SÃO PAULO

Uma semana depois

A Cracolândia só mudou de endereço

Por Fernando Geronazzo
13 de junho de 2017

Praça Princesa Isabel, na região central da cidade, concentra a maior parte das pessoas que estavam na Cracolândia antes da operação da Prefeitura e do Governo do Estado em 21 de maio

Concentração de usuários de crack na Praça Princesa Isabel (Foto: Luciney Martins)

Pouco mais de uma semana após a megaoperação policial na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, realizada pela Prefeitura de São Paulo e o Governo Estadual no dia 21, o que se constata é que o fluxo de usuários de crack disperso da Alameda Dino Bueno apenas mudou de endereço e agora se concentra na Praça Princesa Isabel, a apenas três quadras do ponto anterior.

Na sexta-feira, 26, Dom Sergio de Deus Borges e Dom Devair Araujo da Fonseca, bispos auxiliares da Arquidiocese de São Paulo, acompanharam o trabalho dos membros do Vicariato Episcopal para o Povo da Rua, que levaram alimentos e água para os dependentes químicos concentrados na região.

“O que nós vimos ali são pessoas numa condição de vida deplorável”, afirmou Dom Devair, em entrevista ao programa “Construindo Cidadania”, da rádio 9 de Julho. O Bispo que já havia visitado a região em outra ocasião, afirmou que, desde então, a situação só piorou.

A reportagem do O SÃO PAULO constatou que, sem se intimidar com a presença da imprensa e dos agentes públicos e mesmo da Polícia que circunda o quarteirão, o tráfico e consumo da droga continua acontecendo. Muitos usuários montaram barracas no meio da Praça Princesa Isabel, formando um cenário semelhante ao fluxo disperso pela operação, agravado pela falta de água, de banheiros e o acúmulo de lixo e dejetos humanos na praça, que fica ao lado de um do mais movimentados terminais de ônibus da cidade.

A Prefeitura e o Governo do Estado não informaram um número oficial de dependentes químicos concentrados na Praça Princesa Isabel, mas os agentes públicos e voluntários que atuam no local estimam 400 pessoas durante o dia, e entre 800 e mil à noite (antes da operação, o número de usuários permanentes na Cracolândia era estimado em 1.500).

Dom Devair ressaltou que a Cracolândia não acabou, apenas mudou de endereço. “Se fizermos uma definição geográfica do que é a Cracolândia, aquele lugar não existe mais, porque está protegido pela força policial para que as pessoas não voltem para lá... Mas, houve um deslocamento das pessoas de um lugar para outro. O fato é que elas continuam lá nas mesmas condições”, disse o Bispo.

Atendimento

Nas ruas “limpadas” pela operação, os únicos usuários vistos são os que voluntariamente procuram as unidades dos programas Redenção, da Prefeitura, e Recomeço, do Governo do Estado, onde agentes de saúde e de assistência social prestam atendimento. Nesses casos, quando manifestam o desejo, os dependentes químicos são encaminhados para a internação em comunidades terapêuticas ou hospitais.

Na segunda-feira, 29, em um evento no Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin informou para a imprensa que, desde o dia 21, foram realizados 1.100 atendimentos, e que cerca de 10% dos atendidos foram encaminhados para a internação.

Uma agente da Secretaria de Saúde que não quis se identificar informou para a reportagem que nos primeiros dias após a operação, a aproximação aos usuários de crack era muito difícil, pelo fato de muitos estarem sob o efeito da abstinência da droga ou assustados com a presença da polícia.

Internação compulsória

No final da sexta-feira, a Prefeitura de São Paulo havia conseguido autorização judicial para abordar usuários de drogas e conduzi-los compulsoriamente para uma avaliação médica. Porém, no domingo, 28, a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP) e da Defensoria Pública, o Desembargador Reinaldo Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou a autorização. A Prefeitura informou que vai recorrer da decisão.

A Prefeitura chegou a instalar, no fim de semana, uma tenda na esquina da rua Helvetia com a alameda Cleveland, que seria usada como um centro de triagem para as internações compulsórias. Mas, como com a suspensão da liminar, a estrutura está sendo usada para atender os dependentes que procurarem ajuda.

Inserção da Igreja

Em meio ao clima de desconfiança dos usuários, a Igreja é uma das poucas instituições que consegue manter um vínculo com os dependentes químicos.

Missionários das fraternidades O Caminho, Voz dos Pobres, Missão Belém, Aliança de Misericórdia e agentes da Pastoral do Povo da Rua atuam há muitos anos na região, abordando os dependentes químicos e oferecendo ajuda.

“Nós nos aproximamos, conversamos com eles e, aqueles que nos pedem ajuda, nós encaminhamos para nossas casas”, relatou Frei Tarcísio da Santíssima Virgem Maria, da Fraternidade O Caminho, que atua na Cracolândia desde 2013. “Nós acreditamos muito que é preciso estabelecer vínculos com eles. Foram necessárias várias vindas e conversas para que muitos dos irmãos que estão em tratamento se decidissem a sair daqui conosco”.

Padre Gilson Frank dos Reis, da Missão Belém, informou para O SÃO PAULO que, nos primeiros dias após a operação policial, o número de usuários que procuraram as casas da comunidade aumentou significativamente. Mas, com a concentração do fluxo na Praça Princesa Isabel e a volta da oferta de crack, a procura voltou ao número anterior. “Por semana, passam na nossa casa por volta de 90 a 120 pessoas”, informou o Padre.

O Tráfico continua

A reportagem, enquanto acompanhava os bispos e agentes de pastoral, foi abordada por uma espécie de líder do grupo que, segurando um cachimbo de crack, pediu para que todos se afastassem e os deixassem fazer “a correria”, isto é, comercializar e vender a droga, “em paz”.

Frei Tarcísio alertou que os usuários muitas vezes são usados como escudo por parte dos traficantes, para impedir o acesso da Polícia. “Já ouvi relatos de que o próprio traficante oferece drogas para as pessoas, para que possam enfrentar a força pública num primeiro momento”.

Segurança Pública

Em nota enviada ao O SÃO PAULO a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que desde a megaoperação o policiamento na região continua reforçado com equipes das polícias Civil e Militar. A nota também cita que no dia 21 foram presas 53 pessoas e apreendidos 12,3kg de crack, 6,5kg de maconha, 655 gramas de cocaína, 6 gramas de haxixe, 18 gramas de ecstasy, dois micro-pontos de LSD, 2kg de lança-perfume, além de R$ 49.611,35, dois revólveres e três pistolas.

“A PM também continua atuando na região com 212 policiais, sendo 92 da Caep (Companhia de Ações Especiais de Polícia) e do Choque – Cavalaria e Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), além dos 120 PMs que já atuam regularmente na área. A Polícia continua prestando apoio às equipes de saúde e assistência social, que providenciam o acolhimento dos usuários”, diz a nota.

A Secretaria, no entanto, não informou o que está sendo feito para coibir o fluxo de usuários e de tráfico de drogas constatado na Praça Princesa Isabel.

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