NACIONAL

Carlos Magno Fortaleza

Crescimento da dengue em São Paulo deixa a saúde pública em alerta

Por Cleide Barbosa e Fernando Geronazzo
11 de fevereiro de 2020

Infectologista da Universidade Estadual Paulista explica o significado do crescimento do contágio da doença e esclarece como identificá-la e preveni-la. 
 

A cidade de São Paulo registrou um aumento de mais de 2.000% no número de casos de dengue em apenas um ano, de acordo com o levantamento divulgado no mês de janeiro pela Secretaria Municipal de Saúde. Nesta entrevista, o professor Carlos Magno Fortaleza, infectologista da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Botucatu (SP), explica o significado do crescimento do contágio da doença e esclarece como identificá-la e preveni-la. 

O SÃO PAULOCOMO O SENHOR ANALISA ESTES NÚMEROS TÃO EXPRESSIVOS? 
Carlos Magno Fortaleza – Para entendermos o que aconteceu com a dengue, é preciso uma série temporal maior, ou seja, verificar o que ocorreu em vários anos anteriores. O que houve é que, por volta do período entre 2007 e 2015, tivemos a circulação do vírus da dengue do tipo 1. Ocorre que, com o tempo, boa parte da população de São Paulo ficou imunizada contra esse tipo de vírus. Portanto, os anos de 2017 e 2018 foram bastante tranquilos. Em 2019, tivemos a entrada do vírus do tipo 2, que circulou com muito mais força, de modo que, neste verão 2019-2020, é esperado que tenhamos mais casos do que no verão 2017-2018. 

O SENHOR PODE DETALHAR QUAIS SÃO OS TIPOS DE DENGUE? 
Temos quatro tipos de vírus de dengue circulante. Todas as pessoas podem ter cada um deles uma vez, o que significa que podem adquirir a doença mais de uma vez. Quando alguém já teve dengue no passado e contrai um novo tipo, tende a apresentar um quadro mais grave. Por isso, este ano, são esperados mais casos que requeiram hospitalização. Há necessidade de um cuidado maior, já que estamos falando da dengue do tipo 2 circulando em uma população altamente exposta a outros tipos da doença, como foi com os tipos 3 e 1 nas décadas passadas. 

ISSO PODE OCASIONAR UMA EPIDEMIA MAIS GRAVE? 
Certamente. São Paulo é uma cidade à qual a dengue chegou muito recentemente. Se compararmos a capital com o oeste do estado, com a região litorânea ou mesmo com a Grande Campinas, por exemplo, perceberemos que a dengue só começou a afetar fortemente São Paulo nos últimos cinco anos. Tivemos enormes epidemias com a dengue do tipo 1 e, se essas pessoas forem infectadas com o vírus do tipo 2, poderão apresentar quadros mais graves. Portanto, de fato, é uma situação para deixar a saúde pública em alerta. 

COMO REALIZAR O CONTROLE URBANO DA DOENÇA? 
Esse é um enorme desafio. Eu estive à frente do controle de dengue no estado de São Paulo, de 2005 a 2007, e percebemos que, além da ação do poder público, enviando agentes de controle de vetores, há necessidade de que cada cidadão se conscientize e elimine os criadouros dos mosquitos transmissores da doença. Há, ainda, a necessidade de que continuemos a realizar pesquisas para identificar uma vacina eficaz contra o vírus da dengue. Já existe uma disponível, mas ela tem alguns problemas relacionados à segurança. Também há medidas de controle ecológico. Por exemplo, foi identificada recentemente uma bactéria que infecta o mosquito transmissor; ou o uso de mosquitos transgênicos que se acasalam com as fêmeas e produzem ovos inférteis. São ações que ainda são muito complexas, mas que apontam no futuro para um controle mais ecológico da dengue, que nos deixa com alguma esperança. É muito difícil em uma cidade tão caoticamente urbanizada como São Paulo eliminar todos os criadouros do mosquito da dengue. Se cada pessoa, na sua residência, no entanto, fizer a sua parte, certamente a transmissão da dengue será menor. 

