Fé e Cidadania

Advento e Natal: anunciar e testemunhar

No início da Primeira Carta de João, o discípulo amado, em nome dos demais pastores da Igreja primitiva, propõe-se a anunciar e testemunhar “aquilo que vimos, aquilo que ouvimos, aquilo que contemplamos e aquilo que tocaram nossas mãos” (1Jo 1,1- 4). O tempo litúrgico do Advento e Natal, que está para se iniciar, constitui um período oportuno para refletir sobre essas quatro formas verbais que, desde os primórdios da Igreja, resumem o conceito de evangelização. Como a estrela de Belém, o texto de João representa uma luz que ilumina nossa preparação à vinda do Senhor.

Aquilo que vimos: Que viram os apóstolos e discípulos? Que viram as multidões que seguiram Jesus pelas estradas da Galileia e Judeia? Que viram em Jerusalém? Viram um homem que trazia no olhar o amor do Senhor, no rosto a face luminosa do Pai, na boca “palavras de vida eterna”. Ou melhor, viram o “verbo que se fez carne e veio habitar entre nós”, diz o mesmo autor no prólogo do Quarto Evangelho. Tomaram contato direto com o Mistério da Encarnação. O Deus invisível se revela no Filho que se faz visível, se faz gesto e presença viva.

Aquilo que ouvimos: Que ouviram os seguidores do Mestre? Ouviram palavras de vida eterna, palavras que curam e confortam, que criam e transformam. Palavras de perdão, compaixão e misericórdia. Palavras que se convertem em gestos eficazes em erguer os caídos, acolher os pecadores, libertar os prisioneiros, proclamar uma boa notícia aos pobres. Além das palavras, a imagem das parábolas: linguagem popular e familiar que penetra no coração, na cultura e na alma de todo o povo que ansiosamente esperava o Messias.

Aquilo que contemplamos: Que contemplamos na imagem tão simples, tão singela e tão difundida do presépio? Que contemplaram em Belém os pastores e os reis magos? A pobreza, a solidão e o abandono: “não havia lugar para eles na casa” (Lc 2,7)? Sim e não! Na verdade, por trás das aparências, transparece a riqueza sem limites do mistério da salvação. Deus que se faz presente no interior e nas coordenadas da história humana, trazendo-lhe a alternativa e a novidade do Reino. Confrontando o Menino, no presépio, com a sua morte na cruz, o projeto salvífico transfigura o pecado e a violência humana na infinita gratuidade do amor de Deus.

Aquilo que tocamos com nossas mãos. Na última ceia, João repousa a cabeça no peito de Jesus. Este, durante o ministério público, toca e se deixar tocar pelas pessoas enfermas. Toque que cura e salva. Tomé e seus companheiros viram, ouviram, tocaram o Mestre. Por isso creram. Felizes os que creem sem ver, diz o Ressuscitado. No tempo natalício, nas famílias e nas comunidades eclesiais, somos convidados a tocar mais de perto o mistério de um Deus que desce, para que nós possamos subir ao Reino; um Deus que se faz carne, para despertar em nós a luz do espírito; um Deus que se faz homem, para que nos tornemos, a um só tempo, mais humanos e mais divinos.

Conclui-se que anunciar e testemunhar a novidade do Reino consiste, portanto, em atualizar para os dias de hoje, constante e concretamente, as noções de ver, ouvir, tocar e contemplar a que se refere João. Proclamar por meio de uma nova evangelização, “nova nos conteúdos e nos métodos” (São João Paulo II). Por outro lado, testemunh a com a própria vida. Numa palavra, seguir as pegadas do Mestre nos desafios do mundo contemporâneo, no qual a Boa Nova do Evangelho vai ao encontro da imensa sede de Deus e do sentido profundo da existência, grande doença da vida moderna ou pós-moderna.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, teólogo, é o atual Vigário Geral da Congregação dos Missionários de São Carlos (scalabrinianos). Realizou trabalhos pastorais em favelas, cortiços e no interior do Estado de São Paulo com os migrantes cortadores de cana. Foi diretor do CEM - Centro de Estudos Migratórios de São Paulo, assessor do Setor Pastorais Sociais da CNBB, Superior da Província São Paulo dos Padres Scalabrinianos
 

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