Comportamento

Privacidade e consciência

Sorria, você pode estar sendo filmado enquanto lê este artigo. Começa logo de manhã pela câmera do elevador do prédio onde mora. Depois, outra vê você sair da garagem, e mais uma lhe dá bom dia ao chegar ao serviço. Não há como escapar. Você deixou seu rastro no cartão de crédito ao encher o tanque de gasolina e depois no café que tomou na padaria. O presente surpresa também está revelado no seu cartão de crédito. E até o guia de caminhos do seu celular já sabe quais são as suas rotas mais usadas, chegando a deduzir para aonde você deve ir num determinado dia e horário. Você é vigiado nas lojas, nas ruas e praças, e é bom saber se o seu celular não foi grampeado, caso esteja suspeito de alguma falcatrua.

Na hora do almoço, que marcou com o amigo com o qual queria falar sigilosamente, poderá ser filmado ou mesmo fotografado, e acabar no universo do Facebook. Todos saberão o que comeu, com quem almoçou e a que horas, e você nem está sabendo disso. Talvez seja o último a saber, quando alguém mencionar que o viu no ‘Face’ de um amigo. O mesmo poderá ocorrer em uma excursão de férias, na qual nem sequer imaginaria que alguém o estivesse filmando. Não se assuste se descobrir que o amigo do seu filho adolescente colocou na rede várias fotos do interior da sua casa, na festinha de sábado, e agora todos sabem onde e como você vive.

A privacidade acabou! E, com isso, as pessoas deixaram de compreender a importância da intimidade, daquilo que é só seu. A intimidade é um direito que eticamente se define em privacidade – não falar ou revelar o que não quero; e em confidencialidade – falo ou revelo a alguém que se compromete a não passar adiante. Daí provém o famoso sigilo ou segredo – que, por exemplo, manifesta-se com clareza no juramento médico de Hipócrates, pelo qual se promete não revelar o que viu ou ouviu de um paciente, salvo se ele assim o permita. É o sigilo profissional, que só pode ser quebrado em condições excepcionalíssimas. Da mesma forma, o sigilo do confessor – mas este nunca pode ser quebrado, pois se trata de uma conversa com Deus.

Não temos que publicar, ou ser publicados em todos os jornais, redes sociais etc. A compreensão da privacidade é algo desenvolvido principalmente a partir da adolescência, como parte do processo de autoconhecimento e como condição para a responsabilidade. É necessário, para nosso desenvolvimento enquanto homens e mulheres, saber zelar pela intimidade como um “terreno” de valorização de si mesmo. A intimidade deve ser compartilhada apenas com pessoas que sabemos que podem nos ajudar a crescer como pessoa. Não é um egoísmo, mas uma questão de amor próprio sadio, para poder se examinar, reavaliar e mudar o que for necessário, e aperfeiçoar o que está bem. Além disso, a rapidez com que os fatos são lançados quebra todas as regras da prudência, do bom senso, sem contar da própria justiça. As calúnias saem como um elefante, com a velocidade de um falcão; e as reparações se apresentam como pulgas a passos de tartaruga. E, como diria meu pai, “até provar que pulga não é elefante, muitos já se machucaram”.

A privacidade está muito ligada à consciência, que é este espaço onde me encontro comigo mesmo e com Deus. Lá, tudo se revela, não podendo haver mentiras, fraudes, corrupção ou leniência. Nesse território – a consciência – tudo é como é, sem máscaras. O homem se encontra nu, e, como Adão, tem vergonha, porque sabe quando e onde desobedeceu. Não há câmeras, gravações ou grampos. Não podemos fugir de nós mesmos e de Deus.

Talvez nessa onda de falta de privacidade, em que tudo está controlado e vigiado descaradamente, fazendo os espiões entrarem na fila de desempregados, podemos tirar uma lição proveitosa para nossa consciência. Como falava Abraham Lincoln: “Você pode enganar alguém o tempo todo. Pode enganar todos por algum tempo. Nunca conseguirá enganar a todos o tempo todo.” Aí mora nossa consciência. Não podemos enganar aos demais e nos enganar, pois em cada um e em todos está Deus, que tudo vê e ouve. É uma maneira positiva de encarar essa vigilância permanente, que acabou, desastrosamente, com a privacidade: comportar-se com todos e consigo mesmo, em todos os lugares e circunstâncias como se estivéssemos diante de Deus. Ter uma ficha limpa.... Desculpe, quero dizer, uma consciência limpa.

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