COMO FUNCIONA E QUAL É A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SOLTAR MOSQUITOS COM ESSA BACTÉRIA QUE INFECTA OS DEMAIS? 
A efetividade real ainda precisa ser comprovada, já que todos os testes foram feitos em locais específicos, em situações muito controladas. Essa bactéria se chama Wolbachia, não causa dano algum ao ser humano, infecta o mosquito e pode ser transmitida para suas crias, de modo que já nascem infectados. Sabe-se que os mosquitos infectados por essa bactéria têm dificuldade para transmitir os vírus da dengue, zika e chikungunya. Portanto, a liberação na natureza de mosquitos infectados por essa bactéria é uma das soluções possíveis para a redução, no futuro, não só da dengue como das outras doenças transmitidas pelo mosquito 
Aedes aegypti. 

POR QUE A TRANSMISSÃO DO VÍRUS DA DENGUE É MAIOR DO QUE AS OUTRAS CHAMADAS ARBOVIROSES (ZIKA, CHIKUNGUNYA E FEBRE AMARELA)? 
Temos duas razões para isso. A primeira é que existem quatro tipos de vírus da dengue e desses outros citados só existe um tipo de cada; logo, as pessoas os contraem apenas uma vez. A outra razão tem a ver com competência vetorial. Especificamente, é bastante claro: o mosquito é um transmissor muito mais competente da dengue do que da febre amarela, o que é muito bom, porque não temos tido casos urbanos de febre amarela transmitidos pelo Aedes aegypti identificados no Brasil. Os casos que temos são silvestres, transmitidos por outros mosquitos. Quanto ao zika e o chikungunya, são necessários novos estudos, mas, aparentemente, também a competência do mosquito na transmissão da dengue pode ser maior. 

MUITAS PESSOAS DEMORAM PARA IDENTIFICAR OS SINTOMAS DA DENGUE POR SE ASSEMELHAREM A UMA GRIPE. QUAIS SERIAM OS SINAIS MAIS PRÓPRIOS DESSA DOENÇA? 
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a dengue não costuma apresentar sintomas respiratórios. Ao contrário de doenças como sarampo, ela não deixa a pessoa com o nariz congestionado, com tosse etc. A dengue é principalmente caracterizada por dor no corpo, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, seguidas do aparecimento de manchas no corpo após alguns dias. Os quadros mais graves são aqueles em que a pessoa tem uma queda súbita da pressão arterial. Geralmente, os vasos sanguíneos se tornam mais 
permeáveis, e a parte líquida do sangue extravasa para os tecidos. Por isso, a pressão cai e o corpo não consegue levar o sangue, o oxigênio, tudo o que é necessário para os órgãos vitais. Esse quadro pode se agravar e levar até a morte. Então, por isso, o tratamento da dengue está baseado em identificar os “sinais de alarme” que indicam que a pessoa vai evoluir para essa gravidade, que são: quando a pessoa está com alteração mental, muito sonolenta, em coma, e apresenta convulsão; tem vômitos que não param; a pressão muito baixa ou, de repente, quando muda de um quadro de febre para uma hipotermia. Todos esses sinais alertam o médico de que o infectado pode evoluir para o que chamamos de síndrome do choque da dengue – choque em termos médicos significa pressão muito baixa a ponto de comprometer a vida. Nesses casos, é necessária internação, muitas vezes, em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

QUAIS SÃO AS AÇÕES E AGENTES FUNDAMENTAIS PARA O CONTROLE DA DENGUE NA CIDADE? 
Em primeiro lugar, cada pessoa tem que ter a consciência de eliminar todos os criadouros de dengue da sua residência. Em segundo lugar, os agentes de controle de vetores são pessoas com formação para identificar criadouros onde, muitas vezes, o morador não consegue. Terceiro, o uso de repelentes pode ser um fator benéfico, embora seja apenas de proteção individual. E o quarto é que a ação deve ser comunitária. É importante voltar a ter aquele contato com a vizinhança para que todas as pessoas façam ações em conjunto. Não adianta eu tirar o criadouro da minha casa e meu vizinho não. O mosquito da dengue costuma ter em sua vida um raio de atividade de no máximo 200m a partir de onde ele nasceu. Se conseguirmos fazer um controle focal, certamente reduziremos muito o número de casos, de casos graves, internações e até de morte por dengue.

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