Opinião

Convicções, encontros e tortinhas de morango

Uma das minhas paixões é saborear a tortinha de morango de certa doceira da cidade. Meus alunos sabem dessa paixão porque, em minhas aulas, em que trato de grandes temas éticos, nunca deixo de proclamar minhas convicções pessoais; as gastronômicas, mas, também, as religiosas. Muitas vezes, sou questionado sobre essas tomadas de posições em sala de aula, se eu não deveria ser “imparcial”. Aí, contra argumentando, relembro da tal tortinha de morango, porque é algo que encontrei na vida e, tendo-a experimentado e provado seu sabor, não posso deixar de anunciar a todos os meus amigos o acontecimento de ter conhecido esse doce.

E quanto maior a amizade – portanto, quanto mais eu gosto da pessoa e estou interessado em seu bem – tanto mais me sinto propelido a lhe anunciar a existência dessa tortinha maravilhosa: “Você tem que ir lá experimentar!... É muito bom!...” Não é assim que a gente faz frente ao amigo querido?

Mas pode ser que ele, mesmo desejoso, tenha um impedimento. Se for financeiro, eu pago... Se for, por exemplo, porque é diabético e não pode comer doce, vou lamentar e sofrer por e com ele. Mas se ele rejeitar a minha proposta sem sequer manifestar a curiosidade de experimentar, ficarei muito triste e preocupado, querendo saber o que acontece com esse amigo.

Entre os que provam a tortinha, alguns gostam, e com estes terei algo mais em comum para compartilhar. Mas, pode ser que alguns provem e não gostem da tortinha ou mesmo digam que “existe algo melhor”, como aconteceu com uma aluna que, quando eu contava essa história, disse: “O senhor fala bem dessa tortinha porque não provou o doce de maçã”. Fiquei provocado, isto é “pró+ vocado”, instigado a reverificar minha vocação, e fui provar o tal doce. Bonzinho... mas continuo preferindo a tortinha de morango. Essa divergência não é ruim. Agora, com essa aluna posso manter um delicioso diálogo sobre doces. Oxalá esse debate nos ajude a amadurecer as nossas próprias convicções ou descobrirmos juntos algo ainda melhor! Agindo assim, compartilhamos o que se chama de “ímpeto de felicidade”, que corresponde a uma das exigências fundamentais do coração humano.

Compartilho essa experiência para mostrar como vivo as minhas convicções religiosas, também quando trato da Ética e da Bioética. Sem isso, seria como um  professor de Gastronomia que, falando sobre doces e salgados, não contasse suas preferências. Seria trair os amigos, privá-los do melhor.

Nada mais significativo na minha vida do que o encontro com Cristo, que se apresenta como o ponto de referência para tudo, que me provoca a retomar a cada novo dia o que significa para minha vida o Seu Nascimento, Vida, Morte e Ressurreição. Claro que esse Anúncio, o compartilhar desse “conhecimento”, deve respeitar minhas responsabilidades frente à necessária objetividade do meu trabalho, que é ensinar o conteúdo próprio da disciplina, e respeitar a pessoa do outro, aluno ou amigo, o que implica em não lhe impor goela abaixo, contra a sua vontade, mesmo uma porçãozinha da “tortinha de morango”; isso seria “proselitismo” do tipo fundamentalista. Mas, ao mesmo tempo em que não posso impor, sou impelido a comunicar àqueles que o Senhor me confiou o significado para minha vida de um Acontecimento, uma evidência fundamental.

Quanto mais gosto de uma pessoa e reconheço seu valor e sua dignidade, isto é, reconheço que é filho ou filha de Deus e que sua dignidade independe das escolhas que faz – certas ou erradas – mais desejo comunicar aquilo que de melhor encontrei. Se não é assim, é como aceitar que um irmão se contente com a “tortinha de morango” mequetrefe vendida num lugar qualquer.

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