Editorial

A tarefa que nos espera

O acirramento das polarizações ideológicas e a frustração com a atuação dos políticos e com a falta de alternativas diante da crise econômica vêm crescendo no Brasil já há alguns anos. Contudo, chegaram a um nível crítico na campanha eleitoral que acaba de findar. Surgiram sinais de verdadeira renovação, que prometem dar frutos no futuro, mas por enquanto os discursos hegemônicos se colocaram mais como simples rejeição ou reapresentação de caminhos que já se mostraram incapazes de responder às necessidades da sociedade. Alguns se mostram incertos por não reconhecerem as limitações impostas pela crise financeira do Estado, outros por não reconhecerem as consequências sociais e ambientais de uma lógica puramente economicista, outros ainda por não terem o respaldo político necessário para se viabilizarem.

Os resultados das urnas indicaram que a maioria dos eleitores se posicionou mais por rejeição ao que considera pior do que por convicção de estar votando no melhor. As redes sociais se transformaram numa espécie de grandes latas de lixo que recebiam “fake news”, ataques raivosos e posicionamentos inconsequentes, fermentando e fazendo crescer um clima de ressentimento e animosidade que dividiu não só a sociedade, mas também famílias, comunidades e grupos de amigos. 

Terminadas as eleições, surge a necessidade de viabilizar novos caminhos, exequíveis e capazes de vencer os desafios que o País enfrenta, sempre respeitando a Constituição, a democracia e a liberdade, compromissos ratificados por Jair Bolsonaro (PSL), no primeiro discurso após a confirmação de sua eleição como Presidente da República. Torna-se fundamental superar ressentimentos, promessas ilusórias e oposições que desunem aqueles que querem realmente construir o bem comum. 

As divisões que separam os bons só servem para fortalecer os maus. Se os políticos comprometidos com o bem comum, as organizações sociais e a população em geral não procurarem trabalhar juntos, quem se beneficiará serão os corruptos, os políticos fisiológicos e os poderes econômicos que agem apenas em proveito próprio. Nessa perspectiva, os católicos têm uma tarefa especial a cumprir.

As pesquisas eleitorais sempre mostraram que a comunidade católica era, entre as várias denominações religiosas, aquela com posições políticas mais diversificadas. Encontramos católicos sinceros e bem-intencionados da direita à esquerda, em todo o espectro político-ideológico. Costumamos pensar nisso como um defeito da Igreja. Gostaríamos que nossos irmãos pensassem como nós e até nos escandalizamos quando se colocam em posições opostas às nossas. Mas, na verdade, essa é uma grande riqueza: significa que o encontro com Cristo pode fecundar a criatividade e o empenho humano, superando as ideologias.

No entanto, trata-se de uma riqueza que pode se tornar pedra de tropeço. Todas as posições podem ser fecundadas no seguimento a Jesus, mas isso implica um trabalho permanente de cada um para purificar sua visão da política, procurando sempre abraçar a verdade e rejeitar a mentira, agir segundo a caridade e não segundo o ódio ou o interesse particular. Os que ideologizam a fé acabam se afastando de Cristo e de sua Igreja, não importa a direção política que adotem. Para os cristãos, a diversidade de posições políticas não deveria sobrepor-se à unidade que nasce do amor fraterno e da caridade. Quando eles conseguem viver essa unidade, tornam-se construtores de pontes, de possibilidades de diálogo que servem a toda a sociedade. Num momento de intensa polarização, nossa primeira contribuição reside nesse serviço ao diálogo.

Quando esteve no Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, o Papa Francisco insistiu na importância desse diálogo construtivo, pelo qual fosse pos sível revitalizar a política, numa postura responsável, evitando elitismos e erradicando a pobreza (Discurso à classe dirigente do Brasil, em 27/06/2013). Esse diálogo não pode ser relativista ou norteado por pactos de poder, mas deve ser aberto a todos, buscando compreender os reais desejos e necessidades do outro, para construir juntos o bem comum. 

O diálogo aberto, mas não relativista, pode ser ajudado pelos chamados “princípios irrenunciáveis”: (1) o direito à vida, (2) a proteção e promoção da família, (3) a liberdade – em particular religiosa e de educação, (4) a economia a serviço da pessoa e (5) a construção da paz (cf. Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, da Congregação para a Doutrina da Fé, 2002). Contudo, esses princípios não podem ser instrumentalizados ou ideologizados. Todos são irrenunciáveis, não podemos escolher um e esquecer os outros. Além disso, são muito amplos e implicam análises específicas para serem implementados. 

Com sabedoria, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI) observa que nem sempre encontraremos candidatos que se comprometem de forma adequada e integral com todos esses princípios. Procuramos sempre escolher os que mais se aproximam deles. Contudo, o mais importante é que nos comprometamos sempre a “limitar os danos” advindos de uma postura inadequada do político eleito (CDSI 570). Se ele é favorável ao aborto, vamos nos comprometer a defender mais a vida; se é violento, a defender a paz, e assim por diante.

Trabalhar pelo diálogo e pela construção do bem comum, procurando limitar os danos causados por posturas inadequadas dos políticos (tenham eles recebido ou não nosso voto) é a tarefa que nos espera neste momento.
 

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