SÃO PAULO

MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO

Mudanças no trânsito em boa direção?

Por Daniel Gomes
26 de junho de 2019

Principais alterçoes previstas: 

                                                                      

Reduzir a burocracia na gestão das questões de trânsito, onerar menos o cidadão com multas e confiar na autonomia dos motoristas para tomar decisões sensatas são, em linhas gerais, as principais justificativas do governo Bolsonaro para a proposição do projeto de lei (PL) 3267/19, entregue à Câmara dos Deputados, no dia 4, prevendo mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Entre as alterações estão o aumento no limite de pontos para a perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), duplicação do intervalo de tempo para a realização do exame de aptidão física e mental para renovar a carteira, mudanças para o uso de farol baixo em rodovias, punições mais brandas para motociclistas sem itens de segurança, fim das multas pelo não uso do dispositivo de retenção especial (cadeirinha) no transporte de crianças e fim da obrigatoriedade do exame toxicológico para as categorias C, D e E (veja detalhes na imagem acima). 
“Começamos a acreditar mais na população. Quanto mais lei tem o país é sinal de que ele não está indo no caminho certo. Quanto menos leis, o povo está mais consciente dos seus deveres”, afirmou Bolsonaro, na entrega do projeto. O PL vai ser analisado em caráter conclusivo por uma comissão especial da Câmara. Se aprovado, será enviado diretamente para a apreciação do Senado.

Exame toxicológico
O fim da exigência do exame toxicológico tem sido um pedido recorrente de caminhoneiros e outros motoristas habilitados nas categorias C, D e E, que, a cada dois anos e meio, devem fazê-lo em laboratórios credenciados. O exame permite atestar se o motorista consumiu, nos últimos três ou seis meses, substâncias psicoativas que comprometam a capacidade de dirigir. 
O engenheiro Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), defende que haja mudanças no exame, mas não que deixe de existir: “Não se pode dirigir sob o efeito de drogas, e isso deveria ser medido no ato da direção, e não em períodos, como é hoje. O projeto de lei suprime um modelo e dá a entender que não haverá outro. É um erro”. 

Mais pontos 
Para justificar o aumento no limite de pontuação acumulada de infrações de 20 para 40 pontos, o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, disse que “dois terços das penalidades do CTB são graves ou gravíssimas, então acaba sendo muito fácil o cidadão perder a carteira por atingir a pontuação. Isso tem se mostrado ineficaz, porque os Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans), não conseguem operacionalizar os processos para suspensão do direito de dirigir”.
Para Néspoli, “aumentar os pontos porque os governos não dão conta de fazer a suspensão ou a renovação de quem está com a carteira suspensa é equivocado. É como dizer: ‘Eu não vou cuidar da segurança porque os governos não conseguem fazer tal coisa’”, opinou ao O SÃO PAULO, dizendo, ainda, que com a mudança as pessoas talvez entendam “que a legislação está mais frouxa e que podem abusar mais”. 

Renovação da CNH
Atualmente, motoristas com até 65 anos passam por exame de aptidão física e mental a cada cinco anos. O PL amplia esse intervalo para dez anos. Pessoas acima dessa idade hoje devem fazê-lo de três em três anos. Com a mudança, o farão a cada cinco anos.  O PL amplia esse intervalo, respectivamente, para dez e cinco anos. 
O projeto de lei também acaba com a obrigatoriedade de que o exame seja apenas feito por médicos especialistas em Medicina de Tráfego, em clínicas credenciadas pelos departamentos estaduais de trânsito. Tal mudança foi criticada, em nota, pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). A entidade lembrou que,  “por meio da Medicina de Tráfego, os médicos que realizam o exame de aptidão física e mental têm a oportunidade de promover a saúde e a segurança no trânsito dos indivíduos e da coletividade, sendo sistematicamente disponibilizados conceitos fundamentais para a sua execução, embasados em legislações específicas, nos consensos aprovados e nas diretrizes da especialidade”. 

Fim da ‘multa da cadeirinha’
Um dos pontos mais polêmicos do PL 3267/19 é o fim da aplicação da multa para quem transportar crianças indevidamente. Somente em 2018, essa infração de trânsito resultou em quase 123 mil multas. 
Desde 2008, por força da Resolução 277 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), crianças com até 7 anos e meio devem viajar no banco traseiro em cadeirinha adaptada ao seu tamanho e peso. Desta idade até 10 anos, a obrigação é que elas viajem no banco traseiro e usem cinco de segurança. O projeto de lei incorpora ao CTB essas determinações, mas, em vez da multa, a punição será uma advertência por escrito. 
Em nota conjunta, o Departamento Científico de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade de Pediatria de São Paulo, a Fundação José Luiz Egydio Setúbal, a Fundação Thiago Gonzaga, o Instituto Alana, a Avante-Educação e Mobilização Social, a Criança Segura Safe Kids Brasil, a Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, a Abramet e a Associação Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado criticaram o fim da aplicação dessa multa e lembraram que, em 2017, um total de 279 crianças perderam a vida e outras 579 foram internadas em estado grave no Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de acidentes de trânsito. “Para que a criança esteja de fato protegida em caso de um acidente de trânsito, é essencial que ela utilize o equipamento correto para sua idade, peso e altura. Esses dispositivos, quando usados corretamente, reduzem em até 71% o risco de morte em caso de colisão”, afirmaram. 
Preocupação semelhante tem o médico Sandro Reginaldo, ortopedista titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia: “Em vários países, já se provou, com índices consistentes, que a partir do momento que hexiste uma política mais rígida, inclusive com aplicação de multa, há um controle maior do número de acidentes”, disse à reportagem.

Mais oneroso aos cofres públicos
Ainda de acordo com o Ortopedista, além do risco de mais mortes no trânsito, a flexibilização da legislação pode impactar os cofres públicos: “A vítima de acidente de trânsito, muitas vezes, onera demais o SUS, sem contar a questão das sequelas, com custos previdenciários em decorrência disso”. 
Conforme dados publicados em maio pelo Conselho Federal de Medicina, entre os anos de 2009 e 2018, os acidentes de trânsito deixaram mais de 1,6 milhão de brasileiros feridos e representaram um custo de R$ 2,9 bilhões ao SUS.

Por mais diálogo 
O Superintendente da ANTP pontuou que “o governo não pode mudar coisas drásticas e importantes sem um debate técnico. Na área de trânsito, já há muita coisa experimentada, definida e normatizada em todo o mundo, com evidências científicas”, comentou Néspoli, desejando que tal debate aconteça ao longo da tramitação do PL na Câmara e no Senado.
Esse também é o pedido dos possíveis beneficiados com as medidas, como os caminhoneiros. Em sua página no Facebook, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) disse entender que o projeto “vem ao encontro dos objetivos do presidente Bolsonaro de desburocratizar os processos administrativos e desarticular a ‘indústria das multas’. Contudo, preocupamo-nos com a flexibilização das penalidades elencadas no Código de Trânsito. Esperamos que o projeto seja amplamente discutido no Congresso Nacional e com todos os setores diretamente envolvidos”. 

Foto: Edilma de Oliveira 
 

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