Encontro com o Pastor

Falar do Menino a todos

A Apresentação do Senhor, celebrada no dia 2 de fevereiro, é rica de significados e expressões simbólicas. A festa litúrgica faz referência à passagem do Evangelho de São Lucas (Lc 2,22-40), que narra como Maria e José levaram ao templo de Jerusalém o menino Jesus recém-nascido e fizeram o que todos os pais faziam quando nascia o primeiro filho homem. Jesus é o primogênito de Maria, o “Unigênito” de Deus Pai e o “Primogênito dentre os mortos”, conforme expressão da Carta aos Colossenses (Cl 1,18).

A Lei de Moisés e a religião judaica, que Maria e José praticavam fielmente, prescreviam que todo primogênito do sexo masculino fosse consagrado ao Senhor (cf. Ex 13,2.12.5). Isso devia lembrar para sempre a libertação do povo hebreu do Egito e a praga mais dolorida, que foi a morte dos primogênitos daquele povo. Cada família devia lembrar que sua vida e sua liberdade foram objeto de uma intervenção prodigiosa de Deus em seu favor e, por isso, todas as gerações deviam ser agradecidas e observar a Aliança de Deus com seu povo, guiado por Moisés, no deserto, rumo à terra prometida.

Levar os primogênitos ao templo significava, portanto, o reconhecimento da Aliança com Deus, que se perpetuava de geração em geração. E os primogênitos eram o elo entre as gerações, com a missão de mantê-las unidas e fiéis a Deus, comprometidas na transmissão da fé no Deus da Aliança, “Deus de nossos pais, de Abraão, Jacó e Moisés”... Os primogênitos eram consagrados a Deus e isso equivalia a dizer que pertenciam a Deus e deviam estar a seu serviço. Os pais, de fato, os levavam consigo para criar e educar, mas sabiam que os primogênitos tinham uma missão especial na família e no povo inteiro. Eram guardiões da fé e da esperança nas promessas de Deus e suas testemunhas qualificadas.

O velho sacerdote Simeão reconhece que o menino Jesus não é apenas mais um primogênito trazido ao templo, mas o próprio Esperado pelo povo de Israel. É o Prometido por Deus, aquele que os profetas anunciaram e por quem as gerações passadas esperaram ansiosamente. Ele era motivo de glória para Israel, luz, bênção e alegria para todos os povos! E a profetisa Ana, a viúva idosa consagrada a Deus no templo com jejuns e orações, é testemunha da esperança de seu povo; vendo o menino Jesus nos braços de seus pais, ela também louva a Deus e fala de Jesus a todos.

Aqui cabem algumas reflexões. Os pais levam ao templo o menino Jesus, ainda pequeno. Era essa uma preocupação dos pais, quando nascia uma criança e, ainda mais, quando se tratava de um primogênito. Isso equivalia a reconhecer que a criança era de Deus e precisava ser introduzida na comunidade do povo da Aliança. Hoje, os pais cristãos ainda têm essa mesma convicção e preocupação? Ainda levam os filhos pequenos à igreja, para serem batizados e reconhecidos como membros da família de Deus, a Igreja? Têm as famílias a preocupação de “iniciar” os filhos nas coisas de Deus, nas histórias da fé, no conhecimento de Jesus, do Evangelho, da vida dos Santos? Como seria necessário pensar de novo nisso, pois são essas práticas simples, mas densas de sentido, que ajudam a criança a se sentir parte da Igreja e a se identificar com ela e com o Evangelho, que ela deve testemunhar ao mundo.

Interessantes também são as figuras de Simeão e Ana, duas pessoas idosas. Simeão esperou muito e confiou em Deus. Sua fé não foi desiludida, e ele exultou de alegria ao ver o menino Jesus, reconhecendo Nele a grande bênção prometida por Deus. Os idosos são muito importantes como elos entre as gerações e testemunhas da fé e da esperança. Eles têm muito a dizer às novas gerações e, sobretudo, têm um belo testemunho de esperança e serenidade a oferecer às gerações mais jovens. Simeão é exemplo do idoso que mantém firme sua fé e esperança e se alegra com os sinais da fidelidade de Deus em sua vida. A profetisa Ana, também idosa, fala do menino Jesus a todos. É a mãe que fala aos filhos, a avó que fala aos netos, a catequista que narra e testemunha diante dos outros as experiências da própria fé...

A Apresentação de Jesus no templo acaba sendo um evento de evangelização e de “epifania de Deus”. Jesus é reconhecido como a grande bênção de Deus para a humanidade, como “luz para todos os povos”! Maria e José são os pais que cumprem fielmente seu dever religioso e familiar. Os idosos Simeão e Ana são testemunhas da esperança e da perseverança na fé. E todos somos agraciados pela “primogenitura espiritual”, como discípulos e redimidos por Cristo. Por isso, somos todos comprometidos com o testemunho e a transmissão da fé em Deus, “que habita esta cidade e ama o seu povo”.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 05/02/2020

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