Opinião

A mulher e a necessidade de novos paradigmas de pensamento

Em suas falas recentes, o Papa Francisco frequentemente tem se dedicado ao papel da mulher na Igreja. “A mulher é a imagem da Igreja, que é mulher, é esposa, é mãe” (Meditação matinal de 21 de maio de 2018). E o Pontífice vai ao ponto: “Não se trata de dar mais cargos à mulher dentro da Igreja – sim, isso é positivo, mas assim não se resolve o problema – trata-se de integrar a mulher como figura da Igreja no nosso pensamento. E pensar na Igreja com as categorias de uma mulher” (Encontro sobre a Proteção dos Menores no Vaticano, 22 de fevereiro de 2019).

O convite a aprofundar as categorias femininas na Teologia e na Eclesiologia acontece simultaneamente ao debate sobre a questão da mulher nas ciências humanas, com as consequentes políticas públicas.

A pergunta que essas ciências visam a investigar é por que em nossas sociedades verificamos inaceitáveis fenômenos de violência, preconceito, desigualdade de oportunidades e de representação nas esferas de decisão no atual contexto.

Penso que, nesse tema, as ciências ainda não dispõem de categorias de pensamento suficientes. O instrumental delas consegue diagnosticar o problema, identificando-o nas relações sociais que se foram consolidando como resultado de um processo cultural. Contudo, embora identificando a tensão dialética nas relações entre homens e mulheres, não consegue apontar uma resolução de tal tensão. A dialética de matriz hegeliana propõe justamente tal superação mediante uma síntese. Qual seria a síntese entre ser homem e ser mulher (estamos falando em termos de papéis sociais, não em termos biológicos)? Uma “neutralidade (não indefinição!) de gênero”, como alguns propõem?

Um caminho para avançar nesses estudos pode ser representado por outro “instrumental” dialético, aquele no qual boa parte do pensamento do Papa Francisco se fundamenta. Trata-se da dialética proposta por Romano Guardini. Nela, não se fala em contradições de tese e antítese a serem superadas numa síntese, mas em oposição bipolar, cuja tensão é resolvida numa dimensão transcendental. Ou seja, os dois polos não “desaparecem” numa síntese, mas “permanecem” em relação (um grupo de estudiosos de antropologia trinitária está aprofundando o tema reconhecendo nas relações interpessoais reflexos das relações que acontecem na Trindade). 

Outro caminho que entendo ser necessário em tais investigações é a abordagem transdisciplinar do tema – aliás, exigência cristã da visão integral do ser humano. Até o presente, as diversas disciplinas (Filosofia, Sociologia, Psicologia, Teologia…) têm tratado do assunto de maneira predominantemente isolada. Trata-se agora de avançar, deixando cada disciplina se interpelar pelas outras (mantendo sempre sua própria metodologia, sem sujeição de uma à outra), abrindo-lhe assim novas perspectivas.

Creio serem a dialética guardiniana e a transdisciplinaridade novos possíveis paradigmas – dentre outros – que ajudarão a pensar a Igreja e a sociedade com as categorias da mulher, com desdobramentos promissores.

Em tempo: a Congregação para a Educação Católica acaba de lançar o documento “Homem e mulher os criou: para uma via de diálogo sobre a questão do gender na educação”. Ele oferece uma excelente síntese do pensamento da Igreja a respeito do tema e sua relação com a sociedade contemporânea (em especial, com a ideologia e os estudos sobre o gênero), seguindo a metodologia do “escutar, analisar e propor”, aplicada no campo da educação.

Klaus Brüschke é membro do Movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade Nova

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