Fé e Cidadania

‘Transfiguração’ nas políticas públicas

O episódio da Transfiguração do Senhor (Lc 9, 28-36), proposto pela liturgia do 2º Domingo da Quaresma, faz-nos pensar não apenas no esforço laborioso da mudança pessoal, mas também no empenho conjunto para debater e implementar as políticas públicas. O período quaresmal, com efeito, propõe-nos uma dupla conversão: uma dimensão pessoal, centrada na reconciliação com Deus e com os irmãos; e uma dimensão sociopastoral, voltada para o compromisso cristão com a transformação da sociedade.

Trata-se, no fundo, de redescobrir e manter atualizadas as implicações sociais e políticas do próprio Evangelho. A partir da leitura da Palavra de Deus, em particular dos “sinais dos tempos” deixados por Jesus, quais os desafios do contexto histórico atual que podem e devem ser transformados? Mais concretamente, motivados pelo brilho resplandecente da Transfiguração do Senhor, o que podemos e devemos “transfigurar”, seja no âmbito de nossa vida individual, seja na esfera social e política em que vivemos e atuamos?

As luzes da Palavra de Deus, em especial do texto da Transfiguração, contrapõem-se às sombras da vida privada e da pública. Ambas, num processo dinâmico e dialético, caminham entrelaçadas e em paralelo. Quanto mais luz na minha trajetória pessoal, tanto mais transparência poderei irradiar sobre minhas ações pastorais, sociais e políticas. E, inversamente, quanto mais me oculto atrás das trevas tanto mais estarei contribuindo para um mundo de injustiça, assimetrias e falta de paz.

Os comportamentos individual e social se cruzam e interagem. Uma vida luminosa ilumina o caminho de outros, ao passo que uma vida obscura e obtusa deixa um rastro de fantasmas. Daí o convite do tema da CF 2019, sobre a “Fraternidade e as políticas públicas”. Não basta contar com verbas volumosas no orçamento da União. Não basta repetir o elenco já conhecido das promessas eleitoreiras e da boa vontade sobre saúde, educação, transporte, segurança etc. Tampouco, basta aplicar de forma séria e responsável o dinheiro dos impostos e taxas.

Tudo isso é válido e necessário – bom orçamento, boa vontade e boa administração! Mas, em termos de políticas públicas, o que fazer, como fazer, com quem fazer e para quem fazer? As quatro perguntas requerem que, além do envolvimento dos governos (municipal, estadual e federal) e da aplicação do erário nacional, a população seja consultada. O problema é encontrar novos meios e novos canais, novos instrumentos e novos mecanismos em que os conselhos populares, por exemplo, possam manifestar seu parecer e contribuir com as decisões.

O grande desafio consiste em “transfigurar” os desequilíbrios socioeconômicos deste Brasil de contrastes segundo o Sociólogo Roger Bastide. Junto a isso, “transfigurar” também a prática política em que, histórica e estruturalmente, os benefícios coexistem com a exclusão social. E “transfigurar”, ao mesmo tempo, a própria conduta, sobrepondo os valores éticos à epidemia da corrupção e do tráfico de influência.

Padre Alfredo J. Gonçalves, teólogo, é o atual Vigário-Geral da Congregação dos Missionários de São Carlos (scalabrinianos). Realizou trabalhos pastorais em favelas, cortiços e no interior do Estado com os migrantes cortadores de cana-de-açúcar. Foi diretor do Centro de Estudos Migratórios (CEM) de São Paulo, assessor do Setor Pastorais Sociais da CNBB, Superior da Província São Paulo dos Padres Scalabrinianos.
 

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