Fé e Cidadania

‘Pecador sim, corrupto não!’

O ainda Cardeal Jorge Bergoglio, atento aos grandes escândalos de corrupção que atingiram a Argentina na década de 1990, alertava para o risco de vermos a corrupção como algo apenas exterior, apenas na esfera política e institucional. A corrupção, dizia, está em toda parte, inclusive dentro de muitos de nós, de nossas casas, de nossas comunidades e Igrejas: “A corrupção nasce de um coração corrupto”.

Não é a quantidade de pecados que faz o corrupto, mas a indiferença, o estado de anestesia e cumplicidade que acomete a muitos diante dos próprios pecados, podendo levar à morte espiritual. Para o pecador, sempre haverá perdão; para o corrupto não, pois na base da corrupção existe um “cansaço de transcendência”.

“Poderíamos dizer que o pecado se perdoa, a corrupção não pode ser perdoada. Simplesmente porque na base de toda atitude corrupta há um cansaço de transcendência: diante de Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se erige como suficiente na expressão de sua saúde e cansa-se de pedir perdão. Esse seria um primeiro traço característico de toda corrupção: a imanência. No corrupto, existe uma suficiência básica, que começa sendo inconsciente e depois é assumida como coisa mais natural” (BERGOGLIO, J.M. “Corrupção e Pecado”. São Paulo: Editora Ave Maria, 2013).

O corrupto, marcado pela autossuficiência, sempre procura atalhos para não se corrigir. Não existe arrependimento nem desejo sincero de mudança, mas uma cumplicidade de fundo que tende a justificar sua conduta com os recursos retóricos que lhe são acessíveis, dos mais simples aos mais sofisticados. Sofre do “complexo de inquestionabilidade”, que se caracteriza pela não aceitação de críticas. Diante delas, costuma ficar mal, desqualifica o outro ou a instituição, procura aniquilar toda autoridade, tenta justificar-se sempre, insulta quem pensa diferente, considera-se perseguido e transforma-se em perseguidor. Com o humor que lhe é característico, o então Cardeal Bergoglio diz que o corrupto tem cara de “não fui eu” e “cara de vaso”. Essa é uma marca típica daquele que não quer ser descoberto, denunciado em sua farsa. Existe um número considerável de pecadores bíblicos que encontraram alívio e refúgio no arrependimento sincero e na reconciliação: o publicano, Pedro, o filho pródigo, Davi, e tantos outros.

Precisamos cultivar um sadio estado de vigilância para que a cumplicidade com o pecado não se transforme em corrupção dentro dos nossos corações, pois é justamente de lá que “saem as intenções malignas: prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, malícia, devassidão, inveja, difamação, arrogância, insensatez. Todas essas coisas saem de dentro do homem e o tornam impuro” (Mc 7, 21-23).

Diante do cansaço que muitas vezes o pecado pode causar em nossas vidas e quando a vontade de desistir de lutar parecer ser mais forte, o Papa Francisco nos recorda que existe uma ação misteriosa do Ressuscitado e do seu Espírito que age e sempre agirá.

“No caso de pensarmos que as coisas não vão mudar, recordemos que Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a morte e possui todo o poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente. (...)Cristo ressuscitado é a fonte profunda da nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos confia” (Evangelii Gaudium, EG, 275).

Acreditando nessa força de vida, de esperança, de alegria, podemos afirmar com o coração constrangido pela misericórdia: pecadores sim, corruptos não!

Magna Celi Mendes da Rocha é doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP; assessora da Pastoral Universitária da mesma universidade. Membro da Comunidade Católica Shalom.

As opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO

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