SÃO PAULO

Marcelo Musa Cavallari

"Cobrir a Igreja é apurar e informar ao leitor o que se passa dentro dela de acordo com ela própria"

Por Francisco Borba Ribeiro Neto
16 de mai de 2017

"Cobrir a Igreja é apurar e informar ao leitor o que se passa dentre dela de acordo com ela própria"

Arquivo pessoal

“A imensa e imerecida honra, a tremenda responsabilidade que a acompanha e a felicidade suprema de estar em comunhão íntima com Deus - é isso o Catolicismo”, escreve o jornalista Marcelo Musa Cavallari em seu livro Catolicismo, lançado no final de fevereiro pela Bella Editora. Editada por uma editora laica fundada e dirigida por jornalistas, a obra faz parte de uma coleção de livros sobre as religiões escritos por jornalistas que as praticam.

O catolicismo não é um tema novo para Cavallari. Em seus 30 anos de carreira, o jornalista, com longas passagens pela Folha de S. Paulo e pela revista Época, escreveu muito sobre a religião e especialmente sobre os papas João Paulo II e Bento XVI, cuja eleição cobriu para a revista Época. Seu livro, porém, não trata da atualidade do catolicismo, mas sim da doutrina. “Uma fantástica construção intelectual erguida ao longo dos séculos em um sem-número de debates em torno da revelação de Deus em seu Filho, Jesus Cristo,” como ele diz em seu livro. Cavallari falou a O SÃO PAULO sobre sua experiência como jornalista católico e sobre seu livro.

 

O SÃO PAULO - O que leva pessoas desse meio jornalístico e midiático, aparentemente tão ateu, a se interessar pelo tema do catolicismo e da religião?

Marcelo Musa Cavallari - Jornalistas e comunicadores falam com e sobre as pessoas do mundo. Menos do que falar de si mesmos e de seu meio, têm que dar conta da realidade do que se passa no mundo e a religião é um dado dessa realidade. Do ponto de vista do jornalismo, no entanto, a religião não é mais do que um comportamento das pessoas que tem dimensões culturais, sociais e políticas. É com esse olhar redutor que o jornalismo em geral vê hoje a religião.

 

Como é para você essa experiência de diálogo com um mundo não católico?

Embora sejam, de fato, como grupo social, mais ateus, mais à esquerda e mais simpáticos a teses modernas como aborto e teoria de gênero, do que a população em geral, os jornalistas não são exatamente um mundo à parte. Se são, em grande medida, não católicos, é porque o mundo também é. Numa de suas vindas ao Brasil, São João Paulo II disse que o Brasil era “afetivamente, mas não efetivamente católico”. Resquícios de catolicismo fazem parte da cultura brasileira, nas festas, nos nomes das cidades, na paisagem sempre pontuada de igrejas e mosteiros, por exemplo. Mas o catolicismo não tem mais importância no pensamento e na educação dos brasileiros. Se isso era verdade nos anos 1990, quando São João Paulo II visitou o país, a situação só piorou com o passar do tempo. Como boa parte dos países ocidentais, o Brasil é um país pós-cristão: teve raízes cristãs, mas elas não constituem mais a visão de mundo partilhada por todos ou quase todos. Numa sociedade fragmentada, em que nenhuma visão de mundo congrega mais do que uma parcela da população, o catolicismo, hoje, é, de fato, a religião de uma minoria. Nos meus quase 30 anos de jornalismo, eu venho sendo visto pelos colegas como um membro dessa minoria. Sou procurado para esclarecer dúvidas, sou escolhido para determinadas pautas, como foi a cobertura da eleição do Papa Bento XVI, ou, mais recentemente, para escrever sobre o Padre Gabriele Amorth, exorcista do Vaticano morto no fim de 2016. E às vezes escutava alguma provocação amigável de colegas. Acho que nada muito diferente da experiência que católicos praticantes, que sejam conhecidos como tais, têm em seus ambientes de trabalho em qualquer profissão no Brasil hoje. Sempre que eu escrevi ou falei do catolicismo profissionalmente, procurei dar uma visão de dentro. Não, claro, uma visão oficial ou de autoridade, que eu não tenho, mas levando em conta os critérios que, como fiel, sei que valem dentro do catolicismo.

