Opinião

No debate Estado x Mercado, uma contribuição

No contexto dos desafios representados pelo desenvolvimento econômico, o Papa Francisco faz um convite a jovens economistas e empreendedores – “quem hoje está se formando e começa a estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda” – a se reunirem em Assis, na Itália, em março de 2020, num evento “que nos leve a fazer um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã”.

O pensamento econômico hegemônico é decorrente de uma concepção de ser humano precisa: o Homo œconomicus. O indivíduo livre para agir e responsável pela própria sorte, emancipando-se de toda forma de tutela – por exemplo, do Estado –, agiria racionalmente maximizando os resultados e interagindo concorrencialmente com outros indivíduos no mercado. Paradoxalmente, sujeita-se ao mercado sujeito ao capital. Tal concepção se contrapõe à outra, pela qual o ser humano é determinado pelas relações sociais dialéticas de trabalho. Falta a ambas as concepções a “alma” de que fala o Papa.

Dar “alma” à economia poderia ser apresentar a concepção do “ser humano que Deus revelou ao ser humano”: a pessoa, o ser em relação – não qualquer tipo de relação (instrumental, competitiva ou dialética), mas amor atuado em reciprocidade. O “modelo” (termo impróprio) é a própria Trindade. Segundo esse “modelo”, temos o máximo da individualidade (cada pessoa foi criada única e irrepetível) e o máximo da sociabilidade (pela comunhão no Corpo Místico de Cristo).

Dar “alma” à economia poderia ser trazer essa concepção das categorias espirituais e teológicas para as sociais e econômicas. Há vertentes das ciências sociais que estudam o amor como categoria sociológica (o grupo internacional Social-One estuda como tal o ágape, o amor em sua reciprocidade). Conheço mais a Economia de Comunhão, idealizada por Chiara Lubich. Para ela, trata-se de tornar a “cultura do ter” uma “cultura da partilha”. As centenas de empresas que aderem a essa proposta partilham o lucro, com os excluídos da sociedade, incluídos não só na roda de consumo, mas, sobretudo, na rede de relações sociais fraternas estabelecidas a priori.

Com tal “alma”, a atividade econômica passa a ter por finalidade produzir riquezas a ser partilhadas com todos, bens que circulem e serviços que sejam serviço. O mercado volta a ser o espaço de encontro e de trocas (como estuda a Economia Civil). Não se mercantilizam mais a terra (preservando-a da lógica predatória e latifundiária), o trabalho (salvaguardando-o da lógica da competitividade) e o dinheiro (estancando o dreno para o “capital improdutivo” das riquezas indispensáveis ao progresso humano, como bem explica Ladislau Dowbor). O evento de Assis será um intercâmbio de experiências já em andamento de uma “economia profética” assim.

Dar “alma” à economia poderia ser apresentar tal concepção cristã – expressa de maneira plural – estabelecendo pontes de diálogo com outras correntes de pensamento. Isso implica reconhecer nelas exigências autênticas, como o anseio de o indivíduo ser plenamente protagonista e o anseio de uma sociedade de relações fraternas. 

Afinal, continua o Papa: “Todos, todos nós mesmos, somos chamados a rever nossos esquemas mentais e morais, para que possam estar mais em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum… [Jovens,] Se ouvirdes o vosso coração, sentireis que sois portadores de uma cultura corajosa e não tendes medo de assumir riscos e comprometer-vos a construir uma nova sociedade”.

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