Editorial

O aborto em discussão no STF

Passou relativamente despercebida, em meio ao turbilhão político e sanitário das últimas semanas, a louvável atitude do nosso Supremo Tribunal Federal (STF), que em julgamento virtual formou maioria de votos contrariamente ao pedido de legalização do aborto em casos de zika vírus (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.581).

Trata-se, sem dúvida, de uma inegável vitória da causa pró-vida, que nos dias anteriores ao julgamento empreendeu enormes esforços para sensibilizar a Corte – desde a difusão maciça, pelas redes sociais, de vídeos contrários à legalização até a atuação institucional de associações como a União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), que encaminhou carta a cada ministro em que explicava ser infundada “a pretensão jurídica do aborto eugênico, na qual se legitima a morte de crianças consideradas ‘imperfeitas’”.

A guerra pela vida, no entanto, está longe de terminar: é que a Corte está descartando a ação por motivos predominantemente processuais. Vale dizer: o STF não se pronunciou diretamente sobre a compatibilidade da criminalização do aborto com a Constituição, mas apenas afirmou que existem vícios formais na ADI 5.581 – o que não exclui discussões futuras sobre o mesmo assunto.

O próprio fato de estas discussões ocorrerem na Corte, no entanto, se baseia em alguns pressupostos ocultos, que precisam ser mais bem avaliados. Primeiro: seria o STF o órgão competente para “legalizar” o aborto no Brasil? Depois: esta legalização seria compatível com o ordenamento jurídico brasileiro? Por fim: estaria esta legalização abrangida no poder de uma autoridade humana?

Para a primeira pergunta, a resposta é negativa: na medida em que a nossa Constituição adotou a tripartição de poderes, não compete ao STF (órgão do Judiciário) se imiscuir na competência do Legislativo e “legalizar” o aborto – mesmo que a pretexto de estar fazendo “mero controle de constitucionalidade, sem legislar”. Sob a mesma roupagem linguística, afinal, poder-se-ia efetivamente legislar judicialmente sobre qualquer assunto – e o fato de uma tal decisão ser amplamente denominada como “legalização” bem revela sua natureza.

Em segundo lugar, e mesmo que não houvesse o problema da incompetência do STF para decidir a questão, há o fato de que a Constituição prescreve “a inviolabilidade do direito à vida” como uma cláusula pétrea (isto é, que não pode em hipótese alguma ser abolida; artigo 5º c/c 60, § 4º, IV), e protege ainda os direitos “decorrentes (...) dos tratados internacionais” assinados pelo Brasil – dentre os quais explicitamente se compreende o direito à vida “desde o momento da concepção” (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 4.1). Legalizar o aborto, portanto, é proibido pela Constituição – mesmo que fosse o Congresso quem o fizesse.

Em terceiro lugar, e ainda que não houvesse impedimento à legalização no texto constitucional, mesmo assim o aborto (isto é, a retirada da vida de um inocente) é um daqueles temas que, por serem tão gravemente contrários à justiça, nunca podem ser legalizados por um ato humano. Convém lembrar, aqui, do fato de que também a escravidão, a tortura, a discriminação racial e o genocídio já foram muitas vezes tolerados pelas leis (e pelos tribunais) humanos – e nem por isso eram menos repugnantes e antijurídicos.

Continuemos todos, pois, no combate pela vida, cada um em sua linha de frente: estudando, argumentando, manifestando-se – sem esquecer as mais poderosas armas do cristão: a oração e a penitência.

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