Fé e Cidadania

Catolicismo e globalismo

Em nossa sociedade, as interações entre as nações são cada vez maiores. A facilidade de deslocamentos e transportes e o avanço das comunicações fazem com que um produto chinês possa ser vendido no Brasil a preço menor que seu equivalente nacional; que uma decisão econômica ou política tomada na Rússia possa afetar a bolsa de valores em São Paulo; que fiquemos sabendo de maremoto no Oceano Pacífico no momento em que chega às costas asiáticas; que conversemos com parentes na Europa com a mesma facilidade que telefonamos para nossos vizinhos.

O mundo globalizado não é uma construção ideológica ou o fruto da vontade dos poderosos. É uma realidade que se impõe, da qual não podemos fugir e que exige um ordenamento internacional justo, respeitoso e solidário.

Quem tem o poder político-econômico pode se valer da globalização para lucrar mais, em detrimento das condições de vida dos mais pobres. Quem tem o poder político-cultural pode se valer da globalização para impor uma determinada visão de mundo que destrua os valores tradicionais dos grupos locais. Ambas são formas de opressão condenadas pela Doutrina Social da Igreja, mas que não podem ser eficientemente combatidas por nações isoladas, pois num mundo globalizado os países dependem uns dos outros.

A melhor oposição a um despótico poder internacional é a solidariedade internacional. Criar tal solidariedade não é tarefa fácil, mas as nações que fazem opções unilaterais são as que mais sofrem com os desmandos do poder (internacional ou nacional).

A Igreja Católica tem esse nome justamente por- -que o Cristianismo se propõe a ser universal (e, portanto, global). Segundo o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI, 432): “A mensagem cristã oferece uma visão universal da vida dos homens e dos povos sobre a terra, que leva a compreender a unidade da família humana. Tal unidade não se deve construir com a força das armas, do terror ou da opressão, mas é antes o êxito daquele ‘supremo modelo de unidade, reflexo da vida íntima de Deus, uno em três Pessoas, que nós cristãos designamos com a palavra comunhão’ (São João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis, SRS, 40) e uma conquista da força moral e cultural da liberdade. A mensagem cristã foi decisiva para fazer a humanidade compreender que os povos tendem a se unir não apenas em razão das formas de organização, de vicissitudes políticas, de projetos econômicos ou em nome de um internacionalismo abstrato e ideológico, mas porque livremente se orientam em direção à cooperação”.

Uma autoridade internacional deve ser subsidiária, isso é, propor-se como ajuda (subsídio) às nações e não como imposição. A comunidade internacional funda-se no direito e na soberania dos Estados, sem negar ou limitar sua independência. Desse modo, não se relativiza ou enfraquece as características de um povo, mas se favorece sua expressão (CDSI, 433-443).

Os Estados nacionais modernos começaram a se consolidar a partir dos séculos XIV e XV; as democracias ocidentais, a partir do século XVIII. Até hoje, os Estados nacionais democráticos enfrentam inúmeros problemas para realizar seus ideais originais. A percepção da necessidade de instâncias internacionais que coordenassem a solidariedade entre as nações só ficou evidente no século XX, com a fundação de entidades como as Nações Unidas. Trata-se de uma realidade ainda embrionária, que deve ser incentivada e corrigida na medida do necessário.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
 
 

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