Encontro com o Pastor

Onde anda a Igreja?

A celebração da Páscoa deste ano, em plena pandemia da COVID-19, ficará na nossa lembrança: igrejas vazias, celebrações sem a presença de povo, um jeito diferente de celebrar. Cada celebrante, tentando se comunicar por meio das mais variadas mídias com a comunidade fisicamente ausente, continua a celebrar os mistérios centrais de nossa fé. Muita gente ficou triste por não poder frequentar a Igreja e receber a Eucaristia, a bênção e o conforto da fé, e não é para menos!

Todos nós, ministros e demais membros da Igreja, somos desafiados a formar de nossa Igreja outra compreensão, que não é nova, mas nem sempre nos demos conta dela: ela é uma “comunhão-comunidade” de fé, esperança e caridade, reunida no nome da Trindade Santa, em torno de Jesus Cristo, Senhor e Pastor da Igreja. E isso é verdadeiro, não apenas quando há uma presença física dos fiéis nos templos e em torno dos ministros e pastores visíveis: continua verdadeiro mesmo se, por algum motivo, os fiéis não estão nos templos. A Igreja não é apenas um organismo social e visivelmente organizado. Ela é uma realidade de fé, animada pelo Espírito Santo.

Para falar da Igreja, São Paulo usa a imagem do corpo humano: Cristo é a cabeça e todos nós somos membros desse corpo, com dons e graças diferentes em vista da vida e da missão do Corpo de Cristo. A Igreja mantém essa condição de Corpo de Cristo de modo estável, mesmo quando ela não está visivelmente reunida. O mesmo se pode dizer quando são usadas outras imagens para falar da Igreja, como povo de Deus, esposa de Cristo, campo de Deus, vinha de Deus, família de Deus e rebanho do Bom Pastor.

Esses dias de igrejas vazias me levaram a pensar muito num dos artigos da profissão de nossa fé: “Creio na comunhão dos santos”. Essa “comunhão dos santos” diz respeito ao próprio ser da Igreja, que é a comunidade dos discípulos de Cristo do passado, presente e futuro, dos santos e dos pecadores, que se reúnem para as celebrações e dos ausentes delas. A Igreja é esse imenso povo que Cristo reuniu mediante o anúncio do Evangelho e que adere a Ele pela fé. Os santos no céu são, certamente, a parte mais numerosa e bela dessa imensa comunhãocomunidade e já vivem na “Jerusalém celeste”, participando plenamente da vida e da glória do Ressuscitado. Somos os que chegaram por último e ainda peregrinamos nesta vida, à espera do cumprimento pleno das promessas de Deus. Enquanto isso, voltamos nosso olhar, cheio de esperança, para Jesus Cristo, Senhor da Igreja.

A Igreja celeste não é uma outra Igreja: ela é a mesma comunidade-comunhão de fé, esperança e caridade, à qual nós também pertencemos. Ela intercede continuamente por nós e, com seu exemplo e intercessão, nos encoraja e ajuda a seguirmos perseverantes nos caminhos do Evangelho, para termos parte na glória de Deus e de Jesus Cristo ressuscitado. A isso nos referimos em cada missa, quando pedimos, com toda a confiança, que Deus nos conceda, “não por nossos méritos, mas, por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires...” (Oração Eucarística I).

Durante a pandemia do coronavírus, temos a oportunidade de aprofundar nossa percepção da Igreja, que não é, simplesmente, uma realidade humana socialmente perceptível, embora seja isso também. Ela é mais que isso e, como o Concílio Vaticano II diz, de maneira muito bela, a Igreja participa do “mistério” divino-humano de Jesus Cristo, e só assim pode ser verdadeiramente compreendida. Ela é humana e, ao mesmo tempo, participa do mistério divino e está a seu serviço, para a glória de Deus e a salvação da humanidade. Na Igreja vive, verdadeiramente, Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, e o Espírito Santo age nela, dando eficácia sobrenatural às ações humanas da Igreja. Por isso que professamos, no creio em Deus Pai: “Creio na Igreja...” mesma Igreja que professa a fé, também é objeto de fé.

Jesus ressuscitado vive na Igreja e ela existe por causa Dele. E essa Igreja somos nós. Melhor dizendo: também nós temos parte nessa Igreja.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 15/04/2020

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