Fé e Cidadania

O todo, a parte e as reformas

O Papa Francisco oferece à Doutrina Social da Igreja, na Evangelii Gaudium (EG 221ss), quatro “princípios” inovadores (que alguns preferiram chamar de “postulados”): (1) “o tempo é superior ao espaço”; (2) “a unidade prevalece sobre o conflito”; (3) “a realidade é mais importante do que a ideia”; (4) “o todo é superior à parte”.

Esse quarto princípio (“o todo é superior à parte”, EG 234-237) nos remete à necessidade de “articular o todo com a parte”. Para quem está preocupado com as questões gerais que afligem a sociedade, significa retomar a visão do pequeno, do local, do caso específico. Para quem está preocupado com o seu problema particular, significa olhar para o conjunto, se desvencilhar de um olhar talvez excessivamente autocentrado para pensar no bem de todos. Será que o governo, os partidos de oposição, os grupos pró e contra as reformas que estão sendo propostas, como a trabalhista e a da Previdência, estão olhando realmente o todo da sociedade brasileira e todos os fatores em jogo nas reformas ou estão preocupados apenas com seus interesses partidários ou corporativos?

Esse princípio também nos remete à ideia do bem comum e, como tal, não pode ser corretamente entendido, à luz da Doutrina Social da Igreja, desvinculado da percepção de que são os mais pobres, os mais fragilizados na sociedade, que nos mostram o quanto o bem comum está sendo contemplado (EG 197-208). Até que ponto aqueles que estão justamente preocupados com o futuro do País, com as bases econômicas necessárias para a sustentação do bem comum, têm considerado os casos específicos e a situação dos mais fragilizados na estrutura social? E até que ponto os que defendem os direitos dos mais pobres estão considerando que existem problemas globais, contextos mais amplos que devem ser enfrentados – ainda que com sacrifícios – para garantir os próprios direitos desses mais pobres?

Respostas esquemáticas com certeza não atenderão a esse princípio. O todo é mais amplo e precisa ser considerado para se garantir o bem comum. Na prática: reformas  sempre  são  necessárias tendo em vista a garantia do bem comum. Mas, elas têm que ser pensadas considerando tanto a situação dos mais pobres quanto a globalidade do contexto sociopolítico e econômico. Esse quarto princípio nos convida a superar nossos partidarismos e orporativismos, a olhar para a situação atual e futura dos mais fragilizados e pensar os problemas numa perspectiva global, que não exclui nem os aspectos econômicos nem os sociais. Um grande desafio, mas também a possibilidade de pensar as reformas necessárias para o País de um modo muito mais sábio, humano e solidário.

opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.

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