Editorial

Tolerância

Apesar de não terminado ainda o período eleitoral, já podemos observar que estas eleições foram as mais acirradas de nossa história recente. E não nos referimos apenas às pesquisas de intenção de voto, ou aos ataques dos candidatos entre si: na verdade, o que particulariza este pleito é a divisão em que tem lançado o próprio povo brasileiro, quase que recortando-o em grupos rivais.

Colocação de rótulos pejorativos, respostas com humor ácido, exclusão de “amigos” nas redes sociais e até mesmo sentimento de antipatia entre parentes e amigos têm sido atitudes comuns de muitos brasileiros quando se deparam com manifestações de posicionamentos políticos contrários aos seus. 

Certamente que para nós, cristãos, existem alguns princípios morais inegociáveis, que não podemos relativizar. Mas também é verdade que, nas discussões políticas em geral, muitas das questões, se não a maioria delas, são opináveis – admitem divergência, mesmo entre pessoas de boa vontade e bem informadas. Qual, então, a justa medida da tolerância política?

Pode ajudar-nos um discurso proferido em 1937 por Dom Francisco de Aquino Corrêa, então Bispo de Cuiabá (MT), a seus pares imortais da Academia Brasileira de Letras, em resposta à acusação de serem os católicos intolerantes.

Para termos clareza no debate, dizia o Prelado, é preciso distinguir três tipos de tolerância, designados, “para maior clareza ou efeito gráfico”, por três “pês”: (1º) a tolerância de pessoas, (2º) a tolerância de palavras, e (3º) a tolerância de pensamentos. 

Primeiro, é dever de todo cristão ser tolerante quanto às pessoas. Basta abrir o Evangelho: Cristo não hesitava em sentar-se à mesa com pecadores e publicanos, em ser-lhes acessível e amigo, para escândalo dos fariseus. 

Segundo, impõe-se-nos também a tolerância de palavras – isto é, ainda que argumentando contra uma posição sabidamente errada, convém que a correção tenha tom brando, e não irado. A luz da verdade, dizia São Francisco de Sales, não se dardeja aos olhos do adversário, com perigos de cegá-lo: fazeilhe alvorecer de mansinho.

A última espécie de tolerância é a de pensamento, a qual nos pediria que aprovássemos como certas as doutrinas que, como cristãos, sabemos ser erradas. Aqui sim, de fato, devemos resistir, e reconhecer nossa intolerância: não toleramos o desprezo da vida humana, não toleramos a destruição da família, não toleramos a apropriação injusta do alheio, não toleramos injustiças, a corrupção, e assim por diante. 

Mesmo quanto a estas coisas inegociáveis, porém, nossa oposição deve ser pautada na caridade. Dizia Santo Agostinho: in necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas (“No dogma, unidade; na dúvida, liberdade; em tudo, caridade”).

Até mesmo de uma perspectiva puramente humana, enfim, é mais eficiente e persuasivo reconhecer primeiro os pontos de convergência e os legítimos méritos de uma posição política contrária, para somente ao final expressar a própria divergência.

Neste delicado momento político – inegavelmente decisivo para o País –, precisamos nos olhar com respeito mútuo, como concidadãos e não adversários.

 

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