SÃO PAULO

Crack

A pedra que escraviza

Por Fernando Geronazzo
13 de junho de 2017

Saiba o porquê o Crack causa tantos efeitos e qual os tratamentos possíveis

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A megaoperação policial realizada na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, em 21 de maio, e a migração do fluxo de consumo de crack para os arredores do bairro nos dias sucessivos, trouxeram novamente à tona, em toda sua complexidade, esse problema social, que existe há três décadas na cidade.

 

Sensação Imediata

Forma solidificada da base da cocaína misturada com bicarbonato de sódio e água, o crack é uma substância psicoativa, cuja ação no cérebro é quase que instantânea. “A sensação de prazer e euforia causada por ela é tão imediata e intensa que torna essa experiência muito mais impactante do que a da cocaína”, explicou, ao O SÃO PAULO, o psicólogo Ivanildo Andrade, especialista em Saúde Pública, com ênfase em dependência química e que acompanha há muitos anos a situação da Cracolândia.

Segundo o especialista, a euforia causada pela droga alcança rapidamente um pico elevado e na mesma velocidade leva à sensação de ausência do prazer experimentado. “Assim, se desenvolve a dependência química. Essa busca constante de alívio de uma sensação ruim causada pela falta da droga se transforma em compulsão. É uma condição de escravidão”, ressaltou o Psicólogo.

 

Danos

O crack traz danos irreversíveis ao usuário, que acabam interferindo no padrão de funcionamento do cérebro, deixando-o condicionado à substância. Desse modo, independentemente da condição social ou cultural do usuário, as degradações humanas e sociais serão as mesmas.

A compulsão pela droga faz com que o dependente perca a capacidade crítica e o controle das emoções e desejos, sem perceber os efeitos negativos causados. Por esse motivo, o dependente de crack acaba se habituando a ambientes extremamente insalubres, com condições mínimas de higiene, chegando a ficar dias sem se alimentar e exposto a doenças como tuberculose e sífilis. “Hoje, por exemplo, existe um surto de sífilis, uma doença do século XIX entre os usuários de crack”, alertou Ivanildo.

Em igual rapidez, o crack rompe os vínculos afetivos e sociais do dependente. “Trabalho, vida social e familiar... De fato, o dependente abandona tudo e a todos em função do crack. Os vínculos são menos prazerosos que a própria experiência da droga”, completou o especialista.

 

Tratamento

A dependência química é uma síndrome que não possui um único sintoma ou característica, mas traz prejuízos na saúde física, emocional e social. Por isso, seu tratamento requer igual complexidade. “O tratamento exige a utilização de todos os métodos possíveis e inimagináveis à disposição”, enfatizou Ivanildo Andrade.

A primeira forma para o tratamento contra o crack é a desintoxicação. “Muitos desses dependentes devem passar por uma avaliação clínica, às vezes com a utilização de algum fármaco”, explicou o especialista, frisando a importância dessa avaliação para que todo o projeto terapêutico seja realizado de modo que contemple a visão integral da pessoa.

Em seguida, depois de estabilizado emocionalmente, o dependente químico é encaminhado para a internação em clínicas ou comunidades terapêuticas. A partir daí, começa a etapa de ressocialização. Indica-se sempre que possível que a família seja inserida nesse processo para ajudar a compreender o histórico da pessoa e a sua ressocialização.

A reinserção na sociedade também precisa ser acompanhada com a prevenção de recaídas, entrada no mercado de trabalho e um ambiente familiar que favoreça sua permanência longe da droga. “Quando não há esse ambiente, é preciso criar equipamentos que permitam a essa pessoa fazer tal transição, a chamada moradia assistida, por exemplo”, destacou Ivanildo, sem deixar de lembrar que “o dependente químico está sempre em processo de recuperação”.

 

Instituições Religiosas

São muitas as organizações religiosas que atuam junto aos dependentes químicos da Cracolândia e oferecem tratamento.  Uma dessas comunidades é a Missão Belém, que atualmente acolhe 2,2 mil pessoas em 167 casas. A primeira acolhida da maioria delas é feita no Centro Guadalupe, no Belém, na zona Leste. Por semana, passam em média 120 pessoas pela casa, onde permanecem temporariamente até serem encaminhadas para uma das unidades da comunidade para tratamento.

Entre esses acolhidos está Reginaldo Assumpção, 46, que usou drogas por 26 anos, sendo 12 consumindo crack. Ele chegou à Missão Belém pela primeira vez em 2010, mas após três meses teve uma recaída e voltou para a Cracolândia. Nessa ocasião, contraiu sífilis e, por não fazer tratamento, a doença atingiu o sistema nervoso central, deixando-o paraplégico. “Mesmo doente, eu ainda fiquei quatro dias usando crack. Só quando acabou a minha droga, eu pedi para me levarem ao hospital”.

Há 16 anos sem contato com a família, Reginaldo encontrou na Missão Belém o ambiente familiar para se recuperar da dependência. “Aqui, eu tenho aprendido a cada dia a me restaurar com as orações e formações da casa, mas principalmente ao ver a recuperação de cada um. Mas é uma luta de todos os dias. Eu não quero voltar para aquela vida”, disse o rapaz, que está há quatro anos longe do crack.

Para Ivanildo Andrade é possível pôr fim à Cracolândia. Mas, para isso, são necessários muito investimento e trabalho. “É preciso fazer uma revolução social; criar oportunidades de trabalho, educação, serviços de saúde e assistência social de qualidade, prevenção, segurança pública. É preciso trabalhar em uma rede intersetorial, deixando de lado quaisquer ideologias, olhando numa perspectiva de longo prazo de um coletivo, em que todos possam viver em harmonia para que, de fato, a Cracolândia possa acabar”.

 

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