Encontro com o Pastor

A esperança dos pobres

No domingo, 17 de novembro, a Igreja celebra, pela terceira vez, o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco na conclusão do Ano Santo da Misericórdia (2016), para ser celebrado todos os anos no penúltimo Domingo do Tempo Comum, antes da Solenidade de Cristo Rei do Universo.
Para a ocasião, o Papa enviou uma mensagem aos bispos, para ser difundida e conhecida por todos. A mensagem tem como título “A esperança dos pobres jamais se frustrará” e como base bíblica os salmos nono e décimo. Em nossos dias,  deparamo-nos com uma realidade que se parece com aquela descrita pelo salmista no seu clamor a Deus: pobres em grande número, com todo tipo de carências, humilhações, injustiças e sofrimentos e, ao mesmo tempo, ricos e poderosos que se enriquecem cada vez mais e satisfazem todo tipo de desejo e capricho, não se importando com a situação dos pobres.
Há poucos dias, foi divulgado o “mapa da pobreza” em nossa grande e rica cidade de São Paulo. Constatou-se um aumento e diversificação da pobreza e do número dos pobres. A riqueza e o bem-estar vão se concentrando mais e mais. E não parece que isso incomode o nosso sono, nem refreie nossos projetos de consumo do supérfluo, mesmo se a tantos falta o essencial e o necessário para um mínimo de vida digna. Quando se fala em reformas econômicas, privilegiam-se os índices do crescimento de ganhos e pouca preocupação se tem com a superação da desigualdade social e econômica. E, quando há algum projeto em debate que vise a isso, há enorme resistência e se dá atenção maior aos cálculos sobre as perdas de quem já tem muito. Como é difícil pensar em termos realistas de solidariedade social e econômica!
Se olharmos pelo mundo, constatamos um quadro preocupante de aumento da pobreza. Há ainda muita fome endêmica em países da África, condições absolutamente precárias de moradia, educação e saúde para centenas de milhões de pessoas no mundo. Milhões de homens, mulheres, jovens e crianças são vítimas de novas formas de escravidão. Outros milhões são obrigados a deixar suas casas e até seus países e cidades por causa de guerras, discriminações várias, perseguições e pela falta de oportunidades para uma vida digna. Milhões de migrantes acabam sendo vítimas do tráfico humano e da exploração de sua condição de vulnerabilidade. E quantos são simplesmente “descartados” por não serem interessantes para o sistema que privilegia os ganhos, em vez do serviço à pessoa e sua dignidade?! São, sobretudo, crianças, jovens e idosos, considerados um peso para o sistema, que vê tudo na ótica do ganho e da vantagem. Quantos pobres estão a revirar as cestas e sacos de lixo, à procura de algo para comer ou vestir, sendo eles mesmos considerados como parte do lixo da sociedade de consumo!
Ao longo de toda a Bíblia, aparece uma certeza: Deus está com os pobres. O salmo define o pobre como “Aquele que confia no Senhor” (Sl 9,11), pois tem a certeza de que nunca será abandonado pelo Altíssimo. Na Bíblia, a relação de Deus com o pobre é de escuta, defesa, resgate e salvação. Deus não fica jamais indiferente diante do grito do pobre, mas faz justiça e não esquece o pobre (cf. Sl 40,18; 70,6); é o refúgio do pobre e não cessa jamais de vir em seu auxílio (cf. Sl 10,14).
Pobres são todos aqueles que não têm o necessário para viver e dependem dos outros. São o oprimido, o humilde, aquele que está prostrado por terra. O Papa recorda que o pobre é “lugar” de encontro com Jesus Cristo, que faz questão de se identificar com os pobres: “O que fizerdes a um destes irmãos, é a mim que fazeis” (Mt 25,40). Esquivar-se de encontrar o pobre é esquivar-se de encontrar Jesus Cristo na pessoa do pobre. Tocar a carne do pobre é tocar a carne de Cristo presente em sua pessoa. E a primeira das bem-aventuranças é reservada para os pobres: “Felizes, vós, pobres, porque vosso é o Reino dos Céus” (Lc 6,20). Cabe aos discípulos de Cristo dar esperança aos pobres que Ele confiou aos cuidados da Igreja. Dias atrás, numa audiência pública na Praça São Pedro, o Papa Francisco observou: quem se aproxima do pobre se aproxima de Deus.
O Dia Mundial dos Pobres tem a finalidade de nos ajudar a tomar consciência da realidade dos pobres ao nosso redor e de fazer crescer nossa sensibilidade em relação a eles. Não por motivos ideológicos ou partidários, mas por causa da nossa fé comum no Evangelho. Que em nossas paróquias e comunidades haja uma grande sensibilidade em relação a todo tipo de pobres. São Vicente de Paulo dizia que a caridade não deve ser apenas individual e espontânea, mas organizada e comunitária. Que não faltem as mais variadas organizações para a prática da caridade para com os pobres que vivem no nosso meio.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 13/11/2019

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