Comportamento

Crianças e tecnologia: o que fazer?

“Brincar mais, dormir melhor e passar menos tempo em contato com telas são os passos apontados para desenvolver hábitos saudáveis ainda na infância” (O Estado de S. Paulo, 25/4/19 p. A17). Essas recomendações, dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apresentam-se como um “ovo de Colombo”. O homem contemporâneo descobriu que está inserindo as crianças muito precocemente em contato íntimo com a tecnologia. Por meio de celulares, tablets e TVs, todos nascem no mundo virtual e rapidamente se tornam seus dependentes. As consequências já são vistas no prejuízo do desenvolvimento cognitivo, como também na possibilidade de problemas orgânicos e psicológicos no futuro.

Recomendo a leitura do artigo, porém, em ousado resumo, arriscaria dizer que as crianças com menos de 5 anos precisam, basicamente, de dormir mais e melhor, alimentar-se bem e brincar muito, de preferência em ambientes abertos e saudáveis, como parques. E o fundamental: manter-se distante da tecnologia. Alguma novidade para pais conscientes e bem-intencionados? Nenhuma! A questão que a matéria não analisa é: como fazer isso?

As crianças nascem filmadas pelos celulares. Em todos os ambientes, as TVs marcam presença. Os tablets e celulares foram colocados nas mãos de todo ser humano. E mais: a criança chora para comer, e a mãe, com tempo marcado, liga o desenhinho para a criança parar de chorar e comer. E isso acontece quando é a mãe quem dá a refeição. Atualmente, a maioria, a grande maioria, das mães não dá comida a seus próprios filhos. E se as funcionárias e babás dão comida aos filhos daquelas que saem para trabalhar, quem estará dando comida aos filhos das funcionárias?

Sugere-se que as crianças brinquem em parques, por pelo menos três horas de atividades físicas diárias, a partir dos 2 ou 3 anos. A maioria dos prédios não tem áreas de lazer adequadas. A mãe, para poder brincar com o filho, ou está desempregada ou fez a opção de não trabalhar fora, e, assim, perde renda. As creches não estão adequadas, com raras exceções, ou não são suficientes. Também se recomenda aos pais que saem para trabalhar na penumbra da madrugada e voltam na escuridão da noite para casa, exaustos, que cantem, brinquem e contem histórias a seus filhos. Vamos parar por aqui... Não quero parecer contrário às orientações pediátricas da OMS, absolutamente corretas e adequadas, às crianças. Só se esqueceram de olhar para a vida dos pais!

O tema é recorrente, insistente, repetitivo, mas insubstituível: estamos olhando para as famílias!? Como podemos dar recomendações brilhantes, após numerosos estudos científicos realizados por professores universitários notáveis em instituições renomadas, que chegaram às mesmas conclusões que eu já ouvia da minha avó (com primário completo), sem perceber que estamos falando de uma verdade sem contextualização? É dizer que os pais estão sendo descuidados com seus filhos, porque não os levam aos parques, não oferecem refeições com músicas e não brincam com cubinhos, utilizando-se dos desenhinhos no celular ou na TV, porque são preguiçosos.

Quantas mães não gostariam de ter uma licença-maternidade, segura e digna, para ocuparem-se de seus filhos recém-chegados ao mundo? Quantos pais não ficariam felizes em poder chegar em casa a tempo de dar um beijo e um abraço nos filhos, e contar histórias de ninar, antes de eles dormirem? Quantos pais não desejam sair com seus filhos nos parques aos domingos, sem a necessidade de fazer horas extras para comprar o pão de cada dia? Quanto a sociedade não se fortaleceria se, em vez de pensar única e exclusivamente na competitividade selvagem, valorizasse a boa educação da infância, oferecendo condições com dignidade a seus pais?

Em tudo o que se recomenda às crianças, é fundamental que antes se avaliem as condições que os pais têm para o seu cumprimento. Dessa forma, estaremos olhando para as famílias como um todo. Deixemos de observar somente estatísticas sobre déficits cognitivos e possíveis doenças para olhar o mais importante, ou seja, que tais medidas contribuiriam com as crianças nos seguintes aspectos não mencionados nesses trabalhos: cresceria o afeto na relação dos pais com seus filhos, o que é imprescindível no caminho da educação para o amor. Que neste 1º de maio, contemos com a intercessão de São José Operário para que as políticas públicas estejam a serviço da dignidade da família.

Dr. Valdir Reginato é médico de família, professor da Escola Paulista de Medicina e terapêuta familiar
 

LEIA TAMBÉM: Papa beija os pés dos inimigos sul-sudaneses: não se considera rei nem imperador, mas um pobre Cristo

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.