia no centro de sua atenção a fim de difundir boas notícias e denunciar todo tipo de agressão contra a natureza e anunciar a verdade.

Foi proposto, ainda, o uso das redes sociais na Web Rádio, na Web TV e na comunicação rádio a fim de difundir as conclusões do Sínodo. Deseja-se que o “rio” do Sínodo, com a força do “rio amazônico”, transborde dos muitos dons e sugestões oferecidos nas reflexões dos padres sinodais, na Sala do Sínodo, e que dessa experiência de caminhar juntos, possa jorrar novos caminhos para a evangelização e a ecologia integral.

(Fotos: CNBB)

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