Espiritualidade

Conservar ou mudar?

O ser humano é complexo e tem muitas necessidades. Entre elas, duas parecem opostas e contraditórias. Ao mesmo tempo em que precisamos de uma estrutura que nos dê segurança, também precisamos de mudanças. A primeira estrutura que temos é a família, e por ela somos inseridos na Igreja e apresentados à sociedade. A família é lugar de aprendizado dos valores fundamentais, e por ela o ser humano recebe as condições para seu crescimento e integração na vida da sociedade. Todas as sociedades cresceram e se desenvolveram em torno da família.

Ao mesmo tempo, o ser humano também está marcado pelas mudanças e transformações à sua volta. Cada geração recebe da anterior uma experiência, mas precisa dar a sua própria resposta ao desafio do seu tempo. Viver é mais do que apenas copiar ou reproduzir o que os outros fizeram. O diálogo entre o passado e o presente é o motor do futuro.

O cientista Charles Darwin elaborou a chamada teoria da evolução a partir da observação das espécies e da adaptação destas ao meio ambiente. Ele observou que animais e plantas tinham uma estrutura que conservavam, mas se adaptavam a diferentes ambientes. Conservar e mudar é parte da sustentação da vida, e aquelas espécies que não passam por esses processos deixam de existir. Os museus de história natural estão cheios de fósseis que ilustram essa teoria. “A Igreja não deve ser um museu de memórias”, como disse o Papa Francisco. Exatamente por isso, é preciso um diálogo entre a estrutura e a mudança, pois uma Igreja que não estiver disposta a isso está fadada a se tornar um fóssil.

No Antigo Testamento, lemos que o povo de Deus sentiu saudades do Egito enquanto caminhava para a Terra prometida: “Vêm-nos à memória os peixes que comíamos de graça no Egito, os pepinos e os melões, as verduras, as cebolas e os alhos” (Nm 11,5). O conforto e a segurança do Egito são sempre uma tentação. Parece mais fácil olhar para trás e viver do passado, talvez até retornar ou tentar se apegar às relíquias de um tempo que já passou. 

A multiplicação dos pães coloca Jesus e seus discípulos num contexto semelhante ao do povo que saiu do Egito (cf. Mt 14,13-21). O que fazer com aquela multidão? Como encontrar pão para tanta gente? A resposta parece simples. Voltar para os povoados e encontrar a segurança do passado, comprar pão e saciar a fome. A resposta de Jesus é desconcertante: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A proposta não é de retornar, mas de avançar. Esse desafio que exige dos discípulos uma nova atitude. É preciso sair do vício das respostas prontas: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. Só assim se pode experimentar o novo de Deus: “Todos comeram e ficaram satisfeitos, e, dos pedaços que sobraram, recolheram ainda 12 cestos cheios”.

“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”, disse o Papa Francisco. Vivemos os desafios do nosso tempo, com suas contradições, dificuldades e possibilidades. A cidade é o nosso deserto, e a Palavra de Jesus é para nós: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Cristo é o alimento que devemos distribuir. Isso porque: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo”, nos lembra o Papa Bento XVI na Encíclica Deus Caritas Est. O sínodo arquidiocesano oferece-nos muitas possibilidades para realizar isso. Tenhamos a coragem que vem do Espírito, para ser uma Igreja em saída, capaz de entender os desafios de hoje e buscar respostas novas.  

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