 

Como isso se dá na prática?

Há polêmicas recorrentes sobre a Igreja na imprensa. Há sempre algum jornalista especulando sobre quando a Igreja vai finalmente liberar o uso da camisinha ou de anticoncepcionais ou quando mulheres serão ordenadas como sacerdotes. Desconhecendo a visão da Igreja, e, portanto, os motivos que justificam o que a Igreja faz, esse descompasso entre o catolicismo e a visão moderna é incompreensível. A questão acaba sendo tratada de um ponto de vista da necessidade que a Igreja teria que se adaptar para não perder fiéis, como se ela fosse uma empresa atrás de clientes ou um partido atrás de eleitores, um empreendimento puramente humano, em suma, que é a única chave que o jornalismo em geral consegue usar.

 

Como poderia ser um jornalismo diferente?

O jornalismo não tem nenhum compromisso necessário com qualquer visão de mundo. Ele deve estar preparado para cobrir todas. Se a sociologia ou a ciência política, por exemplo, só podem encarar a Igreja como uma manifestação puramente humana por questões metodológicas, o jornalismo não é obrigado a acompanhá-las. O jornalismo não cobre o que tal ou qual ciência ou campo de estudo fala do mundo. Idealmente o jornalismo cobre o mundo. Assim eu sempre me pautei por tentar mostrar ao leitor o ponto de vista de quem estava pensando de dentro da Igreja, fosse um papa, um bispo um grupo católico etc. O jornalismo é uma profissão humilde. Cobrir a Igreja não é analisá-la como um cientista social, por exemplo, faria, mas sim apurar e informar ao leitor o que se passa dentro dela de acordo com ela própria e seus próprios critérios.

 

O seu livro fala de doutrina. Isso é parte dessa mesma forma de falar da Igreja?

Sim. Eu falo no livro das bases do catolicismo, do Credo, daquilo que todo católico tem que acreditar para ser católico. E falo com a consciência de que falo de uma coisa pouco conhecida. Não só pela parte da população que já não se identifica com o catolicismo, mas mesmo para católicos. Quando São João Paulo II veio pela segunda vez ao Brasil em 1991, fui encarregado de pautar um caderno especial na Folha, onde trabalhava. Sugeri uma pesquisa, que foi feita pelo Data Folha, só com pessoas que estivessem saindo de missas dominicais. As perguntas eram baseadas no Credo: Acredita em Deus Pai? Em Jesus Cristo seu único filho? etc. Depois perguntava sobre questões morais, também. O grau de adesão às verdades de fé da Igreja era muito baixo. Em grande medida, creio, por ignorância sobre a doutrina da Igreja. Na medida das possibilidades de cada um, a doutrina tem que ser conhecida. A adesão aos dogmas não é opcional.

 

Numa síntese rápida, por que você permanece católico num ambiente que não crê?

Eu me tornei católico aos 22 anos vindo de um ambiente que não crê, então isso para mim não significa grande coisa. Eu sei como é o outro lado. Estudei em escolas que se veem como progressistas, era ateu e comunista quando me converti. De qualquer forma, quem crê pôs sua confiança em Deus. O catolicismo não é uma forma de adquirir ou firmar uma identidade. Não se é católico para fazer parte de um grupo. Nem se deixa de ser para ingressar ou agradar outro grupo. O que está em jogo afinal é o destino último. E essa é a principal característica do catolicismo que é muito facilmente esquecida no mundo secularizado em que vivemos.

 

O que você espera que seu livro realize?

Escrevo como jornalista. Minha função é obter informações e organizá-las para transmiti-las. Meu objetivo é esclarecer. Gostaria que, depois de ler meu livro, católicos ou não católicos pudessem concordar ou discordar com base num conhecimento mais preciso do que está por trás, afinal, do que a Igreja faz e de como ela pensa.

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.