NACIONAL

José Manoel Bertolote

‘O suicídio não tem nada de glorioso, é sempre uma tragédia’

Por Redação
13 de novembro de 2017

José Manoel Bertolote é psiquiatra, autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção” e consultor da Organização Mundial da Saúde. Ele concedeu uma entrevista à rádio 9 de Julho , durante o Programa Construindo Cidadania, em setembro, na qual falou sobre possíveis causas do suicídio, indicadores e como as pessoas próximas podem contribuir para a prevenção.
 

Assessoria de Comunicação e Imprensa da FMB/Unesp

O QUE É O SUICÍDIO DENTRO DO CONTEXTO PSIQUIÁTRICO?

José Manoel Bertolote - O problema não é só o contexto, seja religioso ou psiquiátrico – a questão é a percepção cultural do suicídio. Quando se trata do suicídio de uma celebridade, por exemplo, parece haver certa glorificação ou glamourização do suicídio.  Nem sempre, na grande imprensa, o suicídio é apresentado como um fato da perspectiva psiquiátrica, mas somente como um fato extremamente triste. Na maioria das vezes, porém, o ato está associado a transtornos mentais e praticamente sempre associado a um enorme sofrimento individual. Portanto, na minha opinião como estudioso e como psiquiatra, o suicídio não tem nada de glorioso, é sempre uma tragédia.

 

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EXISTE ALGUM GRUPO MAIS SUSCETÍVEL AO SUICÍDIO?

Existe. O grupo mais vulnerável – em todos os países em que isso foi examinado – é justamente o dos portadores de transtornos e de doenças mentais, das quais eu destaco duas: a depressão e o abuso do uso de álcool ou drogas. Quando estudamos os números de pessoas que se suicidaram, mais de 60% delas tinham, no momento do suicídio, um quadro de depressão ou de alcoolismo. 

A depressão, de forma muito ‘pesada’, contribui para o suicídio. Talvez, de todos os transtornos mentais, seja o mais frequentemente associado ao suicídio. Em homens, em geral, a depressão tem uma associação que nós chamamos de comorbidade com o uso de álcool [ou seja, a associação de duas doenças]. Nós temos já dois fatores que contribuem para levar o indivíduo ao desespero e considerar a possibilidade de suicídio. 

 

A PROXIMIDADE COM OUTRAS PESSOAS PODE AJUDAR A EVITAR CASOS DE SUICÍDIO?

Ajuda imensamente. Os estudos mostram que grande parte das pessoas que morreram por suicídio deram muitos sinais. O que acontece é que nós não conseguimos ou não temos disponibilidade para ler os sinais. Todos os estudos mostram que mais de um terço dos que se suicidaram deram sinais mais ou menos claros. Mas, nem sempre estamos abertos a receber esse pedido de ajuda. O pedido não é assim: “Por favor me ajude que eu estou desesperado, eu vou me matar!”. Isso é extremamente raro. Isso acontece, por exemplo, com as pessoas que ligam para o Centro de Valorização da Vida (CVV). Agora, no dia a dia, quando se refere aos nossos familiares, colegas e amigos, o que eles nos mostram é o sofrimento, o desespero, uma mudança muito radical no comportamento e que nós por conveniência, ou por medo, e até receio de fazer uma bobagem, deixamos passar. E muitas vezes, com isso, perdemos uma vida.

 

COMO PODEMOS IDENTIFICAR ESSES SINAIS?

Começa por aí, uma imagem que eu sempre uso é ‘cão que ladra, não morde’. Se eu passo na rua e os cães estão latindo, eu não vou provocá-los. Quando uma pessoa diz: “Um dia eu vou fazer isto!”, esse tipo de informação deve ser considerada e merece um encaminhamento. O encaminhamento não é, necessariamente, o psiquiatra – na comunidade, nós temos amigos, nós temos padres, temos pastores, temos conhecidos com mais experiência, professores. Em uma situação de alguém que está sofrendo, vamos olhar para essa pessoa. Procurar um hospital psiquiátrico é o último recurso. 

 

EM QUE MEDIDA A RELIGIÃO INFLUENCIA OU PREVINE O SUICÍDIO?

Eu acho que a religião tem um grande papel. Anos atrás, fiz um estudo comparativo entre países que eram predominantemente ateus  e aqueles em que havia predomínio de religião - católicos,  protestantes, hinduístas, mulçumanos.  Precisamos lembrar que também dentro de um país predominantemente católico como o Brasil, há ateus e na Rússia e na China, que são países ateus, há também católicos. Mas, fazendo uma análise geral dos países, as taxas de suicídio nos países assumidamente ateus eram assustadoramente mais altas do que países onde há predominância de uma religião. E, dentro das religiões, há graus de suicídio, sendo o mais alto em países de religião protestante, mais baixo em países de religião católica e mais baixo ainda em países mulçumanos – são os países com a menor taxa de suicídio. Isso porque o Islã tem uma postura fortemente negativa em relação ao suicídio – é considerado um dos piores pecados. Eles não têm a divisão de pecados mortais [e veniais], mas eles têm os pecados que são irreversíveis e o suicídio é um deles. 

 

EXISTEM PESSOAS QUE COMETEM SUICÍDIO POR VINGANÇA?

Existe, mas é um número menor de casos. A imensa maioria dos casos é de suicídios lentos, muito discretos e silenciosos. Esses casos espetaculares, quando alguém pula de um prédio com o filho no braço, viram manchete e nós ficamos com a sensação de que isso é mais comum do que de fato é, na realidade, mas é um suicídio muito raro. O suicídio de vingança, mais do que um ato de heroísmo, é um ato de desespero e de sofrimento. E algumas pessoas que se suicidam com os filhos, por exemplo, o fazem porque, na sua perturbação mental, entendem que os filhos ou o ser amado também estão sem saída, como ele. Para não deixar alguém desprovido, ele, nesse momento, leva o outro junto. 

 

COMO A FAMÍLIA PODE PERCEBER OS INDICADORES?

O primeiro deles é a manifestação, ou de um cansaço com a vida, esgotamento, ou “eu não aguento mais”, “não quero mais viver”, “a vida já perdeu a graça”. Isto com pessoas de mais idade. Entre os mais jovens, ou seja, os adolescentes, o início do sofrimento se manifesta por uma mudança brusca de comportamento. Aquele rapaz ou aquela moça que era mais ou menos sociável começa a se fechar dentro de casa, cada vez mais dentro do quarto. Pode estar iniciando um processo de depressão que, quando evolui, pode se tornar um suicídio. Pelo contrário, uma pessoa muito quietinha que desanda a fazer barbaridades – esses são sinais indiretos de que há um problema com aquela pessoa.

 

QUAL A SITUAÇÃO DO SUICÍDIO NO BRASIL?

No Brasil, em particular, o suicídio aumenta sobretudo entre os mais jovens. Na média mundial, o suicídio está aumentando na faixa média de idade, de 40 a 50 anos. No Brasil, o aumento é entre 20 e 30 anos.

 

As opiniões expressas na entrevista são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.

 

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